Se não houver avanços significativos no campo econômico mundial,
a primeira vítima poderá ser a democracia
Celso Ming, O Estado de S.Paulo
15 de agosto de 2019 | 20h00
A economia mundial se transformou numa bicicleta. Tem de
seguir rodando. Se parar, desaba.
E é esse o medo que varreu o mundo nesta semana quando
queda do PIB de 0,1% no segundo trimestre e a China,
segunda economia do mundo, acusou o mais baixo
crescimento industrial desde 2002, de 4,8%. Foi o
suficiente para a derrubada das bolsas e para a fuga
dos capitais em direção aos portos seguros habituais.
Não é acontecimento inesperado. Há meses, o Fundo
Monetário Internacional vem alertando para os riscos
de uma recessão mundial e, com base nessa expectativa, os
grandes bancos centrais passaram a adotar uma política
monetária mais frouxa (de juros mais baixos). Os analistas
vêm associando esse desempenho ruim da economia mundial
à guerra comercial deflagrada pelo presidente Trump contra
a China. Esse jogo protecionista está contribuindo para a
desaceleração da economia chinesa, mas não deve ser tomado
como causa da recessão mundial. Ele já é consequência da
baixa expansão da renda nos países de economia madura,
atingindo em cheio as classes médias e sendo a principal
causa das políticas populistas e das manifestações de
descontentamento nos Estados Unidos e na Europa.
A busca quase compulsiva do crescimento econômico e
do progresso é relativamente recente. Até o século 18, não
existia o conceito de PIB e ninguém se preocupava com
medidas da evolução da riqueza das nações. Simplificadamente,
com a revolução industrial passou a ser necessária a expansão
da demanda para dar conta do aumento da produção e para
garantir o emprego da população que migrou do campo para
as cidades. De lá para cá, sempre que houve desequilíbrio entre
oferta e demanda de bens e serviços, houve crise, que, por
sua vez, impõe mecanismos de ajuste.
A última grande crise foi deflagrada em 2008, a partir da
quebra do banco de investimentos Lehman Brothers. Durou
cinco anos, mas há quem entenda que não terminou; apenas
tomou outra forma. Em 2008, os grandes bancos centrais
despejaram dinheiro para recolocar a roda em
movimento. Se a economia mundial entrar de fato em
depressão, como alguns vêm advertindo, dificilmente eles
poderão atuar com a mesma força porque os juros estão
muito próximos do campo negativo. Mais dinheiro solto
exigiria juros ainda mais baixos.
É por isso que alguns economistas avisam que a reação
à crise tem de vir do lado fiscal, como aconteceu com
o New Deal, a resposta do então presidente americano
Franklin D. Roosevelt à Grande Depressão dos anos 30.
Tem de vir do aumento das despesas dos governos e de
mais investimentos públicos.
O diabo é que os Tesouros públicos são laranjas espremidas
demais. Estão excessivamente endividados, não têm de onde
tirar mais recursos para despejar em obras públicas e em
contratações.
Enfim, a economia mundial ficou excessivamente dependente
do crescimento econômico. Sem avanços significativos do PIB, a
arrecadação baqueia, o desemprego aumenta e as dívidas
crescem. Se esse cenário prevalecer, a primeira vítima
poderá ser a democracia, porque a população tenderá
a buscar um líder (ou um duce) que volte a por a bicicleta
sobre as rodas.
CONFIRA
» Dívidas demais
Um dos fatores que empurram a economia mundial para a
recessão é o excessivo endividamento dos governos, das
empresas e das famílias. O problema não é a falta de
crédito, mas os limites técnicos ao levantamento de novos
créditos por parte dos devedores. No gráfico, você tem a
evolução do endividamento em porcentagem do PIB. As
estatísticas são do BIS, Bank for International Settlements,
instituição com sede em Basileia (Suíça) que opera como
espécie de banco central dos bancos centrais.
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