Feijoada completa
O mais icônico prato brasileiro, a Feijoada, é comida gregária já
que é composta de diferentes carnes, em alguns casos vegetais e pra
acompanhar tem sempre couve, farofa, torresmo, arroz, laranja, molhinho…
é comida que não acaba mais, e pra dar cabo de tanta comida a gente
chama amigos e mais amigos, a gente junta gente, perfuma a casa com
cheiro de feijão, alho, cebola e gordura de porco, coloca musica pra
tocar, cerveja pra gelar e a cachacinha em cima da mesa, e assim, nessa
comunhão, se celebra a vida em terras brasileiras.
E foi assim, com intuito de juntar amigos pra se despedir de um casal querido que estava de mudança, que fizemos uma linda feijuca, completinha (dependendo do ponto de vista, é claro!). E enquanto eu, Marcelo e Joana preparávamos a comida, a Mayara Maluceli clicava cada passo. O resultado tão sonhado de escrever um post sobre esse prato puro sangue brasileiro você confere agora. Que seja do seu agrado!
Outra versão atribui a origem do prato à uma receita com feijão local dos cozidos europeus com grãos, enriquecidos com carnes, como o pucchero, o bollito misto, o cassoulet… o que faz muito sentido, e foi a versão que comprei como certa por muito tempo, até ler o Câmara Cascudo e descobrir que a feijoada é o mais brasileiro dos pratos, nascido da disponibilidade e depois eleito prato nacional pela primeira geração de brasileiros depois da chegada dos portugueses.
Naquela conjuntura, que uniu forçosamente portugueses, africanos e os povos originais do Brasil, se chamava feijoada, o passadiço, ou seja, a comida de todo dia, feita com o que se tinha à mão: carne seca (a primeira era econômica do Brasil foi a do gado, usado pra alimentação dos colonos e também para ocupar o território vasto), somada à farinha de mandioca, base da alimentação dos nossos povos originários (#saudemosamandioca) e o feijão, o mais corriqueiro dos cultivares, plantado no entorno das casas, responsável segundo Cascudo pela fixação da população, tão vulgar que era chamado pejorativamente de “cultivo de mulher”.
Essa primeira feijoada, feita de feijão com carne e farinha foi, em um primeiro momento, repudiada por cada um desses povos, mas se consagrou no gosto da primeira geração que nasceu desse encontro histórico.
Uma vez consagrada no gosto nacional, foi incrementada, bebeu na fonte dos tais cozidos europeus, e virou esse preparo rico, portentoso. <3
Antes de começar, três coisinhas:
1- O que chamamos de feijoada completa tem muitas variações regionais. Há quem use carne fresca, quem dê preferência para as defumadas em detrimento das salgadas e vice-versa. Tem quem agregue legumes e vegetais, tem até quem use outro feijão em lugar do preto. Não existe uma versão definitiva, “a correta”.
2- Preparar uma feijoada demora e é um cadim trabalhoso, muita coisa pra cortar, muitos passos, varias panelas pra controlar ao mesmo tempo… vale pedir ajuda pra amigas/os que cozinham e de quebra ter prosa boa enquanto ela sai. Faz toda a diferença. Pode encher a cozinha, distribuir tarefas e colocar a cerveja pra gelar, o dia vai ser longo e tem muita conversa pra colocar em dia.
3- A outra é que feijoada não se faz pra menos de 20/30 pessoas, pra colocar todas as carnes, a quantidade de feijão aumenta e a panela cresce, ou seja,
Existem versões mais simplificadas e menores, essa aqui, como já disse, é a minha versão. Espero que aproveitem.
A questão das carnes é muito pessoal e pode ser modificada de receita pra receita, não existe certo ou errado, mesmo porque existem diferenças regionais e de família pra família. Essa é a minha receita, em geral eu não uso carnes frescas (mas acho muito bom com), apenas as salgadas e secas. O único defumado que eu uso é o bacon, prefiro as carnes de porco salgadas, o sabor final fica mais equilibrado na minha opinião.
