terça-feira, 29 de outubro de 2019

"O MODELO ULTRALIBERAL CHILENO se esgotou"

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Onda de protestos expõe a insatisfação popular com as condições de vida no país, diz Carla Alberti,professora da Universidade Católica do Chile    (Gabriel Bonis, de Berlim)   
O Chile enfrenta há dez dias intensos protestos, com saques a supermercados, incêndios e ataques a estabelecimentos públicos, em uma onda de violência que já deixou 20 mortos. Em Santiago, os danos causados a estações do metrô passam de 1,2 bilhão de reais.
A crise começou após o governo anunciar um aumento de 30 pesos no valor das passagens de metrô. Estudantes passaram a pular as catracas. Em pouco tempo a situação tomou proporções muito maiores, com protestos questionando a desigualdade social no país e alta no preço da eletricidade.
“Esta crise é o reflexo de um sentimento de descontentamento bastante difundido entre a população. Há uma insatisfação com o padrão de vida, especificamente devido a baixas pensões, sistema de saúde, educação, aumento das contas de serviços básicos, transporte público, conluio comercial, e desigualdade, em um nível mais geral”, explica Carla Alberti, professora de Ciência Política na Universidade Católica do Chile.
O presidente Sebastián Piñera declarou estado de emergência e chegou a enviar militares para os protestos, mas precisou recuar. O líder chileno se desculpou pela “falta de visão” e cancelou um aumento de 9,2% nas contas de eletricidade, além de prometer reajustes em aposentadorias, pensões e no salário mínimo.   
Nesta segunda-feira 28, Piñera anunciou uma ampla reforma em seu gabinete com a troca de oito ministros, incluindo o questionado titular da pasta do Interior, Andrés Chadwick. O mandatário chileno optou por substitutos jovens, entre 30 e 46 anos, mais liberais e com visões sociais mais amplas. 
Os protestos contra o governo, contudo, seguem a todo vapor. 
“O modelo ultraliberal chileno permitiu ao país crescer e reduzir a pobreza em altas porcentagens. No entanto, é um sistema com um componente de seguridade social muito precário, que levou à falta de proteção de setores importantes da população, como aposentados, e ao endividamento excessivo de outros, como estudantes. Portanto, a percepção é de que o modelo em seu estado atual se esgotou”, diz Alberti.
Politike: Qual é a razão dessa crise?

Carla Alberti: Ela é o reflexo de um sentimento de descontentamento bastante difundido entre a população. Embora o gatilho da crise tenha sido o aumento das passagens do metrô, suas causas são muito mais profundas. Por um lado, há uma insatisfação com o padrão de vida, especificamente devido a baixas pensões, sistema de saúde, educação, aumento das contas de serviços básicos (como eletricidade), transporte público, conluio comercial, e desigualdade, em um nível mais geral.
Por outro lado, o sistema político e institucional é percebido como não representativo, desconectado das demandas dos cidadãos e capturado por certos grupos econômicos, o que gerou uma mobilização contra o atual governo, mas também contra a classe política como um todo. A combinação dos dois descontentamentos gerou uma série de mobilizações principalmente nos setores mais desfavorecidos e da classe média, em Santiago e em outras cidades do país.
Politike: O que está acontecendo com o modelo ultraliberal chileno, considerado bem-sucedido e um exemplo para a América Latina por governantes como Jair Bolsonaro?

CA: O modelo chileno permitiu ao país crescer e reduzir a pobreza em altas porcentagens. No entanto, é um sistema com um componente de seguridade social muito precário, que levou à falta de proteção de setores importantes da população, como aposentados, e ao endividamento excessivo de outros, como estudantes. Portanto, a percepção é de que o modelo em seu estado atual se esgotou. A demanda dos cidadãos é que esse modelo é tendencioso para grupos privilegiados, alguns dos quais conspiraram para aumentar os preços de produtos básicos, como medicamentos, e que o componente redistributivo do mesmo seja fortalecido para reduzir a lacuna social.
Politike: Bolsonaro sugeriu que esses protestos se originam no final da ditadura no Chile. O que a senhora acha deste comentário?

CA: Acredito que qualquer opinião que defenda uma ditadura é infeliz. Não surpreende, de qualquer forma, uma declaração desse tipo, dado o apoio repetido que Jair Bolsonaro mostrou à ditadura chilena. No entanto, é um comentário que revela a falta de entendimento sobre as causas da atual crise no Chile e apenas contribui para promover a polarização política.
Politike: A senhora vê alguma semelhança entre o movimento que ocorre agora no Chile e o que se passou no Brasil em 2013?

CA: Existem semelhanças óbvias entre os protestos no Brasil em 2013 e as atuais mobilizações no Chile. Embora ambos tenham começado com o aumento do preço do transporte público, as demandas são muito mais amplas e profundas. Nos dois casos, os cidadãos se mobilizaram contra as elites políticas, exigindo menos corrupção, melhorias na saúde e na educação e padrões de vida mais altos. Tanto no Brasil como no Chile, as manifestações são transversais, dirigidas por jovens e com alta participação da classe média. A rejeição da classe política em geral é uma constante nas duas mobilizações. No Brasil, isso permitiu o surgimento de um líder populista, enquanto no Chile resta saber qual setor político pode capitalizar esse descontentamento.
FOTO: Pedro UGARTE / AFP

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