Fala de Guedes na reunião de 22 de abril revela alguém que se comporta como um gestor de fundo de quintal
Monica De Bolle, O Estado de S.Paulo
O
título deste artigo é autoplagiado do meu livro Como Matar a Borboleta
Azul: uma Crônica da Era Dilma, publicado em 2016. No capítulo sobre os
anos 2014 e 2015, tratei da má condução da economia e das escolhas que
se revelariam estúpidas, ainda que não mal-intencionadas. Falava ali
sobre o ensaio de Carlo Cipolla, As Leis Fundamentais da Estupidez
Humana, sobre o qual já escrevi diversas vezes neste espaço, em que
neste mês completo dez anos e que me rendeu colunas que acabaram sendo
fonte para o livro sobre Dilma.
Recapitulo
aqui para o leitor as cinco leis de Cipolla. A primeira reza que sempre
e inevitavelmente cada um de nós subestima o número de indivíduos
estúpidos em circulação. A segunda lei estabelece que a probabilidade de
certa pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra
característica dela própria. A terceira defende que uma pessoa estúpida é
aquela que causa danos a outras sem tirar nenhum proveito para si,
podendo até sofrer prejuízo com isso. A quarta lei mostra que as pessoas
não estúpidas desvalorizam sempre o potencial nocivo das estúpidas. A
quinta advoga, enfim, que o estúpido é o tipo de pessoa mais perigoso
que existe.
Tenho refletido muito sobre o ensaio de Cipolla, pois
há tempos ele retrata bem a realidade brasileira. Na verdade, constatei
que temos nos aprimorado em nos tornarmos a representação viva de tudo o
que o historiador falecido em 2000 elaborou de forma sublime. Penso que
Cipolla estaria muito fascinado em ver como as leis da estupidez
funcionam na prática e como a sua tentativa de traçar as linhas mestras
da natureza humana, sobretudo da natureza dos estúpidos, está tão bem
representada no Brasil de Bolsonaro.
A
reunião ministerial de 22 de abril de 2020 que o diga. Lá há estúpidos
aglomerados, falando sem freio, sem noção de si ou do cargo que ocupam,
sobre o País estraçalhado pela pandemia e pelo governo de Jair
Bolsonaro. Nada daquilo surpreende, embora tudo choque. Choca a fala do
ministro do Meio Ambiente quando menciona “passar a boiada” na Amazônia.
Choca a fala do ministro da Educação sobre as instituições democráticas
do País. Choca a fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que
essa – a crise humanitária – é uma espécie de oportunidade para o
governo ganhar dinheiro ajudando as grandes empresas. As pequenininhas,
afinal, não valem o esforço, segundo Guedes. Com elas, o governo
perderia dinheiro.
Embora todas as falas sejam chocantes e
profundamente estúpidas pelos danos que causam ao País e a quem as
profere – sim, eles todos se prejudicam com os despautérios proferidos,
ainda que o mercado brasileiro prefira enxergar uma realidade paralela
–, ative-me à de Guedes.
Guedes é o ministro da Economia, logo,
sua responsabilidade é com todas as entidades e indivíduos que formam o
que chamamos de economia brasileira. Mais do que isso, seu dever é com o
coletivo, com a ideia de entregar um País melhor para todos do que
aquele que encontrou. Mas o que fez Guedes? Sua fala revela alguém que
se comporta como um gestor de fundo de quintal ao afirmar que seria
possível o governo lucrar dando dinheiro para as grandes empresas.
Reflitam por um momento: eu não comecei este artigo falando sobre a
gestão Dilma à toa. Quando foi a última vez que o governo lucrou dando
dinheiro para grandes empresas? Ou não houve esse dia, esse momento não
aconteceu? Guedes conseguiu a proeza de sair-se muito pior do que Guido
Mantega, quando este defendia as políticas de campeões nacionais. Porque
lá, ao menos, a ideia era fazer o País crescer. Agora, a ideia é lucrar
no meio de uma crise humanitária, com dezenas de milhares de mortos e
com o Brasil tornando-se, rapidamente, o epicentro da pandemia. Mais.
Guedes falou em lucrar com grandes empresas enquanto as pessoas penam
para receber o auxílio emergencial, enquanto o governo faz de tudo para
dificultar o pagamento. E ele ainda tem o desplante de dizer que não
haverá dinheiro para prorrogá-lo. Não se trata de não saber fazer conta.
Trata-se de má intenção mesmo. Sem contar que salvar grandes empresas
geraria uma imensa distorção no Brasil, já demasiado concentrado.
O
que sobra, então? Sobra fazer um gráfico. Num eixo, mede-se do menos ao
mais estúpido. No outro, medem-se as intenções: dos mal-intencionados
aos bens intencionados. Peguem uma folha de papel e tracem os
quadrantes. Agora, ponham os nomes de cada ministro no gráfico. Trata-se
de terapia para tempos de estupidez galopante.
*ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY
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