O meu blog é HOLÍSTICO, ou seja, está aberto a todo tipo de publicação (desde que seja interessante, útil para os leitores). Além disso, trata de divulgar meu trabalho como economista, escritor e compositor. Assim, tem postagens sobre saúde, religião, psicologia, ecologia, astronomia, filosofia, política, sexualidade, economia, música (tanto minhas composições quanto um player que toca músicas de primeira qualidade), comportamento, educação, nutrição, esportes: bom p/ redação Enem
terça-feira, 15 de junho de 2021
Por que a fórmula de cobrança de impostos do Brasil piora a desigualdade social
Para
estudiosos do tema, no entanto, nenhuma das reformas até hoje propostas
ou apoiadas pelos sucessivos governos buscou atingir o verdadeiro cerne
do problema: a fórmula adotada para recolher os tributos, que cobra proporcionalmente pouco dos ricos e muito dos pobres.
—
O sistema tributário do Brasil é injusto porque acentua a concentração
da renda, ao invés de diminuí-la — afirma o vice-presidente de Assuntos
Tributários da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita
Federal (Anfip), Cesar Roxo Machado. — As reformas que são levadas ao
Congresso Nacional costumam buscar a simplificação do nosso emaranhado
de tributos, o que é positivo, mas elas nunca buscam a justiça tributária,
o que é ainda mais importante. O tributo deve ser um instrumento de
diminuição das desigualdades sociais não apenas no momento em que é
aplicado nas políticas públicas, mas também no momento em que é
recolhido. Quem tem mais deve pagar mais e quem tem menos deve pagar
menos.
Os tributos servem para custear tanto a máquina
estatal quanto os serviços públicos, como saúde, educação e segurança.
De forma geral, eles incidem sobre três bases: o consumo, a renda e o
patrimônio dos cidadãos e das empresas. Em todos os três pilares,
existem distorções que beneficiam os ricos e penalizam os pobres.
A
tributação do consumo é aquela embutida no preço de produtos e
serviços. Como os tributos incidentes sobre determinada mercadoria são
iguais para qualquer consumidor, quem ganha pouco, na comparação com
quem ganha muito, acaba perdendo um pedaço maior da sua renda com esses
tributos na hora da compra.
Nenhuma
das reformas até hoje apoiadas pelos governos buscou atingir o cerne do
problema: a fórmula adotada para recolher os tributos, que cobra
proporcionalmente pouco dos ricos e muito dos pobres
Amartya Sen: “A desigualdade corrói as vantagens das democracias”
Para
estudiosos do tema, no entanto, nenhuma das reformas até hoje propostas
ou apoiadas pelos sucessivos governos buscou atingir o verdadeiro cerne
do problema: a fórmula adotada para recolher os tributos, que cobra proporcionalmente pouco dos ricos e muito dos pobres.
—
O sistema tributário do Brasil é injusto porque acentua a concentração
da renda, ao invés de diminuí-la — afirma o vice-presidente de Assuntos
Tributários da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita
Federal (Anfip), Cesar Roxo Machado. — As reformas que são levadas ao
Congresso Nacional costumam buscar a simplificação do nosso emaranhado
de tributos, o que é positivo, mas elas nunca buscam a justiça tributária,
o que é ainda mais importante. O tributo deve ser um instrumento de
diminuição das desigualdades sociais não apenas no momento em que é
aplicado nas políticas públicas, mas também no momento em que é
recolhido. Quem tem mais deve pagar mais e quem tem menos deve pagar
menos.
Os tributos servem para custear tanto a máquina
estatal quanto os serviços públicos, como saúde, educação e segurança.
De forma geral, eles incidem sobre três bases: o consumo, a renda e o
patrimônio dos cidadãos e das empresas. Em todos os três pilares,
existem distorções que beneficiam os ricos e penalizam os pobres.
A
tributação do consumo é aquela embutida no preço de produtos e
serviços. Como os tributos incidentes sobre determinada mercadoria são
iguais para qualquer consumidor, quem ganha pouco, na comparação com
quem ganha muito, acaba perdendo um pedaço maior da sua renda com esses
tributos na hora da compra.
Agência Senado
A solução, claro, não seria cobrar tributos variáveis conforme o poder aquisitivo do comprador.
