Em Oslo, católicos, judaicos, muçulmanos, budistas,
hindus e taoistas organizam plano de ação para proteger florestas
tropicais. Linguagem espiritual se alia ao conhecimento científico e aos
saberes indígenas.
Em frente ao Centro Nobel da Paz, em Oslo, a chegada de Sônia
Guajajara chama a atenção de quem transita pela via tomada por
pedestres, de frente para o mar. O cocar usado pela líder indígena tem
penas de arara azul e é usado pelos guajajara em diferentes ocasiões e
rituais.Mas a motivação desta segunda-feira (19/07) é inédita. Sônia, que é coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), participa de um encontro com líderes de diversas religiões – católica, muçulmana, budista, judaica, hindu e taoista – para discutir como agir para preservar as florestas tropicais.
"Ainda há muita lembrança dos ataques que sofremos das religiões no passado. Mas as igrejas têm um poder de convencimento e, se assumirem a defesa dos direitos e conservação das florestas, pode ser que mais pessoas ouçam", afirma.
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A iniciativa é considerada de "alto risco", admite Lars Lovold, diretor da Fundação Rainforest da Noruega, uma das organizadoras do encontro. "O objetivo é elaborar um plano de ação concreto, mostrando o que os grupos religiosos podem fazer nos seus países, como apoiar povos indígenas e sociedade civil. E as propostas virão deles", explica.
O governo da Noruega diz estar pronto para apoiar. "Pode ser ajuda financeira ou uma parceria, depende do que precisam. A nossa experiência mostra que, muitas vezes, processos influentes precisam de relativamente pouco dinheiro para se tornarem realidade", afirma Fredrik Pharo, diretor da Iniciativa Internacional para Clima e Floresta da Noruega.
União de antigas rivais
Mary Evelyn Tucker, pesquisadora da Universidade de Yale, acumula duas décadas de experiência no debate sobre religião e meio ambiente. "A ciência e a política são necessárias, mas não suficientes. Precisamos dos valores morais, espirituais e culturais, e a ligação deles com a ciência é fundamental para assegurar o futuro do planeta", argumenta.
Apesar das interpretações diferentes sobre Deus, as religiões representadas no lançamento da iniciativa carregam alguns valores básicos: a natureza como obra divina; todos os seres têm valor aos olhos de Deus; ambição e destruição são condenáveis.
"O movimento ambiental não pode recusar a força e quantidade que o movimento religioso tem", fala sobre a importância da colaboração Kusumita Pedersen, do Parlamento das Religiões do Mundo. "Cientistas, especialistas e políticos não conseguem usar a mesma linguagem espiritual sobre o valor da vida, sobre a ética e os valores que as religiões pregam", acrescenta.
O esforço de conciliar religião e ciência tem sido a missão da Pontifícia Academia de Ciências desde 1603, defende seu diretor Monsenhor Marcelo Sanchez Sorondo.
"A Encíclica Laudato Si escrita pelo papa explicou em palavras simples a importância de preservar e como estamos destruindo a natureza. O documento religioso foi importante para que Acordo de Paris fosse assinado", exemplifica o líder católico.
"Na área do clima, o papa é um herói", comenta Antonio Donato Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Mas a relação entre ciência e fé ainda tem raízes traumáticas, como a Inquisição, que perseguiu todos os que questionavam os dogmas da Igreja Católica.
"Muitas dessas marcas estão vivas até hoje. No âmbito acadêmico, falar sobre a necessidade de dialogo entre ciência e religião causa reações fortes em alguns pesquisadores", admite Nobre.
Já o reconhecimento dos saberes tradicionais dos indígenas é crescente. "Na Amazônia, podemos dizer que o diálogo amplo com os indígenas economizaria milhares de dólares – porque o que os cientistas estão tentando descobrir em suas pesquisas, esses povos muitas vezes já sabem faz tempo", afirma Nobre, que também é ligado ao Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa).
Crítica à bancada evangélica
Quando voltar para sua comunidade, Fazlun Khalid, da Fundação Muçulmana para Ciências Ecológica e Ambiental, com base no Reino Unido, quer trabalhar na busca por soluções coletivas. "A Indonésia, por exemplo, tem maioria muçulmana e grande faixa de floresta. Podemos mobilizá-los para agir e combater o desmatamento", diz.
No Brasil, Sônia Guajajara quer ver mudanças nas lideranças religiosas que estão no Congresso. "Depois da bancada ruralista, a bancada evangélica é nossa maior inimiga", comenta.
Segundo a coordenadora da Apib, esses parlamentares têm a tradição de votar contra leis que aumentam a proteção e direitos dos indígenas, apontados por diversos estudos como os maiores guardiões das florestas.
"Eles visitam as aldeias, tratam bem as pessoas, mas depois votam contra no Congresso. Isso confunde muito as pessoas. E representa uma ameaça grave para a cultura, para a identidade e para a vida dos povos indígenas", argumenta.
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