Eu não uso vegetais como é hábito na feijoada em alguns estados do nordeste, mas acho delicioso acrescentar, em especial abóbora e maxixe. Uma amiga de Aracaju me contou que a avó acrescenta banana da terra, vou testar na próxima!
Esse ingredientes são apenas para a feijoada, os ingredientes dos acompanhamentos serão listados em outro post com a receita de cada um deles.
Lave as carnes salgadas retirando o excesso de grumos da superfície. As carnes secas não precisam dessa lavagem.
Corte as carnes já no tamanho final, isso facilita a dessalga (em pedaços muito grandes a carne mantém mais sal o que aumenta o tempo de dessalga): separe as ripas da costelinha, corte rabo e orelha em pedaços menores, parta o pé ao meio e corte o pernil e a carne seca em cubos (atenção: não corte em cubos muito pequenos, pois a cocção será longa e nesse processo a carne acaba se desmanchando, o ideal são cubos de 4cm X 4cm).
Coloque todas as carnes de molho em água em um recipiente fechado na geladeira. Troque a água varias vezes ao logo dessas 48 horas (sempre que se lembrar ou ao menos 4 vezes ao dia).
Este também é um método eficiente para eliminar os oligossacarídeos e fitatos não digeríveis presentes no grãos que geram desconforto abdominal quando ingeridos, que se dissolvem na água do molho. Acontece que ao eliminar essa água, eliminamos junto com os indesejáveis oligossacarídeos e fitatos, vitaminas, minerais, açúcares e pigmentos, ou seja, nutrientes, sabor, cor e antioxidantes… tudo aquilo que faz do feijão um alimento rico. Pra não pagar esse preço tão alto, mantemos a água do molho para cozinhar o feijão e fazemos uma cocção lenta que é o outro método eficiente de eliminar os danados indigestos.
(mas no fim da feijoada, vcs vão ver que eu junto um pouco de feijão feito na pressão por conta da cor, é um motivo fútil o meu, me julguem!)
Enquanto as carnes cozinham, com a ajuda de uma escumadeira retire as impurezas que subirem com a fervura (a espuma cinza que sobe na panela).
Nesse tempo comece a cortar os ingredientes dos refogados e a preparar linguiça, paio e bacon:
Retire a pele das linguiças e paio.
Corte o paio em rodelas (cerca de 1cm de espessura) e a linguiça na diagonal, assim é possível diferenciar um do outro depois de pronta a feijoada (reserve os dois).
Retire a pele do bacon e corte a carne em laminas finas pros refogados. Reserve a pele pra juntar na panela do feijão.
Além da cebola, alho e talos da feijoada em si, eu já corto também o que vou usar nos acompanhamentos (molhinho, farofa, arroz, etc.) assim facilita o trabalho.
Pra não chorar cortando cebola, você já sabe, use faca afiada, mas se quiser aproveitar o chororô da cebola pra fazer uma catarse, essa é a hora. Eu só não recomendo em nenhuma hipótese cortar cebola enquanto escuta Saudosa Maloca, corre o risco de perder todo o trabalho da dessalga pois pra “cada tauba que caía” a gente derruba uma pá de lagrimas na comida. Rancho da Goiabada costuma ter o mesmo efeito, cuidado.
Talos de salsinha, coentro, cebolinha, couve e outros vegetais são ricos em fibras, agregam textura crocante em farofas e saladas e compõe a base aromática de cozidos profundos como a feijoada, garantindo ainda mais sabor. Por essa razão, não faltam nunca nos meus refogados e além da comida ficar mais gostosa, o planeta agradece o aproveitamento integral dos alimentos.
Na feijoada eu uso talos de salsinha, mas pode ser de coentro pra quem prefere e também uso a parte branca da cebolinha laminada. Na farofa eu sempre uso talos de couve e de salsinha.
Por fim, antes de partir pro fogão, separe a água dos grãos do feijão.
Reserve os grãos e a água que será usada no cozimento, assim a feijoada não fica “desbotada”.
Esse é um dos principais segredos da feijoada, cada item deve estar no ponto certo de cozimento, nem duro, nem mole demais, desmanchando. É também uma das razoes que faz com que o preparo seja trabalhoso, uma vez que cada item é cozido separado e em tempo diferente dos demais.
