Quem tem direito agora ao teletrabalho? Tem ou não de cumprir um horário? O seu chefe pode ir ver se está em casa? A resposta a dez perguntas essenciais
O teletrabalho já não é obrigatório em Portugal. Mas há pessoas que
podem - e devem - continuar a trabalhar a partir de casa. Carmo Sousa
Machado, advogada sócia da Abreu Advogados e especialista em Direito do
Trabalho, responde a dez perguntas que podem ajudar os trabalhadores que
estão com dúvidas
1. Quais os trabalhadores que têm direito a ficar em teletrabalho?
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 40-A/2020 de 29 de maio veio
eliminar a regra da obrigatoriedade do teletrabalho sempre que as
funções desempenhadas pelo trabalhador o permitissem.
Atualmente, a legislação prevê que o regime do teletrabalho pode ser
adotado nos termos previstos no Código do Trabalho (isto é, mediante
acordo escrito celebrado entre a entidade empregadora e o trabalhador).
Sem prejuízo da possibilidade da adoção do regime de teletrabalho nos
termos gerais previstos no Código, a adoção deste regime permanece
obrigatória quando requerida pelo trabalhador, independentemente do
vínculo laboral e sempre que as funções o permitam, nas seguintes
situações:
- Quando apresente um certificado médico que ateste que está abrangido pelo regime excecional de proteção de imunodeprimidos [como os portadores de artrite reumatóide, a esclerose múltipla ou o lúpus] e doentes crónicos [aqui se incluem os doentes cardiovasculares, os portadores de doença respiratória crónica (como asma, bronquite crónica, doença pulmonar obstrutiva crónica), os doentes oncológicos e os portadores de insuficiência renal];
- Quando tenha um grau de incapacidade igual ou superior a 60%;
- Quando se trate de trabalhador com filhos ou outros dependentes a cargo menores de 12 anos, ou com deficiência ou doença crónica (independentemente da idade), com suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais em estabelecimento escolar ou equipamento social de apoio à primeira infância ou deficiência, fora dos períodos de interrupções letivas. [Ou seja, fora do período escolar, nas férias de verão, por exemplo, se os ATL estiverem em funcionamento os pais deixam de ter razões legais para exigirem o teletrabalho. Se os filhos forem maiores de 12 anos, e não tiverem qualquer deficiência ou doença crónica, os progenitores também não têm teletrabalho obrigatório, pelo que todas as faltas ao serviço passam a ser injustificadas. E atenção: apenas um dos progenitores pode beneficiar do estatuto do teletrabalho, independentemente do número de filhos].
- Quando os espaços físicos e a organização do trabalho não permitam o cumprimento seguro das orientações da DGS e da Autoridade para as Condições do Trabalho sobre esta matéria.
2. Quem não precisa de autorização do empregador para ficar/continuar em teletrabalho?
Não precisam de autorização (nem de acordo) da entidade empregadora
os trabalhadores que se encontrem numa das situações explicadas acima,
na resposta à pergunta nº1.
- Que apresentem um certificado médico que ateste que estão abrangidos pelo regime excecional de proteção de imunodeprimidos [como os portadores de artrite reumatóide, a esclerose múltipla ou o lúpus] e doentes crónicos [aqui se incluem os doentes cardiovasculares, os portadores de doença respiratória crónica (como asma, bronquite crónica, doença pulmomar obstrutiva crónica), os doentes oncológicos e os portadores de insuficiência renal] . De acordo com uma retificação publicada hoje, 2 de junho, em Diário da República, os hipertensos e os diabéticos deixam de estar incluídos nos grupos de risco, pelo que as empresas não são obrigados a mantê-los em teletrabalho. Como não existe uma lista de doenças abrangidas no leque das autoimunes, doenças cardiovasculares ou doenças respiratórias crónicas, presume-se que fica ao critério do médico.
- Que tenham grau de incapacidade igual ou superior a 60%;
- Trabalhadores com filhos ou outros dependentes a cargo menores de 12 anos, ou com deficiência ou doença crónica (independentemente da idade), com suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais em estabelecimento escolar ou equipamento social de apoio à primeira infância ou deficiência, fora dos períodos de interrupções letivas . [Ou seja, fora do período escolar, nas férias de verão, por exemplo, se os ATL estiverem em funcionamento os pais deixam de ter razões legais para exigirem o teletrabalho. Se os filhos forem maiores de 12 anos, e não tiverem qualquer deficiência ou doença crónica, os progenitores também não têm teletrabalho obrigatório, pelo que todas as faltas ao serviço passam a ser injustificadas. E atenção: apenas um dos progenitores pode beneficiar do estatuto do teletrabalho, independentemente do número de filhos]
- Quando os espaços físicos e a organização do trabalho não permitam o cumprimento seguro das orientações da DGS e da Autoridade para as Condições do Trabalho sobre esta matéria.
