Transtornos de ansiedade exigem acompanhamento especializado, mas é possível desenvolver habilidades para minimizar seus impactos no cotidiano.
22 out 2017
Sofrer com a ansiedade é mais comum do que muitos imaginam: somente no
Brasil, cerca de 13,3 milhões de pessoas têm distúrbios de ansiedade,
doença que atrapalha relacionamentos, desempenho profissional e o
bem-estar físico e emocional do indivíduo.
No ano passado, 6,4% da população brasileira sofria com transtornos do
tipo, bem mais que a média global, de 3,9%, de acordo com estimativas da
Organização Mundial de Saúde (OMS).
Mas o que é um transtorno de ansiedade e como diferenciá-lo da
ansiedade natural? De acordo com Olivia Remes, doutoranda e pesquisadora
do Departamento de Saúde Pública e Cuidados Primários da Universidade
de Cambridge, na Inglaterra, transtornos de ansiedade generalizada são
caracterizados por sensações frequentes de medo, inquietação, e de
"sentir-se no limite".
"Quando uma pessoa tem um prazo apertado ou uma emergência no trabalho,
ela se sente ansiosa e isso é normal. Mas há pessoas que se preocupam
com cada ponto de suas vidas e não conseguem se livrar disso", explica.
"Pessoas com esse transtorno se preocupam muito mais frequentemente e
com mais intensidade que aquelas com uma boa saúde mental."
Apesar dos distúrbios de ansiedade serem um problema sério, que muitas
vezes demanda acompanhamento com especialistas, é possível desenvolver
habilidades para lidar com o transtorno.
Abaixo, Remes compartilha diferentes estratégias para enfrentar o problema, com base em um estudo recente que liderou.
1 - Monitore os seus pensamentos
Quem sofre com transtornos de ansiedade geralmente se vê tomado por
pensamentos negativos que invadem a mente sem aviso. "Pessoas com
transtornos de ansiedade são pessimistas. Elas acreditam que algo ruim
está prestes a acontecer, mesmo que não haja nenhuma evidência que
aponte para isso. Elas temem o futuro e acham muito difícil evitar esse
tipo de preocupação", descreve a pesquisadora.
Para contornar tal situação corriqueira aos ansiosos, Remes sugere não
lutar contra os pensamentos negativos, mas escolher uma hora do dia como
o "momento da preocupação" e se permitir um período limitado de tempo
para ruminar. Como exemplo, Remes recomenda designar o horário das 16h
para as preocupações e dar a si mesmo 20 minutos para preocupar-se.
"A literatura psicológica mostra que nossos pensamentos murcham se não
os alimentamos com energia. Ao empurrar esses pensamentos para um outro
momento do dia, quando você chegar no momento designado para a
preocupação, eles talvez não pareçam tão confusos ou preocupantes como
pareciam quando brotaram em sua mente pela primeira vez", explica Remes.
2. Faça atividades físicas e pratique meditação
A famosa citação latina "uma mente sã num corpo são" não é gratuita.
Saúde mental e física são codependentes, afirma Remes, e a prática de
exercícios físicos é um aliado essencial para o bem-estar psíquico. Em
conjunto com exercícios regulares, a meditação consciente também pode
ajudar mentes ansiosas.
Um estudo da Universidade de Nova Jersey, publicado recentemente na
revista Nature, mostrou que apenas duas sessões semanais de meditação e
atividades físicas, de 30 minutos cada, reduziram drasticamente sintomas
depressivos nos 52 participantes da pesquisa. Os pesquisadores
concluíram que, ao cabo de oito semanas, além de auxiliar aqueles com
depressão, a prática também poderia ser útil para aqueles que tendem a
ruminar pensamentos, algo comum entre os ansiosos.
"Eu realmente fiquei muito surpresa com esse estudo, com o quanto essas
mudanças de hábito podem ter um impacto tão grande", afirma Remes.
"Quando você se exercita, você diminui seus níveis de ansiedade e você
tem mais energia. Você simplesmente se sente melhor como um todo",
aponta.
3. Encontre um propósito - nem que seja cuidar de seu animal de estimação
Em 1946, o médico austríaco Viktor Frankl publicou o livro
Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração,
no qual narrou suas experiências como prisioneiro em Auschwitz. Frankl
também analisa a resposta psicológica de diferentes prisioneiros
expostos ao campo de concentração nazista e argumenta que encontrar
sentido no cotidiano é uma forma de lidar com a adversidade.