No fim a gente junta o conteúdo das 3 panelas em uma única para a cozinhada e apurada final de sabores, mas até lá cada um corre em sua panela!
Dito isso, vamos a cada uma das panelas:
Pra cozinhar com o feijão eu acrescento no refogado além de bacon, um pouco das carnes salgadas, aquelas que garantem mais sabor: pé, rabo, orelha e língua.
Doure o bacon em um fio de óleo, junte um pouco de cebola, talos de salsinha, o louro, pimenta, os cravos da Índia e uma pitada de sal, deixe suar. Junte um pouco de alho para que sue também, acrescente o pé, língua, orelha e rabo e doure.
Junte o feijão, misture bem.
Junte a água reservada do feijão e deixe ferver, escumando novamente a espuma e impurezas que sobem na panela como foi feito na primeira cocção das carnes. Feita a limpeza, tampe a panela e abaixe o fogo, deixe cozinhar até o feijão ficar ao dente, por cerca de 40 minutos.
Quando o feijão e as carnes estiverem cozidos, é hora de juntar o conteúdo das 3 panelas em uma única (a maior) e acrescentar as linguiças e paios previamente cortados.
Misture bem e deixe ferver.
Enquanto ferve, vamos ao refogado final:
Doure cerca de 500g de toucinho em um fio de oleo. Reserve o toucinho e mantenha a frigideira.
Nesse ponto você deve ter percebido que a cozinha está muito quente e você provavelmente está suando, não é mesmo?
Para tudo, que o mundo não foi feito de uma tacada só! Abre uma cerveja, rouba uns pedacinhos do toucinho que acabou de sair e faz uma pausa antes de partir pra finalização da feijuca.
Na frigideira em que dourou o toucinho sue o alho e pimenta. Volte com o toucinho, misture bem com o refogado.
Junte as duas doses de cachaça, incline de leve a frigideira em direção ao fogo para que flambe. Quando baixar ao fogo, junte o conteúdo a feijoada.
Lave bem e cozinhe em uma panela de pressão os 500g de feijão que restaram (vc pode deixar essa panela cozinhando previamente, antes das panelas principais). Acrescente esse ultimo feijão a panela, misture bem, deixe ferver.
Eu incluí esse passo porque por mais que eu usasse a água do molho pra cozinhar o primeiro feijão, a cor sempre puxava mais pro acinzentado, acrescentando essa panela final, feita na pressão, a cor fica linda, escura como deve ser. É um preciosismo que na minha opinião vale a pena.
Desligue o fogo e deixe a feijoada repousar até formar uma camada de óleo na superfície da panela. Com uma concha retire todo o excesso de gordura, “limpando” a feijoada, que vai ficar ainda mais leve com esse ultimo passo, mantendo a gordura na medida certa do sabor, sem excessos. Você vai se impressionar com a quantidade de gordura que vai sair nesse passo, cerca de 500ml.
Esse passo não tem nada a ver com fazer uma feijoada light, magra, por motivos de dieta, mas sim corrigir o excesso de gordura que decorre das muitas etapas do processo, e assim destacar o sabor de cada um dos itens, revelando a complexidade da mistura, sem mascarar nenhum sabor ou o resultado final do prato apenas com gordura.
Acrescente uma laranja inteira sem pele e ferva novamente a feijoada.
Ajuste o sal, abaixe o fogo e deixe cozinhar mais 10/20 minutos, apague e deixe descansar até a hora de servir.
Separe um potinho generoso e antes de todo mundo veja se ficou mesmo boa, vai que…
Pode tocar o sino, chamar a geral e se não tiver mesa, ponha os pratos no chão e o chão tá posto…
É comum sentir uma tristezinha quando termina, mas não dura muito não, posso garantir.
Fotos: Mayara Maluceli
E foi assim, com intuito de juntar amigos pra se despedir de um casal querido que estava de mudança, que fizemos uma linda feijuca, completinha (dependendo do ponto de vista, é claro!). E enquanto eu, Marcelo e Joana preparávamos a comida, a Mayara Maluceli clicava cada passo. O resultado tão sonhado de escrever um post sobre esse prato puro sangue brasileiro você confere agora. Que seja do seu agrado!
