terça-feira, 26 de março de 2019

10 parágrafos de livros famosos que te farão querer ler as obras inteiras


Muitos julgam um livro pela capa, e há quem decida ler uma obra por um parágrafo

"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas". A impactante frase é de Machado de Assis, um dos maiores escritores brasileiros, e pode ser lida logo no início de sua célebre obra "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (1881).

Machado utiliza da vasta capacidade literária que tem para chocar, instigar e contextualizar o leitor em sua narrativa, aclamada pelo público até os dias atuais. 

Muitos outros autores, de diversos gêneros literários, também constroem alguns parágrafos em suas obras que impactam diretamente em quem os lê, seja aquele que está na metade do livro ou alguém que mergulha nas frases pela primeira vez.

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A ideia por trás do velho ditado "não julgue um livro pela capa" também pode servir para os parágrafos que você lerá abaixo. Porém, será muito mais fácil se encantar com as passagens a seguir - e começar a ler os livros - do que julgar uma ilustração vã estampada em uma capa.
#1 - "Creiam-me, o menos mau é recordar; ninguém se fie da felicidade presente; há nela uma gota da baba de Caim. Corrido o tempo e cessado o espasmo, então sim, então talvez se pode gozar deveras, porque entre uma e outra dessas duas ilusões, melhor é a que se gosta sem doer."   
#2 - "Infelizmente tem que ser assim: a não ser em poucas e raras ocasiões, aqui, só tenho podido contemplar a natureza através de cortinas de renda sujas, penduradas em janelas poeirentas. E já não é um prazer olhar através delas, pois a natureza é a única coisa que não aceita adulteração."
#3 - "O conservador baixou os olhos e viu o orifício da bala na branca camisa de linho. Era um ponto negro orlado por um pequeno círculo de sangue, poucos centímetros abaixo do esterno, estômago. Quase que por um capricho de crueldade, a bala falhara o coração. Como veterano da guerra da Argélia, o conservador fora já testemunha daquele tipo de morte horrivelmente lenta. Sobreviveria cerca de quinze minutos, enquanto os ácidos do estômago se derramavam na cavidade torácica, envenenando-o por dentro."
#4 - "O homem parou à entrada, examinou Raskólnikov em silêncio e adiantou uns passos dentro do quarto. Era precisamente o mesmo da véspera; a mesma figura, o mesmo traje; mas no seu rosto e no seu olhar notava-se uma grande mudança; agora parecia mortificado e, parando por um momento, lançou um fundo suspiro. Só faltou, nesse instante, levar a palma da mão à face e inclinar a cabeça para um lado, para que parecesse completamente uma mulher."
#5 - "O bairro tem inveja dele: o jogador profissional salvou-se da fábrica ou do escritório, tem quem pague para que ele se divirta, ganhou na loteria. Embora tenha que suar como um regador, sem direito a se cansar nem a se enganar, aparece nos jornais e na televisão, as rádios falam seu nome, as mulheres suspiram por ele e os meninos querem imitá-lo. Mas ele, que tinha começado jogando pelo prazer de jogar, nas ruas de terra dos subúrbios, agora joga nos estádios pelo dever de trabalhar e tem a obrigação de ganhar ou ganhar."
#6 - "O que agora se dispunha a fazer era abrir um diário. Não era um ato ilegal (nada mais era ilegal, pois não havia mais leis), porém, se descoberto, havia razoável certeza de que seria punido por pena de morte, ou no mínimo vinte e cinco anos num campo de trabalhos forçados. Winston meteu a pena na caneta e chupou-a para tirar a graxa. A pena era um instrumento arcaico, raramente usada, mesmo em assinaturas, e ele conseguira uma, furtivamente, com alguma dificuldade, apenas por sentir que o belo papel creme merecia uma pena de verdade em vez de ser riscado por um lápis-tinta. Na verdade, não estava habituado a escrever à mão. Exceto recados curtíssimos, o normal era ditar tudo ao falascreve, o que naturalmente era impossível no caso. Molhou a pena na tinta e hesitou por um segundo. Um tremor lhe agitara as tripas. Marcar o papel era um ato decisivo. Com letra miúda e desajeitada escreveu: 4 de abril de 1984."
#7 - "Eu poderia me apresentar apropriadamente, mas, na verdade, isso não é necessário. Você me conhecerá o suficiente e bem depressa, dependendo de uma gama diversificada de variáveis. Basta dizer que, em algum ponto do tempo, eu me erguerei sobre você, com toda a cordialidade possível. Sua alma estará em meus braços. Haverá uma cor pousada em meu ombro. E levarei você embora gentilmente."
#8 - "Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas."
#9 - "Santiago Nasar tinha um talento quase mágico para os disfarces, e a sua diversão predileta era baralhar a identidade das mulatas. Saqueava os guarda-vestidos de umas para disfarçar as outras, de maneira que todas acabavam por sentir-se diferentes de si próprias e iguais às que não eram. Certa ocasião, uma delas viu-se repetida noutra com tal acerto que sofreu uma crise de choro. 'Senti que tinha saído do espelho', disse. Mas naquela noite, Maria Alejandrina Cervantes não permitiu que Santiago Nasar se deleitasse pela última vez com os seus artifícios de travesti, e fê-lo com pretextos tão frívolos que o mau sabor dessa recordação mudou toda a sua vida. Foi assim que agarramos nos músicos e os levamos para uma rusga de serenatas, e continuamos a pândega por nossa conta, enquanto os gêmeos Vicário esperavam Santiago Nasar para matá-lo."
#10 - "Por que um mestre lendário como Kasparov, cujas capacidades são excepcionais, considerava impossível derrotar um rival? Foram Cristina e Daria, as esposas, as rainhas daquele tabuleiro nova-iorquino, que desvendaram o enigma. Levaram a conversa novamente para o rumo da paixão, desse ponto passaram à exigência e ao desgaste emocional e, por fim, desembocaram na concentração mental. "Talvez seja um problema de concentração", sugeriu Cristina. Daria deu a resposta: "Se fosse só uma partida e durasse apenas duas horas, Garry poderia vencer Carlsen. Mas não é assim: a partida se prolongaria por cinco ou seis horas, e ele não quer viver outra vez o sofrimento de passar tantas horas seguidas com o cérebro funcionando a todo vapor, calculando possibilidades sem descanso. Carlsen é jovem e não tem consciência do desgaste que isso provoca. Garry tem, e não gostaria de voltar a passar por isso durante dias a fio. Um conseguiria se manter concentrado por duas horas; o outro, por cinco. Por isso seria impossível ganhar. Naquela noite, Guardiola dormiu pouco e pensou muito."


Rudiney Freitas

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