Grupo que se originou no período imediatamente anterior à invasão americana do Iraque hoje perde território, mas estimula seguidores a cometer atentados em seu nome.
Responsável por alguns dos piores atentados dos últimos anos, o grupo
extremista autodenominado Estado Islâmico tem suas origens no período
imediatamente anterior à intervenção americana no Iraque, em 2003.
Em 2002, um ano antes da invasão americana, chegou ao Iraque o
insurgente jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, que havia criado um grupo
extremista nos anos 1990 e estabelecido campos de treinamento no
Afeganistão, onde conheceu o fundador da Al-Qaeda, Osama bin Laden.
Em 2004, Zarqawi jurou fidelidade a Bin Laden e transformou seu grupo
na Al-Qaeda no Iraque, responsável por vários atentados nos anos
seguintes, quando o Iraque estava mergulhado em violência sectária - com
membros da minoria sunita, retirada do poder após a queda de Saddam
Hussein, insurgindo-se contra a presença americana e o novo governo,
liderado pela maioria xiita e apoiado pelos Estados Unidos.
Zarqawi foi morto pelas forças americanas em 2006, e a Al-Qaeda no Iraque mudou de nome, para Estado Islâmico do Iraque.
"Tudo isso aconteceu em reação à invasão militar americana e ocupação
do Iraque", disse à BBC Brasil o professor de História e especialista em
Oriente Médio Juan Cole, da Universidade de Michigan.
O diretor do centro de Segurança Internacional e Defesa da organização
de pesquisa e análise Rand Corporation, Seth Jones, discorda da
avaliação de que o Estado Islâmico tenha suas origens na intervenção
americana.
"As origens são muito mais antigas, remontam à década de 1990 (quando
Zarqawi criou seu grupo extremista)", disse Jones à BBC Brasil.
Jones observa, porém, que a retirada das tropas americanas, em 2011,
foi um dos fatores que ajudaram a criar as condições para o
ressurgimento do grupo com força, em 2014.
Prisão americana
Os substitutos de Zarqawi também foram mortos pelas forças americanas
e, em 2010, Abu Bakr al-Baghdadi, o atual líder do Estado Islâmico,
assumiu o poder.
Seis anos antes, em 2004, Baghdadi havia passado alguns meses na prisão americana de Camp Bucca, no sul do Iraque.
Segundo analistas, a prisão, que chegou a abrigar mais de 25 mil
detentos - muitos deles transferidos de Abu Ghraib após o escândalo de
torturas e abuso de prisioneiros -, tranformou-se em local de
radicalização e colaboração entre extremistas.
Assim como Baghdadi, vários outros integrantes da cúpula do Estado
Islâmico passaram por Camp Bucca. Dentro da prisão, ao contrário das
ruas do Iraque, esses extremistas tinham liberdade para fazer contatos e
trocar ideias.
"Há evidências de que os radicais aproveitaram o fato de estarem
concentrados em um único lugar para se conectar uns com os outros",
ressalta Cole.
Síria e Califado
A partir de 2011, no início da guerra na Síria, o Estado Islâmico
expandiu suas operações para aquele país, sob o nome de frente Al-Nusra.
Ayman al-Zawahiri, que passou a comandar a Al-Qaeda central após a
morte de Bin Laden, declarou a Al-Nusra como braço sírio da Al-Qaeda,
mas a decisão foi rejeitada por Baghdadi.
Ignorando a oposição de Zawahiri, Baghdadi rompeu de vez com a Al-Qaeda
e anunciou a união de suas forças no Iraque e na Síria, criando o
Estado Islâmico do Iraque e do Levante.
Em 2014, alegando ser descendente de Maomé, Baghdadi decretou a criação
de um califado, um Estado governado conforme sua interpretação da lei
islâmica, autoproclamou-se califa e conclamou muçulmanos ao redor do
mundo a jurar fidelidade e migrar para o território controlado pelo
grupo.
Expansão
Os métodos empregados pelo Estado Islâmico, que incluem decapitações e
crucificações, são considerados extremos até por outras organizações
extremistas, como a Al-Qaeda.
Mesmo muçulmanos que não aderem à sua ideologia são considerados infiéis e alvo de ataques.
O grupo conquistou território no Iraque e na Síria e atraiu combatentes
do mundo inteiro, muitos deles jovens ocidentais que decidiram se unir à
organização ou promover atentados em seu nome em seus países de origem.
"O fato de controlarem uma grande fatia de território ajudou muito (a
atrair combatentes). Além disso, eles usam as redes sociais de maneira
muito eficaz para encorajar as pessoas a virem ao seu autoproclamado
califado", ressalta Jones.
Perda de território
Ao longo do último ano, como resultado de campanha liderada pelos
Estados Unidos, o Estado Islâmico vem perdendo vastas áreas sob seu
controle no Iraque e na Síria, além de partes de territórios que
controlava em países como Líbia, Egito, Nigéria e Afeganistão.
Segundo dados da Rand, no fim de 2014 cerca de 11 milhões de pessoas
viviam em território controlado pelo Estado Islâmico. Até o início deste
ano, o grupo já havia perdido 73% desse contingente populacional e 57%
do território que controlava.
Com a redução do território, diminuíram também as fontes de
financiamento (entre elas impostos cobrados das populações que vivem nas
áreas controladas) e o número de combatentes, o que gera dúvidas sobre o
futuro da organização.
"Há diversos fatores que podem determinar o futuro do grupo. Um deles é
se conseguirão santuário em outros territórios", salienta Jones.
Segundo o analista, ao perder terriório o grupo deverá recorrer a
estratégias de guerrilha em vez de confrontar as forças iraquianas ou
sírias diretamente no campo de batalha.
Vingança
Mesmo com a perda de território, o Estado Islâmico continua inspirando indivíduos a cometer atentados em seu nome.
"Atentados inspirados ou dirigidos pelo grupo são prováveis. Aqueles
simplesmente inspirados tendem a ser menos sofisticados, usando facas ou
mesmo veículos, como já ocorreu", observa Jones.
Cole acredita que a perda de território poderá levar o Estado Islâmico a
buscar vingança contra os Estados Unidos e a Europa, por terem ajudado a
derrotá-lo, e provocar mais ataques. No longo prazo, porém, prevê a
decadência do grupo.
"Quando são derrotados, perdem muito do apoio e dos recursos. Pense na
Al-Qaeda depois da morte de Bin Laden, que não parece capaz de ou
disposta a lançar nenhum grande ataque", observa.
"Sua capacidade de inspirar vai diminuir. Ninguém quer se unir a um
grupo de perdedores. No curto prazo, poderão lançar ataques, mas no
médio e longo prazo, provavelmente entrarão em decadência", prevê Cole.
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