A origem
A feijoada começa por uma história mal contada, que atribui sua origem aos negros africanos escravizados, que utilizariam “partes descartadas” do porco pela casa grande e fariam nas senzalas esse rico cozido com feijões… você já deve ter ouvido essa versão, não é mesmo? Cai por terra de cara, uma vez que portugueses e europeus em geral dão muito valor aos pés, rabos, focinho e orelhas de porco, que jamais entrariam na categoria de partes “descartadas”.Outra versão atribui a origem do prato à uma receita com feijão local dos cozidos europeus com grãos, enriquecidos com carnes, como o pucchero, o bollito misto, o cassoulet… o que faz muito sentido, e foi a versão que comprei como certa por muito tempo, até ler o Câmara Cascudo e descobrir que a feijoada é o mais brasileiro dos pratos, nascido da disponibilidade e depois eleito prato nacional pela primeira geração de brasileiros depois da chegada dos portugueses.
Naquela conjuntura, que uniu forçosamente portugueses, africanos e os povos originais do Brasil, se chamava feijoada, o passadiço, ou seja, a comida de todo dia, feita com o que se tinha à mão: carne seca (a primeira era econômica do Brasil foi a do gado, usado pra alimentação dos colonos e também para ocupar o território vasto), somada à farinha de mandioca, base da alimentação dos nossos povos originários (#saudemosamandioca) e o feijão, o mais corriqueiro dos cultivares, plantado no entorno das casas, responsável segundo Cascudo pela fixação da população, tão vulgar que era chamado pejorativamente de “cultivo de mulher”.
Essa primeira feijoada, feita de feijão com carne e farinha foi, em um primeiro momento, repudiada por cada um desses povos, mas se consagrou no gosto da primeira geração que nasceu desse encontro histórico.
Uma vez consagrada no gosto nacional, foi incrementada, bebeu na fonte dos tais cozidos europeus, e virou esse preparo rico, portentoso. <3
receita
Antes de começar, três coisinhas:
1- O que chamamos de feijoada completa tem muitas variações regionais. Há quem use carne fresca, quem dê preferência para as defumadas em detrimento das salgadas e vice-versa. Tem quem agregue legumes e vegetais, tem até quem use outro feijão em lugar do preto. Não existe uma versão definitiva, “a correta”.
2- Preparar uma feijoada demora e é um cadim trabalhoso, muita coisa pra cortar, muitos passos, varias panelas pra controlar ao mesmo tempo… vale pedir ajuda pra amigas/os que cozinham e de quebra ter prosa boa enquanto ela sai. Faz toda a diferença. Pode encher a cozinha, distribuir tarefas e colocar a cerveja pra gelar, o dia vai ser longo e tem muita conversa pra colocar em dia.
3- A outra é que feijoada não se faz pra menos de 20/30 pessoas, pra colocar todas as carnes, a quantidade de feijão aumenta e a panela cresce, ou seja,
não é pra meia dúzia
de gatos pingados,
a gente faz feijuca quando vai ter muitas bocas pra alimentar, muitos pratos em cima da mesa. É comida de comemoração no Brasil, sempre em quantidades fartas e se chegar mais gente, é só colocar água no feijão.Existem versões mais simplificadas e menores, essa aqui, como já disse, é a minha versão. Espero que aproveitem.
Ingredientes
Essa receita é pra 30 pessoas, cheguei a essas quantidades de carnes e feijão na época em que fazia eventos, anotando após cada feijuca a quantidade de sobras e observando que carnes eram mais consumidas, quais apareciam mais, até conseguir um equilíbrio entre todas. Num primeiro momento pode parecer que é pouca a quantidade de cada carne (Mayara enquanto clicava não acreditou que a carne fosse suficiente, me confessou depois que ficou admirada!), mas quando junta tudo na panela final, fica na quantidade certa.A questão das carnes é muito pessoal e pode ser modificada de receita pra receita, não existe certo ou errado, mesmo porque existem diferenças regionais e de família pra família. Essa é a minha receita, em geral eu não uso carnes frescas (mas acho muito bom com), apenas as salgadas e secas. O único defumado que eu uso é o bacon, prefiro as carnes de porco salgadas, o sabor final fica mais equilibrado na minha opinião.
