COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
Bolsonaro e os ‘direitos’ dos ricos e poderosos contra os ‘deveres’ de
todo o resto
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
06 de agosto de 2019 | 03h00
O presidente Jair Bolsonaro confirma, dia sim, outro também, sua
visão peculiar e sectária do que sejam direitos. Diz a Constituição
que “todos são iguais perante a lei”. Dizem as democracias que os
direitos e deveres são iguais para todos. Para Bolsonaro, não. No
seu governo, como na sua fala, uns têm mais direitos do que
outros: os ricos, donos do capital.
Num país campeão de desigualdade social, com milhões de pessoas
sem direito a emprego, educação, saúde, moradia, transporte,
igualdades de condições e respeito, o presidente jamais usa a
palavra “social” e está preocupado é com os direitos dos
empresários, que chama de “heróis”: “É horrível ser patrão
no Brasil”, prega. Bem pior, presidente, é ser pobre.
Assim, Bolsonaro defende trabalho infantil, produz frases dúbias
sobre trabalho escravo e estuda devolver terras desapropriadas. E
corta, ops!, contingencia verbas do Ministério do Desenvolvimento
Social e da Educação.
Entre a proteção da Amazônia e a ganância de madeireiros ilegais,
adivinhem quem ele defende? Em desacordo com a lei, impediu a
destruição de caminhões que derrubavam árvores, criminosamente,
na floresta.
Entre o direito ancestral dos índios e o desejo de “tarados”
americanos de explorar minérios em terras indígenas, adivinhem
o que ele prefere? E a ideia de liberar Angra dos Reis para
empresários criarem “uma Cancún”?
Entre o Coaf, que identifica movimentações financeiras atípicas, e
o interesse do filho Flávio Bolsonaro, cujo gabinete no Rio foi um
dos flagrados, adivinhem o que ele faz? O chefe do Coaf cai, o filho
Flávio fica feliz da vida. Aliás, cadê o Queiroz?
Sempre crítico à política, Bolsonaro se deu o direito de estar nela
há 29 anos e garantir mandatos não só para Flávio, mas também
para o “02”, Carlos, e o “03”, Eduardo. Por que será? Essa pergunta,
que nunca quis calar, pode estar sendo respondida pelo jornal
O Globo, que identificou 286 assessores do clã nessas três décadas,
102 da família Bolsonaro ou de famílias amigas. Alguns receberam
a média de R$ 7,3 mil, ou R$ 10,7 mil, durante 14, 15 anos, sem
dar as caras no trabalho. Uma era oficialmente “do lar”, outra
declarou-se “babá” na Justiça e vai por aí afora. Será que os
salários não eram para elas? E qual o direito dos Bolsonaro de
fazer isso?
Há também os cartões corporativos: a sociedade tem o direito de
saber como são gastas as verbas oficiais, mas Bolsonaro mantém
o “direito” de gastar sem dizer onde, para quê, com quem. E não
é pouco dinheiro, não.
Quem, por ofício, checa diariamente a agenda do presidente sabe
os que têm acesso a Bolsonaro e para quem ele está efetivamente
governando. Ele vai a toda e qualquer solenidade militar, frequenta
cultos e despacha com pastores evangélicos, leva ministros a
estádios de futebol e abre as portas do gabinete a multinacionais,
grandes empresários, ruralistas, políticos aliados, a “bancada
da bala”. Aos aliados e ao capital, enfim.
Onde ficam as outras religiões, os ambientalistas, as comunidades
LGBT, os professores, os defensores de direitos humanos, os
cientistas, os cineastas, os escritores, os artistas, os intelectuais,
os índios, os quilombolas, os especialistas em trânsito e em
desarmamento? E os representantes de trabalhadores?
No mundo de Bolsonaro, o capital tem todos os direitos, o
trabalho e as minorias só têm deveres. A uns, a defesa. Aos
outros, a cobrança. Mais ou menos como no caso dos Estados:
aos governadores aliados, tudo; aos nordestinos, as migalhas.
Entra aí o “direito” do jovem deputado Eduardo de ser embaixador
na mais importante embaixada do planeta, a dos EUA. “Indicado
tem de ser filho de alguém. Por que não meu?”, indagou papai
Bolsonaro. O que responder, minha gente?!
Nenhum comentário:
Postar um comentário