Para nossa surpresa, aquilo que despejamos pela descarga pode ser o combustível do século 21 - melhorando o saneamento e criando energia verde no mundo todo.
26 out 2017
O nosso planeta tem um problema. Os humanos, como todas as outras
criaturas vivas, produzem muito... bem, muitos restos desagradáveis. Na
forma de cocô e xixi. Se não forem tratados, podem contaminar
reservatórios de água, poluir rios e acabar com áreas litorâneas.
A falta de água tratada e de saneamento básico ainda é um enorme
problema em regiões em desenvolvimento, e nas áreas mais avançadas
grandes quantidades de energia são necessárias para o tratamento.
Mas talvez estejamos olhando para nosso esgoto pelo lado errado - ele
pode ser uma commodity preciosa, em vez de um subproduto malcheiroso das
nossas vidas diárias.
Vários engenheiros criativos estão encontrando maneiras de aproveitar o
potencial dos nossos dejetos corporais, transformando-os em energia
para iluminar nossas casas e dar combustível aos nossos carros. Aqui
estão alguns exemplos de como algumas ideias, digamos, nojentas podem
ser grandiosas:
O poder do xixi
Uma abordagem inovadora é transformar urina em eletricidade com ajuda de bactérias.
Pesquisadores da Universidade do Oeste da Inglaterra criaram estações
compactas de eletricidade conhecidas como pilhas de combustível
microbiótico capazes de transformar xixi em energia elétrica que pode
ser usada para iluminar salas pequenas ou ligar pequenos aparelhos
eletrônicos.
As pilhas de combustíveis são únicas por conter bactéria que geralmente
é encontrada na parte de baixo de navios ou plataformas de petróleo no
oceano. Elas crescem em eletrodos e se alimentam do material orgânico
presente na urina conforme ele passa por elas, produzindo uma pequena
corrente de energia.
"Essa tecnologia não apenas limpa a água do esgoto, portanto melhora o
saneamento e a higiene, como também gera energia ao mesmo tempo", diz
Ioannis Ieropoulos, diretor do Centro de Bioenergia de Bristol, líder do
projeto e professor da mesma universidade.
Os pesquisadores já usaram as pilhas movidas a xixi para recarregar um
smartphone, apesar de ter demorado cerca de 64 horas para encher a
bateria totalmente. As pilhas produzem apenas 1 AMP de corrente e cerca
de 3 volts de eletricidade. Mas Ieropoulos acredita que será possível
aumentar a potência com alguns ajustes ao material e ao processo.
Nas regiões do mundo onde o saneamento e a eletricidade são escassos, o
impacto pode ser enorme. No mundo todo, há mais de 2,5 bilhões de
pessoas sem acesso a um saneamento seguro, enquanto 1,2 bilhões não têm
eletricidade.
Em julho, a equipe instalou um conjunto de pilhas em um banheiro de uma
escola para meninas em Uganda para gerar luz no cubículo e na parte
externa para iluminar o caminho em direção ao prédio à noite.
E essa tecnologia também pode ser útil a países desenvolvidos. "Há uma
enorme quantidade de água de esgoto que é desperdiçada toda hora pelo
mundo inteiro", diz ele. "É aí que está o maior potencial para a
tecnologia, se conseguirmos implementá-la o mais perto da fonte do
esgoto possível. Ela pode criar eletricidade para o uso de eletrônicos
na casa e também diminuir a pressão nas plantas de esgoto."
Mas o combustível do futuro não está apenas nos nossos dejetos, bem… líquidos.
O potencial do cocô
Pilhas de combustível microbiótico podem lidar com os dejetos sólidos do nosso corpo também.
Ieropoulos está trabalhando com pesquisadores nos Estados Unidos
através da Fundação Bill & Melinda Gates. Eles estão desenvolvendo
técnicas para transformar fezes em um sedimento que possa passar pelas
pilhas.
"Nós temos testado nosso sistema com sedimentos fecais", diz. "É muito
mais enriquecido, então os micróbios geram mais energia."
"Sedimentos fecais" pode parecer uma frase estranha no contexto de
energia limpa, mas esse não é o único projeto da área envolvendo o
chamado número dois.