Eu não uso vegetais como é hábito na feijoada em alguns estados do nordeste, mas acho delicioso acrescentar, em especial abóbora e maxixe. Uma amiga de Aracaju me contou que a avó acrescenta banana da terra, vou testar na próxima!
Esse ingredientes são apenas para a feijoada, os ingredientes dos acompanhamentos serão listados em outro post com a receita de cada um deles.
- 3,5Kg de feijão preto (separados em 3K + 500g)
- 500g de bacon
- 500g de toucinho fresco laminado
- 1 rabo de porco salgado
- 1 pé de porco salgado
- 1 orelha de porco salgada
- 1 língua (nesse dia não encontrei pra comprar por isso não coloquei)
- 1,5Kg costelinha de porco salgada
- 1Kg de pernil de porco salgado (pode ser lombo e pode ser metade de cada, mas prefiro o pernil por ser mais saboroso e suculento que o lombo)
- 1,5Kg de carne seca (eu prefiro o dianteiro que tem mais gordura e é mais saboroso, apesar do traseiro ser mais carnudo, mas pode ser meio a meio)
- 4 paios
- 2 linguiças portuguesas
- 5 cabeças de alho brunoise (cubos mínimos)
- 4 cebolas em cubos
- 2 xícaras (chá) de talos de salsinha laminados finamente
- 6 pimentas dedo de moça em lâminas
- 4 folhas de louro
- 1 laranja sem pele inteira
- 3 cravos da Índia
- 1 colher de café de semente de cominho
- 2 doses de cachaça
Modo de fazer
2 dias antes
A gente começa a feijoada dois dias antes, dessalgando as carnes salgadas e secas. Esse passo é importante pra feijoada não ficar salgada e também pra hidratar as carnes curadas que vão aumentar de volume depois da dessalga e ficar mais suculentas.Lave as carnes salgadas retirando o excesso de grumos da superfície. As carnes secas não precisam dessa lavagem.
Corte as carnes já no tamanho final, isso facilita a dessalga (em pedaços muito grandes a carne mantém mais sal o que aumenta o tempo de dessalga): separe as ripas da costelinha, corte rabo e orelha em pedaços menores, parta o pé ao meio e corte o pernil e a carne seca em cubos (atenção: não corte em cubos muito pequenos, pois a cocção será longa e nesse processo a carne acaba se desmanchando, o ideal são cubos de 4cm X 4cm).
Coloque todas as carnes de molho em água em um recipiente fechado na geladeira. Troque a água varias vezes ao logo dessas 48 horas (sempre que se lembrar ou ao menos 4 vezes ao dia).
Na véspera
Lave bem 3Kg do feijão (reserve 500g sem lavar) e deixe de molho em água abundante, esse processo amacia os grãos e permite cozinhar o feijão sem necessidade de panela de pressão.Este também é um método eficiente para eliminar os oligossacarídeos e fitatos não digeríveis presentes no grãos que geram desconforto abdominal quando ingeridos, que se dissolvem na água do molho. Acontece que ao eliminar essa água, eliminamos junto com os indesejáveis oligossacarídeos e fitatos, vitaminas, minerais, açúcares e pigmentos, ou seja, nutrientes, sabor, cor e antioxidantes… tudo aquilo que faz do feijão um alimento rico. Pra não pagar esse preço tão alto, mantemos a água do molho para cozinhar o feijão e fazemos uma cocção lenta que é o outro método eficiente de eliminar os danados indigestos.
(mas no fim da feijoada, vcs vão ver que eu junto um pouco de feijão feito na pressão por conta da cor, é um motivo fútil o meu, me julguem!)