Na prática, isso se mostraria inexequível. A mudança necessária,
segundo os especialistas, é a diminuição das alíquotas, de modo que a
fatia da tributação do consumo fique menor dentro do bolo tributário do
Brasil. Atualmente, ela responde por 43% do total — quase metade da
arrecadação nacional.
Em países desenvolvidos, o peso da
tributação do consumo no total da arrecadação pública é menor. Naqueles
que integram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE), por exemplo, a média é de 33%. No Canadá, fica em
23,5%. Nos Estados Unidos, em 17,5%. Essa é uma das razões pelas quais
fazer compras em certos países sai mais barato do que no Brasil.
—
Os tributos sobre o consumo são indiretos. Quem é responsável pelo
recolhimento desses tributos são os empresários, que repassam o valor
para os consumidores. Os consumidores, então, pagam indiretamente. Como a
nota fiscal normalmente não traz a totalidade dos tributos da venda,
eles não conseguem enxergá-los e perceber que pesam exageradamente no
bolso e que são injustos — diz Machado, da Anfip. — Se os cidadãos mais pobres
enxergassem, certamente fariam protestos nas ruas para exigir mudanças,
mais ou menos como fizeram em 2013 quando a passagem de ônibus subiu R$
0,20 em São Paulo. Acredito que, enquanto não houver pressão popular sobre o poder público, o sistema tributário não vai mudar.
Divisão leonina
A desigualdade social também é alimentada pela tributação da renda.
Em 1996, o país parou de tributar os sócios e acionistas que recebem
lucros e dividendos de empresas. O Brasil e a Estônia são as únicas
nações que não taxam essa renda paga a pessoas físicas.
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Ao mesmo tempo, os especialistas consideram que a tabela de cobrança do Imposto de Renda está
montada de modo a favorecer os mais ricos. Atualmente, existem cinco
faixas de renda, cada uma com sua respectiva alíquota do imposto. A
faixa mais baixa atinge as pessoas com rendimento mensal de até R$
1.904, que ficam isentas do tributo. Mas é consensual que o teto
salarial que garante a isenção está defasado, fazendo com que muitas pessoas de baixa renda fiquem acima dele e tenham que pagar o Imposto de Renda.
Outro
problema do Imposto de Renda é que a faixa mais alta atinge as pessoas
com rendimento mensal a partir de R$ 4.665, que devem pagar uma alíquota
de 27,5%. Isso significa que um trabalhador que ganha cinco salários
mínimos por mês (R$ 5.500) já paga a alíquota máxima do Imposto de
Renda, a mesma de um executivo que recebe, por exemplo, 50 salários
mínimos (R$ 55 mil).
Em outros países, existem mais
faixas salariais e alíquotas superiores. Na Coreia do Sul, por exemplo,
há sete faixas, e a alíquota mais alta do Imposto de Renda é de 42%.
A tributação do patrimônio no Brasil tem suas próprias distorções.
O imposto sobre grandes fortunas está previsto na Constituição, ou
seja, desde 1988, mas até hoje não saiu do papel porque ainda não foi
regulamentado pelo poder público. A regulamentação determinaria o que é
uma grande fortuna e qual é o valor do imposto a ser cobrado.
— O mundo inteiro está discutindo o imposto sobre grandes fortunas,
em razão do aumento da concentração de renda e riqueza decorrente da
pandemia. O Brasil parece estar fora desse movimento mundial. No nosso
país, se a grande fortuna for considerada o patrimônio declarado
superior a R$ 20 milhões, teremos em torno de 30 mil contribuintes e R$
43 bilhões arrecadados por ano. É dinheiro suficiente para custear o
programa Bolsa Família por mais de um ano — afirma o economista Pedro
Humberto de Carvalho Junior, que é pesquisador do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério da Economia.
Os
impostos sobre veículos, imóveis e terras, pagos por ricos e pobres,
também estão desequilibrados. O Imposto sobre a Propriedade de Veículos
Automotores (IPVA), por exemplo, incide com a mesma porcentagem tanto
sobre uma moto de luxo para o lazer da pessoa abastada quanto sobre uma
moto popular para o trabalho do entregador de comida. Nos carros, ocorre
a mesma coisa. Por outro lado, jatinhos, helicópteros, iates e lanchas
não são taxados.
