Cientistas já estão desenvolvendo uma rede de transmissão de informação que vai permitir a comunicação entre computadores quânticos e abrirá caminho para descoberta de novos medicamentos, de tecnologias de imagem e eletrônicos flexíveis.
22 out 2017
Imagine computadores super-rápidos que podem resolver problemas em
muito menos tempo que as máquinas de hoje. Esses "computadores
quânticos" estão sendo desenvolvidos em laboratórios ao redor do mundo.
Mas cientistas já se antecipam e começam a pensar em uma internet
quântica baseada em sinais de luz a ultrarrápida.
Não é simples criar uma tecnologia para um aparelho que ainda não foi
tecnicamente inventado, mas comunicações quânticas são um campo
atrativo, porque a tecnologia permitirá o envio de mensagens que são
muito mais seguras.
Mas, antes disso, há diversos problemas que precisam ser resolvidos para que a internet quântica funcione:
* Fazer computadores quânticos se comunicarem entre si;
* Garantir a proteção contra hackers;
* Transmitir mensagens por longas distâncias sem perder parte delas;
* Direcionar mensagens por uma rede quântica.
Mas o que é um computador quântico?
É uma máquina capaz de solucionar problemas computacionais muito difíceis de forma incrivelmente ágil.
Em computadores convencionais, a unidade de informação de "bit" e pode
ter um valor 1 ou 0. Seu equivalente no sistema quântico - o qubit (bit
quântico) - pode ser 1 e 0 ao mesmo tempo. O fenômeno permite que
múltiplos cálculos sejam realizados simultaneamente.
No entanto, qubits precisam ser sincronizados usando um efeito quântico
conhecido como entrelaçamento, o que Albert Einstein chamou de uma
"ação fantasma à distância".
Há quatro tipos de computadores quânticos sendo desenvolvidos, que usam:
* Partículas de luz;
* Íons presos;
* Qubits supercondutores;
* Centros de vacância de nitrogênio observados em diamantes imperfeitos.
Computadores quânticos permitirão uma série de aplicações úteis, como
modelar variações de reações químicas para descobrir novos medicamentos,
desenvolver tecnologias de imagem para a indústria de saúde a fim de
detectar problemas no corpo ou acelerar a forma como são desenvolvidas
baterias, novos materiais e eletrônicos flexíveis.
Poder de processamento
Computadores quânticos podem ser mais poderosos que computadores
clássicos, mas algumas aplicações exigirão ainda mais poder de
processamento do que um computador quântico oferece por si só.
Se for possível fazer com que essas máquinas se comuniquem entre si,
elas poderão ser conectadas para formar um enorme computador. Mas, como
há quatro tipos de computadores quânticos sendo criados hoje, eles não
conseguirão se comunicar sem alguma ajuda.
Alguns cientistas defendem que a internet quântica seja baseada
inteiramente em partículas de luz (fótons), enquanto outros acreditam
que seria mais fácil criar redes quânticas em que a luz interagisse com a
matéria.
"Luz é melhor para comunicação, mas qubits de matéria são melhores para
processamento", diz Joseph Fitzsimons, pesquisador do Centro de
Tecnologias Quânticas da Universidade Nacional de Cingapura, à BBC.
"Você precisa de ambos para fazer a rede trabalhar para estabelecer a
correção de sinal, mas é difícil fazê-los interagir."
É muito caro e difícil armazenar toda informação em fótons, diz
Fitzsimons, porque essas partículas não conseguem ver umas as outras e
passam reto entre si, em vez de se chocarem. O especialista acredita que
seria mais fácil usar a luz para comunicação e armazenar informação
usando elétrons e átomos (na forma de matéria).
Criptografia quântica
Uma aplicação crucial da internet quântica será a distribuição de
chaves quânticas, em que uma chave secreta é gerada usando um par de
fótons entrelaçados e usada para criptografar informação de uma forma
que é impossível para um computador quântico quebrá-la.
