Mais de 900 mil pessoas foram às urnas no domingo para eleger Parlamento da Igreja Sueca, a maior instituição religiosa do país; resultados preliminares indicam avanço de partido anti-imigração em órgão decisório de instituição.
18 set 2017
06h01
atualizado às 07h46
Na Suécia, a cúpula da Igreja também tem seu dia de eleições gerais. No
domingo, 900 mil suecos foram às urnas para escolher os representantes
da maior organização religiosa do país, a Igreja da Suécia, instituição
protestante de confissão luterana. Foi o maior comparecimento na
história das eleições da instituição desde 1950.
O sistema eleitoral dessa instituição cristã é único no mundo. A cada
quatro anos, os cidadãos filiados à igreja elegem uma espécie de
Parlamento da Igreja Sueca (Svenska kyrkan), a que é a maior organização
religiosa do país.
Esse Parlamento é composto tanto por representantes do clero como por
leigos e tem o poder de decidir não só questões mundanas, como a reforma
das paróquias e o valor de doações a países pobres, mas também assuntos
de ordem teológica - a exemplo do casamento entre pessoas do mesmo
sexo, aprovado pela Igreja Sueca em 2009.
"A Constituição sueca é clara: a Igreja deve ser democrática e aberta",
diz à BBC Brasil a pastora sueca Jenny Sjögren, chefe do Departamento
de Teologia e Ecumenismo da Igreja da Suécia.
As eleições, contudo, estão atreladas à política tradicional.
Representantes de três dos oito partidos políticos tradicionais do país
disputaram o pleito, ao lado de grupos independentes. Os resultados
preliminares indicam que o Partido Social-Democrata, nacionalista e
anti-imigração, conquistou a maior parcela dos votos e aumentou sua
participação na Igreja.
"Pode-se dizer que a Igreja da Suécia tem um sistema eleitoral único no
mundo, no sentido de que todas as instâncias do poder decisório da
instituição são eleitas de forma direta. Embora as igrejas protestantes
de países como a Noruega realizem algum tipo de eleições, em geral os
pleitos ocorrem apenas a nível paroquial. Já na Suécia, desde a virada
do milênio o próprio Sínodo Geral, que pode ser definido como o
Parlamento da Igreja Sueca, é eleito nas urnas", acrescentou Sjögren,
que se tornou padre há 17 anos: desde 1958, a Igreja da Suécia aceita a
ordenação feminina.
Regras
Para participar das eleições - seja como eleitor, ou como candidato -, o
cidadão deve ser membro da Igreja da Suécia. A idade mínima para votar é
de 16 anos, e a partir de 18 anos é possível se candidatar ao pleito.
No total, 5,2 milhões de suecos têm direito a votar no país de cerca de 10 milhões de habitantes.
A eleição de bispos e arcebispos na Suécia também costuma ser realizada
com a participação popular: 50 por cento do eleitorado deve ser
composto por leigos.
"Em várias partes do mundo protestante, as eleições de bispos e
arcebispos se dão através do voto tanto de clérigos como de leigos. Isto
se dá por razões históricas: ao contrário do que ocorre no catolicismo,
a participação de leigos nos processos decisórios representa um papel
importante nas igrejas luteranas, e nas congregações protestantes em
geral", diz Jenny Sjögren.
Em 2013, a Suécia elegeu pela primeira vez uma mulher como arcebispa - a até então bispa da cidade de Lund, Antje Jackelén.
Campanha Eleitoral
Na mídia sueca, a cobertura da campanha para as eleições gerais da
Igreja segue, ainda que em menor dimensão, o figurino dos pleitos
políticos. Nesta reta final da corrida eleitoral, candidatos leigos e
religiosos duelam na TV e no rádio, jornais debatem as diferentes
propostas, e os "partidos" - chamados de "grupos" - apresentam filmes de
campanha publicitária. Nas ruas, cartazes e panfletos reforçam o clima
de eleição.
"Todo o processo das eleições eclesiásticas é muito semelhante ao
processo eleitoral para o Parlamento, assim como as regras democráticas
que regem o funcionamento das assembleias eleitas pelos membros da
Igreja", diz à BBC Brasil o membro da Igreja David Axelson Fisk, que
participou do comitê organizador das primeiras eleições gerais, na
virada do milênio.
"Até o ano 2000, a Igreja da Suécia realizava apenas eleições a nível
paroquial, como ocorre em outros países protestantes. Mas quando a
separação entre Igreja e Estado entrou em vigor, naquele ano,
entendeu-se que a forma mais democrática de gerir a instituição deveria
ser através de eleições gerais e diretas para todas as instâncias do
poder eclesiástico", observa Fisk.