No dia da feijoada
Retire as carnes do molho da dessalga e separe as salgadas das secas. Coloque cada uma em uma panela com água abundante até ferver, troque a água 2 vezes. Esse primeiro cozimento é importante pra retirar um primeiro excesso de gordura e o sal que porventura ficou da dessalga.Enquanto as carnes cozinham, com a ajuda de uma escumadeira retire as impurezas que subirem com a fervura (a espuma cinza que sobe na panela).
Nesse tempo comece a cortar os ingredientes dos refogados e a preparar linguiça, paio e bacon:
Retire a pele das linguiças e paio.
Corte o paio em rodelas (cerca de 1cm de espessura) e a linguiça na diagonal, assim é possível diferenciar um do outro depois de pronta a feijoada (reserve os dois).
Retire a pele do bacon e corte a carne em laminas finas pros refogados. Reserve a pele pra juntar na panela do feijão.
Além da cebola, alho e talos da feijoada em si, eu já corto também o que vou usar nos acompanhamentos (molhinho, farofa, arroz, etc.) assim facilita o trabalho.
Pra não chorar cortando cebola, você já sabe, use faca afiada, mas se quiser aproveitar o chororô da cebola pra fazer uma catarse, essa é a hora. Eu só não recomendo em nenhuma hipótese cortar cebola enquanto escuta Saudosa Maloca, corre o risco de perder todo o trabalho da dessalga pois pra “cada tauba que caía” a gente derruba uma pá de lagrimas na comida. Rancho da Goiabada costuma ter o mesmo efeito, cuidado.
Talos de salsinha, coentro, cebolinha, couve e outros vegetais são ricos em fibras, agregam textura crocante em farofas e saladas e compõe a base aromática de cozidos profundos como a feijoada, garantindo ainda mais sabor. Por essa razão, não faltam nunca nos meus refogados e além da comida ficar mais gostosa, o planeta agradece o aproveitamento integral dos alimentos.
Na feijoada eu uso talos de salsinha, mas pode ser de coentro pra quem prefere e também uso a parte branca da cebolinha laminada. Na farofa eu sempre uso talos de couve e de salsinha.
Por fim, antes de partir pro fogão, separe a água dos grãos do feijão.
Reserve os grãos e a água que será usada no cozimento, assim a feijoada não fica “desbotada”.
Começa a dança das panelas
Vou usar 3 panelas, uma para o feijão, a segunda pra as carnes salgadas e a ultima para a carne seca, isso garante que o feijão fique ao dente e a carne cozinhe no seu tempo e chegue ao ponto correto sem desmanchar.Esse é um dos principais segredos da feijoada, cada item deve estar no ponto certo de cozimento, nem duro, nem mole demais, desmanchando. É também uma das razoes que faz com que o preparo seja trabalhoso, uma vez que cada item é cozido separado e em tempo diferente dos demais.
No fim a gente junta o conteúdo das 3 panelas em uma única para a cozinhada e apurada final de sabores, mas até lá cada um corre em sua panela!
Dito isso, vamos a cada uma das panelas:
Panela 1
Na primeira panela vou cozinhar o feijão, que por ter ficado de molho desde a véspera, está hidratado (os grãos aumentaram de tamanho) e macio o suficiente para cozinhar sem necessidade de panela de pressão, o que permite escolher o ponto de cozimento de sua preferencia e ainda de manter os grãos inteiros, sem o risco de passar e de ficar com o feijão pastoso.Pra cozinhar com o feijão eu acrescento no refogado além de bacon, um pouco das carnes salgadas, aquelas que garantem mais sabor: pé, rabo, orelha e língua.
Doure o bacon em um fio de óleo, junte um pouco de cebola, talos de salsinha, o louro, pimenta, os cravos da Índia e uma pitada de sal, deixe suar. Junte um pouco de alho para que sue também, acrescente o pé, língua, orelha e rabo e doure.
Junte o feijão, misture bem.
Junte a água reservada do feijão e deixe ferver, escumando novamente a espuma e impurezas que sobem na panela como foi feito na primeira cocção das carnes. Feita a limpeza, tampe a panela e abaixe o fogo, deixe cozinhar até o feijão ficar ao dente, por cerca de 40 minutos.