Essa tecnologia já existe, e foi primeiro demonstrada no espaço por uma
equipe de pesquisadores da Universidade Nacional de Cingapura e da
Universidade de Strathclyde, no Reino Unido, em dezembro de 2015.
Mas não é apenas dessa criptografia que precisaremos no futuro para
garantir a segurança de nossa informação. Cientistas também estão
trabalhando em "protocolos cegos de computador quântico", que permitem
ocultar qualquer coisa em um computador.
"Você pode escrever algo, enviar para um computador remoto e a dona da
máquina não conseguirá saber nada a respeito, a não ser a duração do
processamento (do arquivo) e a quantidade de memória que usou", diz
Fitzsimons.
"Isso é importante porque provavelmente não haverá muitos computadores
quânticos quando eles surgirem, então, as pessoas vão querer rodar
programas neles, como fazemos hoje com a nuvem."
Há duas abordagens possíveis para fazer uma rede quântica - com
comunicações em terra ou pelo espaço. Ambos os métodos funcionam para
enviar bits comuns de dados pela internet atual, mas, se quisermos
enviar dados como qubits no futuro, será muito mais complicado.
Para enviar partículas de luz (fótons), podemos usar cabos de fibra
óptica em terra. No entanto, os sinais de luz se deterioram ao longo de
grandes distâncias, porque os cabos às vezes absorvem a luz.
É possível evitar isso ao construir "estações de repetição" a cada 50
km. Elas seriam basicamente laboratórios quânticos em miniatura que
tentariam reparar o sinal antes de enviá-lo adiante para o próximo
nódulo da rede. Mas esse sistema tem suas próprias complexidades.
Terra ou espaço?
E há as redes espaciais. Digamos que você queira enviar uma mensagem do
Reino Unido para a Austrália. O sinal de luz é enviado de uma estação
em solo britânico para um satélite com uma fonte de luz instalada nele.
O satélite envia o sinal de luz para outro satélite, que então envia o
sinal para uma estação em solo australiano, e a mensagem pode ser
transmitida por meio de uma rede quântica em terra ou por uma rede
tradicional de internet para o destinatário.
"Como não há ar entre os satélites, não há nada para degradar o sinal",
diz Jamie Vicary, pesquisador do departamento de Ciência da Computação
da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e membro do Hub de
Tecnologias de Informação Quânticas em Rede (NQIT, na sigla em inglês).
"Se você de fato quiser ter uma internet quântica em escala global,
soluções com base no espaço parecem ser a única forma de fazê-la
funcionar, mas é a mais cara."
O teletransporte quântico pelo espaço já foi realizado com sucesso, e
cientistas estão tentando provar que é possível fazer isso através de
distâncias cada vez maiores.
Membros da Academia de Ciências Chinesa foram parar nas manchetes em
junho quando conseguiram teletransportar fótons entrelaçados entre duas
cidades na China localizadas a 1,2 mil km de distância entre si. Eles
usaram um satélite quântico especial chamado Micius.
Os mesmos cientistas chineses superaram recentemente o próprio recorde
ao, em 29 de setembro, realizar a primeira ligação intercontinental por
vídeo protegida por uma chave quântica, com pesquisadores da Áustria, a
uma distância de 7,7 mil km.
A ligação durou 20 minutos, e os participantes foram capazes de trocar
fotos criptografadas do satélite Micus e do físico austríaco Erwin
Schrödinger.
Rupert Ursin, membro do Instituto de Óptica e Informação Quânticas da
Academia de Ciências Austríaca, acredita que a internet quântica
demandará redes em terra e pelo espaço operando em paralelo. "Nas
cidades, precisamos de redes de fibra, mas as conexões a grandes
distâncias terá de ser realizada com comunicações por satélite."
Como funciona uma chave de distribuição quântica?
