sexta-feira, 16 de agosto de 2019

O mundo está cada vez mais dependente do crescimento


Se não houver avanços significativos no campo econômico mundial, 


a primeira vítima poderá ser a democracia






Celso Ming, O Estado de S.Paulo
15 de agosto de 2019 | 20h00

A economia mundial se transformou numa bicicleta. Tem de 
seguir rodando. Se parar, desaba.
E é esse o medo que varreu o mundo nesta semana quando 
Alemanha, principal economia da Europa, apontou 
queda do PIB de 0,1% no segundo trimestre e a China
segunda economia do mundo, acusou o mais baixo 
crescimento industrial desde 2002, de 4,8%. Foi o 
dos capitais em direção aos portos seguros habituais.
Não é acontecimento inesperado. Há meses, o Fundo 
Monetário Internacional vem alertando para os riscos 
de uma recessão mundial e, com base nessa expectativa, os 
grandes bancos centrais passaram a adotar uma política 
monetária mais frouxa (de juros mais baixos).   Os analistas 
vêm associando esse desempenho ruim da economia mundial 
à guerra comercial deflagrada pelo presidente Trump contra 
a China. Esse jogo protecionista está contribuindo para a 
desaceleração da economia chinesa, mas não deve ser tomado 
como causa da recessão mundial. Ele já é consequência da 
baixa expansão da renda nos países de economia madura, 
atingindo em cheio as classes médias e sendo a principal 
causa das políticas populistas e das manifestações de 
descontentamento nos Estados Unidos e na Europa.
A busca quase compulsiva do crescimento econômico e 
do progresso é relativamente recente. Até o século 18, não 
existia o conceito de PIB e ninguém se preocupava com 
medidas da evolução da riqueza das nações. Simplificadamente, 
com a revolução industrial passou a ser necessária a expansão 
da demanda para dar conta do aumento da produção e para 
garantir o emprego da população que migrou do campo para 
as cidades. De lá para cá, sempre que houve desequilíbrio entre 
oferta e demanda de bens e serviços, houve crise, que, por 
sua vez, impõe mecanismos de ajuste.



A última grande crise foi deflagrada em 2008, a partir da 
quebra do banco de investimentos Lehman Brothers. Durou 
cinco anos, mas há quem entenda que não terminou; apenas 
tomou outra forma. Em 2008, os grandes bancos centrais 
despejaram dinheiro para recolocar a roda em 
movimento. Se a economia mundial entrar de fato em 
depressão, como alguns vêm advertindo, dificilmente eles 
poderão atuar com a mesma força porque os juros estão 
muito próximos do campo negativo. Mais dinheiro solto 
exigiria juros ainda mais baixos.
É por isso que alguns economistas avisam que a reação 
à crise tem de vir do lado fiscal, como aconteceu com 
o New Deal, a resposta do então presidente americano 
Franklin D. Roosevelt à Grande Depressão dos anos 30. 
Tem de vir do aumento das despesas dos governos e de 
mais investimentos públicos.

Bolsa de Valores
As projeções de PIB ainda estão longe de um número negativo, mas um crescimento 
da economia global abaixo dos 3% é tido como ruim Foto: Gabriela Biló/Estadão
O diabo é que os Tesouros públicos são laranjas espremidas 
demais. Estão excessivamente endividados, não têm de onde 
tirar mais recursos para despejar em obras públicas e em 
contratações.
Enfim, a economia mundial ficou excessivamente dependente 
do crescimento econômico. Sem avanços significativos do PIB, a 
arrecadação baqueia, o desemprego aumenta e as dívidas 
crescem. Se esse cenário prevalecer, a primeira vítima 
poderá ser a democracia, porque a população tenderá 
a buscar um líder (ou um duce) que volte a por a bicicleta 
sobre as rodas.

CONFIRA

» Dívidas demais
Um dos fatores que empurram a economia mundial para a 
recessão é o excessivo endividamento dos governos, das 
empresas e das famílias. O problema não é a falta de 
crédito, mas os limites técnicos ao levantamento de novos 
créditos por parte dos devedores. No gráfico, você tem a 
evolução do endividamento em porcentagem do PIB. As 
estatísticas são do BIS, Bank for International Settlements, 
instituição com sede em Basileia (Suíça) que opera como 
espécie de banco central dos bancos centrais.

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