Panela 2
Enquanto o feijão cozinha, hora da carne seca: sue um pouco de cebola, talos de salsinha e um pouco de pimenta em um fio de óleo e uma pitada de sal – junte a carne seca e doure bem, junte água até cobrir a carne, deixe ferver, tampe a panela e deixe cozinhar até a carne estar macia ao toque do garfo, mas sem desmanchar. Se quiser ir mais rápido nessa etapa, use a panela de pressão.Panela 3
No refogado da terceira panela, doure um pouco de bacon em um fio de óleo e nele sue a cebola, talos e pimenta, cravo, semente de cominho. Junte o alho para que também sue, e então doure a costelinha e o pernil (ou lombo ou os dois). Junte água até cobrir, deixe ferver, tampe a panela e cozinhe até o ponto de sua preferencia.Quando o feijão e as carnes estiverem cozidos, é hora de juntar o conteúdo das 3 panelas em uma única (a maior) e acrescentar as linguiças e paios previamente cortados.
Misture bem e deixe ferver.
Enquanto ferve, vamos ao refogado final:
Doure cerca de 500g de toucinho em um fio de oleo. Reserve o toucinho e mantenha a frigideira.
Nesse ponto você deve ter percebido que a cozinha está muito quente e você provavelmente está suando, não é mesmo?
Para tudo, que o mundo não foi feito de uma tacada só! Abre uma cerveja, rouba uns pedacinhos do toucinho que acabou de sair e faz uma pausa antes de partir pra finalização da feijuca.
Na frigideira em que dourou o toucinho sue o alho e pimenta. Volte com o toucinho, misture bem com o refogado.
Junte as duas doses de cachaça, incline de leve a frigideira em direção ao fogo para que flambe. Quando baixar ao fogo, junte o conteúdo a feijoada.
Lave bem e cozinhe em uma panela de pressão os 500g de feijão que restaram (vc pode deixar essa panela cozinhando previamente, antes das panelas principais). Acrescente esse ultimo feijão a panela, misture bem, deixe ferver.
Eu incluí esse passo porque por mais que eu usasse a água do molho pra cozinhar o primeiro feijão, a cor sempre puxava mais pro acinzentado, acrescentando essa panela final, feita na pressão, a cor fica linda, escura como deve ser. É um preciosismo que na minha opinião vale a pena.
Desligue o fogo e deixe a feijoada repousar até formar uma camada de óleo na superfície da panela. Com uma concha retire todo o excesso de gordura, “limpando” a feijoada, que vai ficar ainda mais leve com esse ultimo passo, mantendo a gordura na medida certa do sabor, sem excessos. Você vai se impressionar com a quantidade de gordura que vai sair nesse passo, cerca de 500ml.
O teste do equilibro e leveza da feijoada
você faz passando a língua no céu da boca,
se for possível sentir sua textura natural (é enrrugadinho!) ela está no ponto. Se o céu da boca estiver liso, tem gordura em excesso, é preciso “limpar” mais.Esse passo não tem nada a ver com fazer uma feijoada light, magra, por motivos de dieta, mas sim corrigir o excesso de gordura que decorre das muitas etapas do processo, e assim destacar o sabor de cada um dos itens, revelando a complexidade da mistura, sem mascarar nenhum sabor ou o resultado final do prato apenas com gordura.
Acrescente uma laranja inteira sem pele e ferva novamente a feijoada.
Ajuste o sal, abaixe o fogo e deixe cozinhar mais 10/20 minutos, apague e deixe descansar até a hora de servir.
Separe um potinho generoso e antes de todo mundo veja se ficou mesmo boa, vai que…
Pode tocar o sino, chamar a geral e se não tiver mesa, ponha os pratos no chão e o chão tá posto…
Poe um sambinha ou um chorinho na vitrola
que o silêncio que se segue
carece de trilha sonora…
É comum sentir uma tristezinha quando termina, mas não dura muito não, posso garantir.
Bom apetite, boa feijuca, bom encontro.
#obrasilégostosodemais
Texto: Letícia MassulaFotos: Mayara Maluceli
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