No caso do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU),
o problema é outro. Em muitas cidades, em especial nas menores, os
imóveis não estão detalhadamente cadastrados, e o valor do imposto acaba
sendo apenas simbólico — pesando mais no bolso dos pobres. Mesmo quando
estão corretamente cadastrados, o valor venal de casas, apartamentos e
terrenos costuma estar defasado, não correspondendo ao preço de mercado.
Tal defasagem prejudica mais os pobres no pagamento do IPTU.
— O imóvel dos pobres
é avaliado com valores mais próximos aos do mercado que o imóvel dos
ricos — explica o economista Carvalho Junior, do Ipea. — Enquanto uma
mansão de R$ 2 milhões é avaliada pela prefeitura para fins de cobrança
do IPTU em R$ 700 mil, digamos, uma casa mais simples de R$ 200 mil é
avaliada em R$ 120 mil. A base de cálculo fica proporcionalmente mais
alta para os pobres.
O Imposto Territorial Rural (ITR),
que incide sobre as fazendas, tem valor irrisório. Mesmo o agronegócio
tendo peso decisivo na economia nacional e o território brasileiro sendo
de dimensão continental, o que se recolhe com o ITR responde por algo
na casa de 0,1% da arrecadação federal.
Tributos sobre compras custam proporcionalmente menos aos ricos e mais aos pobres.Marcos Oliveira / Agência Senado
De acordo com Cesar Roxo Machado, da Anfip, uma das grandes falácias no debate sobre impostos no Brasil é a afirmação de que a carga tributária nacional é elevada demais.
Isso, ele diz, não é verdade. A carga tributária brasileira equivale a
33% do produto interno bruto (PIB), índice semelhante ao de países que
também oferecem saúde e educação gratuitas à população.
—
No debate, quando dizem que a carga tributária é alta, eu pergunto: “A
carga é alta para quem?”. Ela só é alta para quem ganha pouco. Os pobres
são os únicos que podem dizer que a carga tributária brasileira é alta.
A reforma tributária necessária,
resume ele, é a que reduz os tributos do consumo (aliviando a cobrança
dos pobres) e ao mesmo tempo eleva os tributos da renda e do patrimônio
(exigindo mais dos ricos). Ocorrendo a redução e a elevação de forma
proporcional, a carga tributária total do Brasil não se alteraria.
O
economista Eduardo Fagnani, professor da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do
Trabalho, diz que igualmente falaciosa é a afirmação de que a diminuição
dos tributos dos pobres e o aumento dos tributos dos ricos sejam uma
política típica de países de esquerda ou até comunistas:
— Trata-se de uma política liberal.
Foi tributando os mais ricos que os Estados Unidos se recuperaram da
Grande Depressão de 1929 e que a Europa difundiu o Estado de bem-estar
social depois da Segunda Guerra. Hoje, com o Plano Biden, os Estados
Unidos buscam se recuperar dos efeitos econômicos da pandemia justamente
por meio da tributação de pessoas físicas e jurídicas de alta renda,
entre outras medidas. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional
têm preconizado esse tipo de medida.
Segundo o professor da Unicamp, é bom para o próprio capitalismo que os pobres sejam menos tributados:
— Não existe capitalismo sem consumidor.
Quando os cidadãos pobres pagam menos tributos, o poder aquisitivo
deles sobe e o mercado consumidor se amplia, favorecendo as empresas e a
economia nacional. Havendo uma tributação justa, não são apenas os
pobres que ganham. Os ricos também ganham. É a sociedade como um todo
que se beneficia.
Quando os pobres arcam
proporcionalmente mais com os tributos, a própria Constituição
brasileira é violada. O artigo 145 estabelece que, sempre que for
possível, os impostos devem ser cobrados de acordo com a “capacidade
econômica do contribuinte”. Isto é, quem tem maior capacidade financeira
paga mais e quem tem tem menor capacidade financeira paga menos.
—
Não é justo que a parcela mais pobre da população tenha 50% de sua
renda capturada por tributos e que a parcela que ganha mais de R$ 320
mil mensais tenha quase 70% da renda isenta de tributação. Essa é uma
das razões pelas quais o Brasil tem uma das maiores desigualdades sociais do mundo
— continua Fagnani. — O nosso modelo de tributação só não muda porque
os setores sociais e econômicos que se beneficiam dele são poderosos,
têm influência política, contam com o apoio dos meios de comunicação.
