Não se deixe enganar: o Big Bang é um fato consumado. Aconteceu mesmo. Tudo que vemos hoje no Universo observável é resultado dele. Mas não pense você que foi fácil para a comunidade científica aceitar essa ideia, gestada e aprimorada durante quase um século. Ela só foi devidamente assimilada depois que muitas evidências, obtidas de modo independente, a confirmaram, de forma conclusiva. Hoje, o Mensageiro Sideral apresenta cinco provas que acabarão com todas as suas dúvidas.
Antes, contudo, é importante definir exatamente o que foi o Big Bang. A teoria, apelidada assim justamente por um de seus antigos adversários, sugere que tudo que vemos hoje no Universo já esteve, no passado, reunido numa região muito compacta, extremamente densa e muito quente. E isso inclui o próprio espaço! O Big Bang não é uma explosão convencional, em que a matéria se espalha de um ponto central para regiões circundantes. Ele é mais parecido com o inflar de um balão. Imagine que a superfície de uma bexiga é o próprio espaço. Ao inflá-la, você está meramente esticando a superfície que já existia. É por essa razão que não faz sentido falar de um lugar específico em que o Big Bang aconteceu. Ele aconteceu em toda parte, inclusive onde você está hoje. A diferença é que o espaço que hoje abriga você confortavelmente, há 13,8 bilhões de anos estava amontoado junto com o espaço que é ocupado por todo o resto do Universo — e toda a energia que compõe o cosmos estava lá também, espremida.
Isso tudo pode parecer maluquice, mas é a mais pura verdade. O que ainda é objeto de discussão entre os cientistas não é o fato de o Universo tal qual o vemos hoje ter começado num estado extraordinariamente comprimido e quente há 13,8 bilhões de anos. O que ainda se pode discutir é se esse estado em algum momento correspondeu a uma condição extrema conhecida como singularidade, em que a densidade e a temperatura atingem valores infinitos, e se esse foi de fato o princípio absoluto do Universo ou se havia algo antes desse nosso (re)começo. É justamente por isso que o cosmólogo Mario Novello, do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), chama o Big Bang de “o mito científico da Criação”. Não por que ele não tenha acontecido, mas por que não há nenhuma confirmação de que ele tenha sido de fato o começo do próprio tempo e tenha partido de uma singularidade. O Big Bang é com certeza um princípio claro para as condições prevalentes no Universo observável hoje, mas isso não exclui a ideia de que houve outra instância do cosmos antes da atual — possivelmente se estendendo pela eternidade na direção do passado. E não são poucos os cosmólogos que defendem isso, inclusive Novello.
Essa ressalva é importante porque diversos grupos pseudocientíficos querem apresentar essas dúvidas e especulações legítimas como evidências de que o Big Bang, tal como definido dois parágrafos atrás, nunca passou de uma ideia disparatada. E nada poderia estar mais longe da verdade, como ficará claro pelas cinco provas que começaremos a apresentar agora.
A propósito, os mais atentos talvez queiram criticar meu uso da expressão “provas”, lembrando o filósofo da ciência Karl Popper, que sugere que observações só podem refutar teorias, mas nunca prová-las. Concordo com Popper. Mas uso aqui o termo “provas” no sentido jurídico. Imagine que estamos num tribunal, que julgará a veracidade do Big Bang. O Mensageiro Sideral se apresenta como promotor, apontando provas circunstanciais conclusivas. Decerto os opositores apresentarão seus argumentos de defesa nos comentários abaixo. E o juiz do caso? É você, caro leitor. Leia, reflita e julgue os fatos.
Vamos lá?
1. Galáxias em fuga
Você certamente já ouviu falar do Telescópio Espacial Hubble. Mas talvez ainda não saiba quem foi o homem homenageado pelo venerável satélite da Nasa. Edwin Hubble foi um dos astrônomos mais importantes do século 20 e sua descoberta mudou para sempre nossa compreensão do Universo. Ele estudou a luz vinda de um sem número de galáxias e fez uma constatação literalmente bombástica: quando mais distante uma galáxia está, mais rápido ela parece se afastar de nós.
Sua descoberta foi feita ao constatar que a assinatura de luz das galáxias — o chamado espectro — é tão mais avermelhada quanto mais distante ela está. Esse chamado desvio para o vermelho tem dois componentes. Um deles é o conhecido efeito Doppler, que percebemos com clareza em ondas sonoras. Sabe quando uma ambulância passa por você e o som da sirene muda de tom conforme ela se aproxima e se afasta? Pois bem, isso acontece porque as ondas sonoras são comprimidas quando ela está chegando perto e esticadas quando se afasta. E o mesmo acontece com ondas de luz. Ao serem esticadas, elas ficam mais avermelhadas. Ao serem comprimidas, ficam mais azuladas. Então, uma galáxia se afastando de nós terá seu espectro de luz mais avermelhado.