Em Bristol, na Inglaterra, a companhia Wessex Water instalou uma planta
de biogás no seu tratamento de esgoto para transformá-lo em 56 milhões
de litros de biometano por dia.
Segundo um relatório feito pela Universidade das Nações Unidas no
Japão, se todas as fezes humanas forem transformadas em biogás, isso
poderia gerar eletricidade para 138 milhões de lares.
E há outras coisas nojentas escondidas nos canos de esgoto embaixo de nossas cidades que poderiam ser utilizadas para o bem.
Combustível de gordura
Em quase toda cidade do mundo, há bolhas coaguladas de gordura, óleo e
sebo que formam "fatbergs" ("icebergs de gordura", em português) que
entopem canos.
Entre os maiores descobertos publicamente está um encontrados neste ano
nos túneis vitorianos embaixo do bairro de Whitechapel, em Londres.
O fatberg de 250 metros - o dobro do comprimento de um campo de futebol
do Estádio Wembley - pesava 130 toneladas e levou quase três semanas
para ser limpo. Mas em vez de ser despejado em um aterro, o bloco de
gordura foi enviado a uma planta de processamento inovador e
transformado em 10 mil litros de biodiesel que pode ser usado em ônibus e
caminhões.
A planta para onde ele foi levado é administrada pela empresa Argent
Energy, na cidade de Ellesmere Port, no norte da Inglaterra. A companhia
desenvolveu um processo que pode transformar fatbergs sujos e
fedorentos em combustível limpo ao filtrar o lodo, alterando
quimicamente a gordura em um processo chamado esterificação, e, por fim,
destilando-a.
O combustível resultante pode ser misturado com diesel normal para ser usado em motores.
"Essas coisas entopem os canos, mas estão cheias de materiais que
podemos transformar em combustível", explica Dickon Posnett, diretor de
desenvolvimento da Argent Energy.
Posnett estima que entre 300 mil e 400 mil toneladas de gordura sejam
tiradas dos encanamentos britânicos todo ano, enquanto o entupimento
causado pela gordura deve custar cerca de US$ 18 milhões à cidade de
Nova York no período de cinco anos.
A planta da Argent Energy atualmente recebe cerca de 30 toneladas de
gordura de encanamentos de uma só estação de tratamento na cidade de
Birmingham (Inglaterra) toda semana, produzindo cerca de 2 mil litros de
combustível.
Mas Posnett acredita que a planta seja capaz de fazer 90 milhões de
litros de biodiesel por ano quando estiver funcionando a pleno vapor.
E não são apenas os fatbergs. "A planta pode lidar com todo tipo de
gorduras e óleos degradados", diz. "Então ela pode pegar algo como uma
maionese rançosa ou uma sopa que passou da validade. Recebemos baldes de
manteiga indiana, por exemplo, que poderia ir para o lixão."
No entanto, outra empresa - a AgriProtein, baseada na Cidade do Cabo -
tem uma maneira ainda menos agradável de lidar com os restos de comida.
Ela cria larvas pretas voadoras que devoram os restos e então são
mortas, desidratadas e esmagadas para extrair delas um óleo rico que
pode ser vendido como um alimento ecofriendly para o gado.
A AgriProtein já tem uma fábrica operando na África do Sul para tratar
essas restos, mas sua ideia agora está sendo usada com dejetos humanos.
"As moscas amam m****", diz Marc Lewis, diretor da The BioCycle, uma
companhia que usa as moscas da AgriProtein para transformar dejetos
humanos. Ela criou uma usina piloto em Isipingo, na África do Sul, onde
recebe três toneladas de fezes de 80 mil banheiros espalhados pela
região.
Essa substância malcheirosa então é inoculada em larvas jovens, que são
mortas 13 dias depois. Lewis prevê que será possível gerar até 940
litros de óleo por semana com os restos recebidos quando a fábrica
estiver em pleno funcionamento.
Esse óleo é vendido como combustível, mas pode ser usado como ácido
láurico, um componente encontrado no óleo de coco que é usado na
fabricação de sabonetes e hidratantes.
Lewis acredita que há espaço para mais expansão no futuro. "Com mais
pesquisas, podemos levar nosso conhecimento industrial para outros
restos que estão se tornando problemáticos globalmente", diz ele. Isso
pode incluir esterco ou sobras de processamento de carne.
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