Para entender como funciona uma chave quântica, precisamos voltar à
chamada de vídeo entre cientistas chineses e austríacos. O satélite
Micius usou sua fonte de luz para estabelecer conexões ópticas com as
estações em terra na Áustria e na China. Foi então capaz de gerar uma
chave quântica.
O mais interessante da criptografia quântica é que você pode detectar
quanto alguém tentou interceptar a mensagem antes de ela chegar ao
destinatário ou quantas pessoas tentaram acessá-la.
O Micius foi capaz de dizer que a criptografia não havia sido violada e
que ninguém estava ouvindo à ligação. Deu então o 'ok' para
criptografar os dados usando a chave secreta e transmiti-los por uma
rede pública de internet.
Mensagens
Diversos grupos de cientistas estão desenvolvendo redes em terra ao
trabalhar em tecnologias de estações de repetição quânticas, localizadas
a cada 50 km, conectadas por cabos de fibra óptica.
Essas estações, conhecidas como "nódulos de rede quânticos", precisarão
realizar diversas ações para direcionar as mensagens pela rede.
Primeiro, cada nódulo precisa reparar o sinal e potencializar o sinal
que ficou prejudicado ao percorrer os 50 km anteriores da rede.
Imagine que você esteja usando uma máquina de fax para enviar um
documento de uma página para outra pessoa e, cada vez que você manda a
página, uma parte diferente da mensagem fica faltando, e o destinatário
precisa juntar as partes da mensagem obtidas em cada tentativa.
Isso é similar a como uma única mensagem pode ser enviada entre diferentes nódulos em uma rede quântica.
Haverá muitas pessoas na rede, todas tentando falar umas com as outras.
Então, o nódulo, ou a estação repetidora, terá de descobrir como
distribuir o poder de processamento disponível para montar todas as
mensagens sendo enviadas. Também terá de enviar mensagens entre a
internet quântica e a internet clássica.
A Universidade de Delft está construindo uma rede quântica usando
vacâncias de nitrogênio em diamantes, e isso demonstrou até agora ser
capaz de armazenar e distribuir as conexões necessárias para
comunicações quânticas a grandes distâncias.
A Universidade de Oxford e a Universidade de Maryland (EUA) estão
construindo computadores quânticos que funcionam de forma similar a uma
rede. Consistem em nódulos de íons presos que foram conectados em rede
para se comunicarem.
Quanto maior for o computador desejado, mais nódulos serão necessários
adicionar, mas esse tipo de computador quântico apenas transmite dados a
curta distância.
"Queremos fazer com que sejam pequenos para que sejam bem protegidos da
degradação do sinal, mas, se forem pequenos, eles não conseguirão
armazenar muitos qubits", diz Vicary.
"Se conectarmos nódulos em rede, então, ainda podemos ter um computador
quântico sem precisar limitar o número de qubits e ainda assim proteger
os nódulos."
Memória quântica
A estação repetidora também precisará um chip de memória quântico. Os
nódulos criam "conexões", que consistem em pares de partículas de luz
entrelaçadas. Esses pares são preparados com antecedência.
Enquanto o nódulo calcula a rota pela rede que a mensagem terá de
percorrer, ele terá de armazenar o par de fótons entrelaçados em algum
local seguro, então, a memória quântica é necessária. Ela terá de
armazenar os fótons pelo tempo que for necessário.
Pesquisadores da Universidade Nacional Australiana (ANU, na sigla em
inglês) desenvolveram um chip de memória quântica compatível com
telecomunicações usando um tipo específico de cristal. Esse invento é
capaz de armazenar luz na cor correta e de fazer isso por mais de um
segundo, o que é 10 mil vezes mais do que todas tentativas realizadas
até agora.
"O principal desafio é demonstrar uma memória quântica com uma
capacidade de armazenamento grande", diz Matthew Sellars, da ANU. "Será a
capacidade de armazenamento que limitará a transmissão de dados pela
rede. Acredito que levará cinco anos antes que a tecnologia (para a
internet quântica) seja algo usada na prática."
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