De acordo com Remes, pessoas com distúrbios de ansiedade muitas vezes
não conseguem identificar um propósito claro em suas vidas e nem sempre
acreditam que vale a pena investir esforços para endereçar os desafios
que encontram. Em seu estudo recente sobre níveis de ansiedade em
mulheres que vivem em situações de privação econômica, Remes encontrou
que aquelas que tinham senso de coesão, de propósito e que enxergavam
sentido em suas vidas, tinham menos distúrbios de ansiedade, mesmo
vivendo situações difíceis.
Para a pesquisadora, as lições de Frankl, mesmo extraídas de uma
experiência dramática, são um mecanismo útil para aqueles que sofrem com
ansiedade. "Nos relatos de Frankl, um traço de personalidade que
diferenciava os prisioneiros eram aqueles que conseguiam manter um
propósito mesmo naquela situação. Para um era saber que sua filha o
aguardava, então ele precisava sobreviver para ela e isso lhe deu
esperança. Para outra, era saber que ela tinha um trabalho importante
para finalizar", afirma.
No cotidiano, ter a sensação de que você é necessário para a vida de
outra pessoa ou para uma atividade específica auxilia na construção de
propósito. Tal senso de conexão pode ser traduzido em atividades de
voluntariado, em cuidados com um familiar enfermo, na educação de uma
criança ou mesmo nos cuidados com um animal de estimação, aponta Remes.
"Quando você coloca seu foco em algo além de você, esse ato te ajuda a
dar um tempo de si mesmo", explica. "Ter outras pessoas em mente é muito
importante, porque torna um pouco menos penoso passar pelos momentos
mais difíceis."
4. Veja o lado bom da vida (por mais que isso seja desafiador)
Por mais clichê que possa soar, adotar uma atitude positiva perante à
vida, com foco nos aspectos bons ao invés dos ruins, é essencial para
lidar com a ansiedade. Para domar a mente e espantar os pensamentos
negativos, Remes recomenda olhar para elementos que te dão prazer, ao
invés daqueles que te irritam ou que te deprimem.
Embora controlar quais pensamentos te veem à mente seja impossível, é
possível dialogar com eles uma vez que se fazem presente. Se, ao chegar
em um ambiente, algo negativo te chamar a atenção, busque encontrar algo
que seja positivo. Se no caminho para o trabalho o trânsito estiver
estressante, busque ouvir uma música que te conforte - ou mesmo mude a
maneira de se deslocar ao trabalho. Essa atitude positiva perante os
pequenos momentos da vida tendem a reverberar também no bem estar
emocional do indivíduo, aponta Remes.
Nas situações em que pensamentos negativos intensos invadem a mente,
focar em outras atividades do corpo, como a respiração, também é uma
forma de amenizar seus efeitos. "Reconheça que esses pensamentos
catastróficos que vêm à mente, que te fazem se sentir péssimo, são
apenas eventos mentais que irão passar", diz Remes.
5. Viva no presente
A prática de ruminar pensamentos e ser constantemente tragado por
memórias do passado tende a alimentar a ansiedade. Preocupar-se com o
que pode ocorrer no futuro também pode deixar o indivíduo mais ansioso.
Embora muitas vezes esses pensamentos sejam difíceis de controlar, Remes
aponta que é importante manter um foco constante no que você está
fazendo agora.
"Estudos mostram que, quando nós vivemos no passado, revivendo memórias
antigas, essa atitude nos deixa depressivos e menos felizes. Na
verdade, ficamos mais felizes quando vivemos no momento presente. Se
você está trabalhando, simplesmente foque naquilo que você está fazendo.
Simplesmente viva no presente", diz.
6. Busque terapia
Nem sempre é possível lidar sozinho com distúrbios de ansiedade, e a
terapia é uma grande aliada para melhorar a saúde mental. Em casos
assim, uma possibilidade é a terapia cognitivo-comportamental, cujo
princípio básico é buscar uma postura construtiva do paciente.
Nesse sistema de psicoterapia, a hipótese central aponta que a forma
como entendemos eventos internos e externos - e não o evento em si - é
que determina nossas respostas emocionais e comportamentais.
De acordo com Remes, a solução é preferencial ao consumo de
medicamentos, quando for possível optar. "Em muitos casos, medicamentos
não funcionam, ou funcionam apenas no curto prazo e os problemas
retornam depois de um tempo", aponta. Para a pesquisadora, trabalhar
para desenvolver habilidades de enfrentamento à ansiedade e buscar
terapia são as melhores formas de lidar com o transtorno.
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