3. Que doenças “obrigam” um patrão a manter o funcionário em teletrabalho?
De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 40-A/2020 de
29 de maio é obrigatória a adoção do regime de teletrabalho para doentes
abrangidos pelo regime excecional de proteção de imunodeprimidos e
doentes crónicos, desde que comprovada por atestado médico. [São
considerados de risco os doentes cardiovasculares, os portadores de
doença respiratória crónica (como asma, bronquite crónica, doença
pulmonar obstrutiva crónica), os doentes oncológicos e os portadores de
insuficiência renal. Estes têm de ficar em teletrabalho. Caso as suas
funções não o permitam, as faltas não poderão ser consideradas
injustificadas. Deixaram de estar no grupo de risco os hipertensos e os
diabéticos, pelo que esses deixam de estar abrangidos pela
obrigatoriedade do teletrabalho].
4. Se o(a) trabalhador (a) tiver uma mulher/marido que esteja num dos grupos de risco da Covid 19, pode ficar em teletrabalho?
A lei não responde a esta pergunta, podendo entender-se que o
legislador não quis prever o alargamento desta possibilidade/proteção
aos cônjuges de pessoas de risco. A alternativa é que se tratou de um
lapso, mas não nos parece.
5. Um trabalhador com filhos pequenos tem direito a ficar em teletrabalho? Se sim, com filhos até que idade?
A adoção do regime deteletrabalho é obrigatória para trabalhadores
com filho ou outro dependente a cargo menor de 12 anos, ou,
independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, com
suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais em
estabelecimento escolar ou equipamento social de apoio à primeira
infância ou deficiência, fora dos períodos das férias. [Ou seja, no
período das férias, desde que as creches, ATL ou outros equipamentos do
género estejam abertos, os pais deixam de poder exigir o teletrabalho. E
atenção: em qualquer circunstância, apenas um dos progenitores pode
beneficiar do estatuto do teletrabalho, independentemente do número de
filhos] ].
6. Mesmo não estando num grupo de risco, ou não vivendo com alguém que esteja, um trabalhador pode pedir para ficar a trabalhar em casa se não se sentir seguro no local de trabalho?
Pode, mas fica sujeito à aceitação, ou não, pelo empregador.
Inexistindo esse acordo e não se apresentando ao serviço incorre em
faltas injustificadas, o que poderá culminar no seu despedimento.
Situação diferente é se esse medo for fundado, isto é, se o espaço
físico e a organização do trabalho não permitirem o cumprimento seguro
das orientações da DGS e da Autoridade para as Condições do Trabalho;
nesse caso, a adoção do regime em teletrabalho é obrigatória.
7. Quem está em teletrabalho deve cumprir um horário rígido de trabalho?
O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e
deveres dos demais trabalhadores. De todo o modo, e de acordo com as
recomendações da ACT, as entidades empregadoras devem ter em conta
alguma flexibilidade de horários e de distribuição de tarefas com prazo,
considerando por exemplo que o trabalhador pode ter filhos pequenos
(que não estão na escola), outras pessoas em teletrabalho no mesmo
espaço ou coabitar com pessoas com necessidades especiais (nomeadamente
doentes crónicos, idosos, pessoas em isolamento profilático).
8. Um trabalhador em teletrabalho pode sair de casa para comprar pão a uma hora em que normalmente trabalhava – e adaptar os seus horários às suas preferências/disponibilidade familiar – ou pode ser alvo de um processo disciplinar se o fizer?
O trabalhador em regime de teletrabalho está sujeito aos mesmos
direitos e deveres dos demais trabalhadores. De acordo com as
recomendações da ACT (supra referidas), tem alguma flexibilidade para
adaptar os seus horários, mas em caso de desrespeito dos deveres
laborais a que está obrigado poderá ser alvo de procedimento
disciplinar. A forma de o evitar é agir com bom senso e respeito pelo
empregador; se precisa de tratar de assunto pessoal deverá informar o
empregador e pedir autorização para se ausentar como deveria fazer caso
não prestasse a sua atividade em regime de teletrabalho. Neste regime
deve existir um especial dever de confiança entre as partes.
9. O empregador pode visitar a casa de um trabalhador para perceber se se encontra a trabalhar?
Pode, mas sempre em respeito pela sua privacidade e pelos seus tempos
de descanso e de repouso da respetiva família, bem como
proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista
físico como psíquico.
O Código do Trabalho prevê expressamente que sempre que o
teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao
local de trabalho só deve ter por objeto o controlo da atividade
laboral, bem como dos instrumentos de trabalho, e apenas pode ser
efetuada entre as 9 e as 19 horas, com a assistência do trabalhador ou
de pessoa por ele designada.
10. O contrato de trabalho deve incluir uma adenda sobre o teletrabalho?
A adoção do regime em teletrabalho está sujeita a forma escrita (art.
166.º CT), devendo por isso ser celebrado um acordo escrito através do
qual se determinem as condições em que o teletrabalho irá ser prestado,
ou ab initio ou via aditamento.
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