As eleições da Igreja da Suécia são organizadas em três níveis, num
único dia de votação: a nível local, os membros de cada uma das 2.225
paróquias do país elegem uma Assembléia da Paróquia (Kyrkofullmäktige). A
nível regional, os eleitores das 13 dioceses escolhem a Assembléia da
Diocese (Stiftsfullmäktige), com 81 representantes. E a nível nacional, é
eleito o Sínodo Geral da Igreja da Suécia (Kyrkomötet) - a mais alta
instância da instituição, composta por 251 integrantes.
A arcebispa sueca é a representante da Igreja para eventos ecumênicos e
conferências internacionais, mas a autoridade máxima de poder decisório
da instituição é o Sínodo Geral. E pelas regras suecas, os bispos não
fazem parte do Sínodo, embora devam estar presentes nas sessões do
órgão.
"Os 13 bispos do país podem se pronunciar ou apresentar propostas nas
sessões do Sínodo, mas não estão autorizados a votar", esclarece Ewa
Almqvist, do departamento de Comunicação da Igreja da Suécia. Por outro
lado, segundo Jenny Sjögren, os bispos detêm influência no poderoso
Comitê Doutrinário do Sínodo.
Em sua composição atual, 187 dos 251 assentos do Sínodo Geral são
ocupados por representantes leigos. Entre os 64 clérigos da assembleia,
estão 61 pastora e três diáconos. Os valores suecos da igualdade de
gênero também se refletem na formação da assembleia nacional eleita no
último pleito: são 124 mulheres e 127 homens, segundo dados fornecidos à
BBC Brasil pela Igreja da Suécia.
Os representantes eleitos não ganham salário: recebem apenas
compensação pelas horas que deixam de trabalhar em seus empregos
regulares, a fim de exercer suas atividades do Sínodo. E em cumprimento
às práticas suecas de transparência, as atividades e finanças da Igreja
da Suécia também são disponibilizadas para a fiscalização pública.
Críticas
Um dos principais temas do debate da campanha eleitoral deste ano foi o
questionamento sobre a participação política nas eleições da Igreja.
Embora as agremiações que concorrem ao voto não tenham a denominação de
"partido", o fato é que três dos oito partidos políticos tradicionais
do país disputam o pleito com suas próprias legendas, ao lado de grupos
independentes - o Partido Social-Democrata, o Partido do Centro e o
Democratas da Suécia, de extrema-direita.
"Há diferentes pontos de vista, e o tema é complexo", diz a padre sueca Jenny Sjögren.
"Um eleitor pouco familiarizado com as questões da Igreja, por exemplo,
pode sentir-se mais seguro ao votar no candidato de um partido político
com o qual ele tem afinidade. Este seria um lado positivo de se ter
representantes de partidos políticos tradicionais na disputa. Por outro
lado, muitos começam a questionar esse envolvimento político na igreja.
Mas cada vez mais, surgem novos grupos independentes que não possuem
conexão com partidos. Portanto, este é um processo em evolução", ela
ressalta.
Êxodo
Apesar do caro e complexo aparato democrático para a realização de
eleções diretas nos três níveis decisórios da Igreja, o comparecimento
às urnas tem sido relativamente baixo. Especialmente nestes novos
tempos, em que a Igreja da Suécia enfrenta uma perda considerável de seu
rebanho.
Nas últimas eleições gerais da Igreja, em 2013, apenas 700 mil pessoas
votaram. O índice de comparecimento às urnas não costuma ultrapassar 15%
do eleitorado - em claro contraste com o percentual registrado nas
eleições políticas para o Parlamento sueco, que costuma girar em torno
de 86%.
O êxodo têm preocupado as autoridades eclesiásticas. Em 2016, mais de
90 mil pessoas deixaram de ser membros da Igreja - praticamente o dobro
do índice registrado no ano anterior. Segundo pesquisa conduzida pelo
instituto sueco Norstat, o principal argumento dos fiéis que decidiram
abandonar a instituição é franco: eles não acreditam em Deus.
A Igreja da Suécia abandonou a Igreja Católica Romana no século 16, quando aderiu à Reforma Protestante.
Na virada do milênio, quando a Suécia se tornou oficialmente um Estado
laico, 82% dos suecos eram membros da Igreja da Suécia - mais por
tradição, segundo muitos comentam, do que por uma real afirmação de fé.
Atualmente, segundo os números oficiais, a instituição possui 6,1
milhões de membros (cerca de 62% da população). Mas cada vez mais, a
tradição religiosa perde força neste país de descrentes.
Até meados da década de 90, os filhos de membros da Igreja da Suécia se
tornavam automaticamente, ao nascer, também membros da instituição. Na
era do Estado laico, a nova geração tende a desfazer esses tênues laços
religiosos: hoje, pelos cálculos da agência central de estatísticas da
Suécia (Statistiska centralbyrån), somente cinco por cento dos suecos
costumam frequentar algum tipo de igreja.
Apenas 29% da população afirma ter alguma crença religiosa. E na hora
de casar, um em cada três casais optam por uma cerimônia civil.
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