Média de filhos para cada mulher no Níger é de 7,6; apesar de campanhas para estimular planejamento familiar, será difícil mudar cultura em país onde ter filhos é sinal de riqueza e poder.
22 set 2017
A expectativa é que a população da África duplique até 2050, mas, no
país com a maior taxa de natalidade do mundo, a população deve
triplicar.
No Níger, as mulheres têm, em média, 7,6 filhos cada - e, na zona rural
de Zinder, a taxa é ainda maior. Não é à toa que é possível ver
crianças por toda parte em qualquer vilarejo que se visite. E as
próprias crianças têm filhos - mais da metade das mulheres se casa antes
de completar 15 anos de idade.
À medida que as economias crescem, tanto os países quanto suas
populações se enriquecem e as taxas de natalidade se reduzem
gradativamente. Mas o Níger é um dos países mais pobres do mundo.
"No Níger, nós temos uma característica nacional de ser pró-reprodução.
Ter filhos é considerado, tradicionalmente, sinal de riqueza e poder",
explica o Dr. Hassane Atamo, responsável pelo Departamento de
Planejamento Familiar do governo.
A taxa acelerada de natalidade provoca graves problemas, tanto de curto quanto de longo prazo.
"A consequência imediata de uma taxa de natalidade tão alta é que é
impossível alimentar, educar e cuidar de todas essas crianças no curto
prazo. No longo prazo, a própria sobrevivência do país é ameaçada, a não
ser que usemos essa janela de oportunidade para aproveitar ao máximo
esse dividendo jovem", afirma Atamo.
O vilarejo de Angoual Gao recebe ajuda externa para encorajar sua
população a melhorar o planejamento familiar. Protegidas atrás das
grossas paredes de um complexo de prédios de barro, um grupo de mulheres
se reúne para uma conversa franca sobre métodos contraceptivos,
casamento forçado e problemas relacionados a casar jovem e ter filhos
cedo.
É o que agentes humanitários chamam de "espaços seguros" para mulheres - algumas com apenas 10 anos de idade.
Saratou Kanana, de 27 anos, é uma das três jovens mais velhas treinadas
para liderar a conversa. Kanana tem quatro filhos e, apesar de todo o
aconselhamento sobre intervalos entre gestações, ela se nega a dizer
quantos bebês mais pretende ter.
"Tudo depende de Alá", diz.
Mas a situação é mais complicada que isso. Depois de Kanana se esquivar
de responder à mesma pergunta formulada de maneiras diferentes, o
tradutor finalmente explicou. Por ser mulher, ela não detém a palavra
final no assunto.
Tudo depende do marido dela. Se o marido decidir não ter mais filhos,
aí sim Kanana poderá ir a um centro de saúde e providenciar a
contracepção. "Aqui tudo depende do marido. A última palavra é do
marido", esclareceu o tradutor.
Famílias menores
Por isso, os homens também são encorajados a participar de programas de conscientização sobre planejamento familiar.
Do outro lado da cidade, eles se sentam de pernas cruzadas debaixo de
uma árvore e batem papo sobre saúde, educação, aleitamento materno e
controle de natalidade - encontros chamados de "escola de marido".
Apesar de Musa Malamharu, 47, liderar a conversa, ele tem duas mulheres, 15 filhos e pretende ter outros dois ou três
.
Mudaha Musa, 27, parece ter se convencido de que cinco ou seis crianças
- dois ou três a mais do que ele tem hoje- são suficientes. "Realmente
aqui existe um problema de ter muitos filhos", admite.
"Mas, com a escola para maridos, estamos começando a ver progressos", diz.
Educação parece mesmo ser a chave para a redução da taxa de natalidade.
As rodas de bate-papo para homens fazem parte do mesmo projeto
direcionado a mulheres - Projeto Sawki- , cujo objetivo é reduzir o
número de mulheres mortas no parto e o número de crianças mortas antes
de completar cinco anos de idade, além de estimular famílias menores.
Em uma clínica móvel distante da estrada principal, um quarto pequeno está lotado de mulheres e crianças pequenas.
As enfermeiras distribuem diferentes contraceptivos. Há camisinhas
masculinas e femininas, pílulas anticoncepcionais, dispositivos
intrauterinos e até um debate sobre contraceptivos por implantes.
É então que Nana Aisha, 28, se levanta e diz que concorda - apesar do
receio de sentir dor - em ter um implante com duração de três anos
injetado na frente de todos.
"Eu quero mostrar para as outras mulheres, porque existe um falso rumor
de que o implante possa se prender dentro dos músculos", disse.
O procedimento em Aisha foi feito em instantes. Algumas das mulheres se
reuniram para observar o braço dela, com o implante bem visível dentro
da pele.
Aisha tem três filhos e quer evitar engravidar por pelo menos três
anos. "Meu marido é uma pessoa esclarecida. Na verdade, é ele quem está
me encorajando a ir ao centro de saúde para garantir planejamento
familiar", disse.
No entanto, ainda que muitas pessoas sejam convencidas a ter menos
filhos levará tempo para reverter o aumento dramático da população do
Níger.
A expectativa é que a atual população de 21 milhões de pessoas exceda 68 milhões nos próximos 30 anos.
"A cultura está mudando, porque as próprias mulheres percebem que ter
muitos filhos é um problema para elas", diz a parteira Furera Umarou.
Ela acredita que os casais que optarem por fazer planejamento familiar
passarão a ter quatro ou cinco filhos, em vez de oito ou nove. É um
começo.
Muito se fala sobre um "dividendo demográfico" - a habilidade de uma
nova e ativa força de trabalho em catapultar economias para fora da
pobreza, mas isso exige investimentos e vagas de trabalho.
"Se não capturarmos os benefícios do dividendo demográfico, vamos ser
jogados num estado de total desequilíbrio", diz o Dr. Hassane Atamo,
chefe da divisão de planejamento familiar do governo.
"Isso pode ameaçar a sobrevivência do país e encorajar problemas diversos, como terrorismo e emigração."
Uma grande quantidade de jovens pobres e desempregados pode iniciar uma
jornada migratória para a Europa ou a parar nas mãos de grupos
islâmicos extremistas, como o Boko Haram. Crescimento populacional
massivo é um problema de todos.
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