- Publicada em 21h00min, 03/06/2021
O sequestro do gás carbônico gera créditos monetizáveis por órgãos internacionais, que podem ser comercializados entre empresas
FREEPIK.COM/DIVULGAÇÃO/JC
Pedro Carrizo, especial para o JC
Longe de estarem descoladas do espírito
corporativo, gigantes como Microsoft, Apple, Volvo e Ifood têm investido
em metas para neutralizar suas emissões de carbono até 2030. Esses são
alguns exemplos de um mercado que entendeu, em boa parte e por pressão
social, que o progresso não pode mais se sobrepor ao seu efeito
colateral. Por isso, negócios de compra e venda de carbono, o vilão
invisível que criamos e hoje nos ameaça, estão em alta. Inclusive no Rio
Grande do Sul.
O mercado de carbono, que viveu tempos
de baixa após a crise de 2008, já parece retomar com vigor o interesse
de empresas em ativos sustentáveis. Mas o Brasil, que tem potencial para
saciar a gana do mercado, tem ficado para trás na corrida do “ouro do
futuro”, como entusiastas apelidam o crédito de carbono.
A moeda global da “revolução da
sustentabilidade”, exclamada por Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA,
deve mudar todas relações comerciais em curto tempo. “Uma mudança da
magnitude da revolução industrial, mas com a velocidade da revolução
digital”, disse o norte-americano, em recente evento promovido pelo
Valor Econômico e Santander.
Nos negócios de CO2, a redução ou
sequestro do gás gera créditos monetizáveis, certificados por órgãos
internacionais, que podem ser comercializados entre empresas e servem
para compensar o impacto ambiental de quem o compra. Cada um crédito de
carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitida na
atmosfera.
Nascido a partir do Protocolo de Quioto,
de 1997, e renovado com o Tratado de Paris, de 2015, o mercado tem se
desenvolvido em duas frentes: a regulada e a voluntária, da qual o
Brasil faz parte. Porém, segundo especialistas, ele está passando por um
momento de guinada, com a adoção de um novo modelo de certificação.
“O novo Acordo de Paris vem para
regulamentar de vez esse mercado, está todo mundo aguardando por isso,
pois vai aumentar a responsabilidade de países sem metas obrigatórias
contra os gases de efeito estufa", diz Fábio Feldmann, ambientalista e
fundador da ONG SOS Mata Atlântica.
Hoje em dia, no mercado regulado, os
países ou territórios impõem metas obrigatórias de redução para cada
setor produtivo. As empresas compram quando as metas são ultrapassadas e
vendem quando emitem menos, sendo permitido apenas a comercialização de
créditos entre empresas do mesmo território. Califórnia, Europa e parte
da China são reguladas, por exemplo. As transações são feitas nas
bolsas de valores internacionais neste modelo.
Já no mercado voluntário qualquer
pessoa, empresa ou instituição pode vender ou comprar créditos de
carbono certificados. As transações se dão em acordos bilaterais e, mais
recentemente, por blockchain. E o valor varia muito conforme o tipo de
projeto e o volume de créditos.
“Alguns projetos têm mais apelo do que
outros. Os voltados à conservação de florestas às vezes podem ser mais
interessantes para o marketing de uma empresa do que um projeto de
geração de energia por queima controlada de metano, por exemplo”,
explica Eduardo Baltar, diretor da consultoria gaúcha Ecofinance. Ambos
modelos, regulado e voluntário, são tão complexos quanto imprescindíveis
para a sustentabilidade.
Em resumo, reduzir a emissão de gases de
efeito estufa já é um negócio que dá lucro e status para quem
participa. Mercado que é avaliado em mais de R$ 1 bilhão por ano.
Empresários e ambientalistas acreditam inclusive que o carbono será a
commodity mais valiosa do futuro.
O que Brasil e RS tem a ver com isso?
O Brasil tem a maior capacidade de
reflorestamento entre os países, uma matriz energética majoritariamente
limpa e a maior floresta tropical do mundo, o que o coloca na liderança
global do mercado de carbono, certo? Errado.
Somos o sétimo em geração de créditos no
mercado voluntário de carbono. Mas já fomos o terceiro, quando o
comércio começou, em meados de 2006. Em nível federal, projetos de
regulação passam de mão em mão pelas pastas da Economia, Meio Ambiente e
de Ciências e Tecnologia, mas não avançam. Apenas o RenovaBio, voltado à
geração de biocombustíveis, é regulado com créditos vendidos no pregão
eletrônico brasileiro.
“Há duas perspectivas: criar um mercado
de carbono interno e há um grande potencial de exportação do crédito de
carbono, usando como chamariz uma política de zero desmatamento”, diz
Fábio Feldmann, ambientalista e fundador da ONG SOS Mata Atlântica. O
Brasil pode ser para o mercado de CO2 o que a Arábia Saudita é para o
mercado de petróleo, segundo Luiz Adaime, fundador e CEO da Moss,
empresa brasileira que lançou o primeiro cripto ativo de carbono,
comercializado por blockchain. “O País ainda certifica uma parcela
ínfima de créditos de carbono em relação ao seu potencial”.
Focada em projetos ambientais de
preservação na Amazônia, o ativo da Moss estreou ano passado e já é a
principal criptomoeda brasileira no cenário internacional, com mais de
1,3 milhão de créditos comercializados.
Mas embora a imagem de uma floresta
preservada apareça na cabeça da maioria que escuta falar em mercado de
carbono, a preservação é uma parcela ínfima desse negócio – menos de 1%.
A maior parte do bolo de créditos certificados no mundo é derivada de
projetos de energia limpa. E é aí que entra o Rio Grande do Sul.
Embora possa parecer distante a relação
entre o Estado e o mercado de CO2, foi no Pampa que esse negócio iniciou
no Brasil. A primeira empresa brasileira a receber pela mitigação do
CO2 foi a gaúcha Camil Alimentos, em 2006. Na época, a empresa vendeu
por cerca de € 1,5 milhão seus créditos para a companhia holandesa BTG
Biomass. Foram 207 mil créditos credenciados a partir da geração de
bioenergia com a casca do arroz, na unidade industrial de Itaqui (RS).
De lá para cá, diversos outros projetos
de sequestro de CO2 pipocam pelo Estado, com crescimento inclusive de
consultorias que ajudam as empresas a certificar seus créditos de
carbono, processo que é feito através de auditoria vinculada a órgãos
internacionais e que calcula o quanto determinado projeto está deixando
de emitir. “No Sul, há setores mais antenados ao mercado de carbono do
que outros, como é o caso do setor energético, com foco na geração de
biomassa e de energia eólica. O setor de resíduos também tem conseguido
bons rendimentos vendendo seus créditos”, ressalta Eduardo Baltar,
diretor da consultoria gaúcha Ecofinance, responsável por mais de 11
milhões de créditos negociados e 30 projetos de desenvolvimento limpo
aprovados.
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