Não é à toa que, sempre que está em dificuldades financeiras, o governo
aumenta a tributação do consumo, e não a tributação da renda e do
patrimônio.
Na visão do professor da Unicamp, o Congresso
Nacional deveria ampliar as atuais propostas de reforma tributária que
estão à mesa para incluir nelas medidas de redução das desigualdades
sociais:
— Nesta pandemia, cerca de 60% da população tem
passado fome em algum grau e 30% da força de trabalho ficou
subutilizada. Vivemos uma crise sanitária, econômica e social como
nenhuma outra. Portanto, como diz o FMI, ela exige uma resposta como
nenhuma outra. A sociedade precisa que o Congresso Nacional tenha a
coragem de aprovar uma reforma tributária à altura do momento crítico
que vivemos.
O Senado analisa uma série de projetos de
lei que modificam regras específicas do atual sistema tributário. Entre
as propostas que regulamentam o imposto sobre grandes fortunas, estão o PLP 50/2020, da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA); o PLP 38/2020, do senador Reguffe (Podemos-DF); e o PLP 183/2019, do senador Plínio Valério (PSDB-AM).
—
Essa não é apenas uma medida de fraternidade e de solidariedade, mas de
justiça — argumenta Eliziane. — Sabemos que historicamente no Brasil os
mais ricos pagam poucos tributos e frequentemente se beneficiaram de
favores estatais. Tributar grandes fortunas é uma forma de a sociedade receber de volta uma pequena parcela de renúncias fiscais e subsídios dados no passado.
Também
há projetos que acabam com a isenção tributária dos lucros e dividendos
pagos por empresas a seus sócios e acionistas. Entre eles, estão o PL 5.584/2020, do senador Jaques Wagner (PT-BA); o PLP 163/2019, do senador Angelo Coronel (PSD-BA); e o PL 1.952/2019, do senador Eduardo Braga (MDB-AM).
—
A isenção de Imposto de Renda a dividendos distribuídos a pessoas
físicas praticamente não tem paralelo no resto do mundo, contribuindo
para que o Brasil tenha um sistema tributário altamente regressivo, que não tributa renda e patrimônio dos mais ricos —
afirma Jaques Wagner. — Nesse sentido, o [meu] projeto contribui para a
maior progressividade tributária, além de canalizar receitas oriundas
da renda dos mais ricos para financiar programas sociais voltados a
pessoas em situação de vulnerabilidade.
Ainda no Senado,
diversas propostas buscam corrigir as distorções da atual tabela do
Imposto de Renda que prejudicam a população mais pobre. O projeto de
Eduardo Braga sobre lucros e dividendos também modifica a tabela. O
relator dessa proposta na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), senador
Jean Paul Prates (PT-RN), defende ajustes no texto para que as faixas
salariais mudem das atuais cinco para nove, que o teto salarial para a
isenção suba de R$ 1.904 para R$ 2.737 e que a maior alíquota passe dos
atuais 27,5% (para renda mensal acima de R$ 4.665) para 37,5% (acima de
R$ 45 mil).
Também fazem parte dos projetos de lei relativos à tabela do Imposto de Renda o PL 999/2021, do senador Fabiano Contarato (Rede-ES); o PL 2.589/2020, do senador Jayme Campos (DEM-MT); e o PL 604/2019, dos senadores da bancada do PT.
—
Com o descompasso ocasionado pela falta de correção da tabela, os
contribuintes sem capacidade contributiva passaram a pagar imposto,
comprometendo sua disponibilidade para custear as despesas básicas e
necessárias — diz Contarato.
A reportagem, publicada originalmente aqui, faz parte da seção Arquivo S, resultado de uma parceria entre o Jornal do Senado, a Agência Senado e o Arquivo do Senado brasileiro. Reportagem: Ricardo Westin | Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira | Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy | Infografia: Diego Jimenez | Edição e tratamento de fotos: Ana Volpe | Design: Ronaldo Alves | Infografia: Diego Jimenez | Edição e tratamento de fotos: Ana Volpe | Design: Ronaldo Alves
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