Contudo, o efeito mais importante para a cosmologia é o que acontece pela expansão do próprio espaço, um fenômeno descrito pela teoria da relatividade geral. Imagine você que uma onda de luz atravessa o espaço enquanto ele mesmo está se esticando. A onda acaba esticada junto. Maior comprimento de onda, mais vermelha ela fica. Hubble notou que as galáxias mais próximas podiam ter distorções variadas. Andrômeda, por exemplo, sofre desvio para o azul, porque está se aproximando da Via Láctea (vamos bater em alguns bilhões de anos!). Contudo, quando vamos para as maiores escalas, a distâncias superiores a alguns milhões de anos-luz, o Universo parece bem mais uniforme, obedecendo à hoje famosa lei de Hubble — quanto mais longe a galáxia, maior o desvio para o vermelho e maior o afastamento. Moral da história: o Universo está em expansão. Salvo pela escala local, tudo está se afastando de tudo mais.
Não é preciso ser muito criativo para imaginar que, se hoje o Universo comprovadamente está em expansão, no passado ele deve ter sido mais compacto. Levando isso às últimas consequências, chegamos à conclusão de que ele já foi radicalmente compactado no passado. Na verdade, essa já era uma implicação natural da teoria da relatividade geral, que foi primeiro notada por Georges Lemaître, um padre e físico belga, em 1927. Quando Hubble apresentou sua descoberta, dois anos depois, ela foi tratada como evidência de que de fato o Universo observável começou num ponto muito quente e denso que se expandiu.
2. O eco de radiação do Big Bang
A partir da descoberta da expansão cósmica, não tardou para que os cientistas começassem a modelar o que aconteceria num Universo muito quente e denso que gradualmente se resfria. Uma das previsões mais arrepiantes é a de que ainda hoje ele não teria se resfriado completamente. Conforme ele foi se expandindo e se diluindo, as partículas de luz pararam de trombar e puderam transitar pelo Universo. Essa radiação suave deve ter começado com altíssima energia, perdida gradualmente pelo próprio processo de expansão cósmica. Como ela reflete algo que aconteceu na época em que o Universo ainda era bastante compacto, seus resquícios devem hoje parecer vir de todas as direções — um fundo de radiação. A primeira sugestão de que o Big Bang teria deixado algo assim foi feita pelo físico russo-americano George Gamow, em 1946, e depois acabou modelada com mais detalhes por Ralph Alpher e Robert Herman, em 1948. Caso a radiação pudesse ser detectada, teríamos aí um eco deixado pelo Big Bang na época em que o Universo tal qual o conhecemos tinha apenas cerca de 400 mil anos!
Legal. Saltamos para 1964. Arno Penzias e Robert Wilson trabalhavam nos Bell Labs, nos Estados Unidos, e estavam com um problema. Uma antena que eles pretendiam usar para radioastronomia e experimentos de telecomunicações parecia detectar um ruído constante. De início acharam que era cocô de pombos. Mas, depois de tanto limpar a antena, notaram que o zumbido ainda estava lá. E era detectado não importava para que direção eles apontassem a antena. Por acidente, eles encontraram a radiação cósmica de fundo prevista pela teoria do Big Bang.
A análise da radiação derrubou a única alternativa ao Big Bang, a chamada teoria do estado estacionário, desenvolvida principalmente pelo físico britânico Fred Hoyle. Em vez de presumir que o Universo teria tido um começo quente e denso, Hoyle preferiu postular que a expansão era um estado perpétuo e que matéria é constantemente criada nos vazios gerados pela expansão, mantendo o Universo eternamente com o mesmo jeitão. Jocoso, Hoyle desdenhou da teoria rival, cunhando a expressão “Big Bang”. Só que o padrão detectado da radiação cósmica de fundo não era compatível com a ideia do estado estacionário. Só mesmo o Big Bang para explicá-la. Mas calma, tem mais.
3. A fantástica fábrica de elementos
Outro efeito de ter um início quente e denso é que aquela fornalha primordial teria sido capaz de produzir elementos químicos. Do mesmo modo que o interior de alta pressão das estrelas induz um processo de fusão nuclear, colando núcleos de hidrogênio (os mais simples que existem, com um próton) e formando assim hélio (o segundo mais simples, com dois prótons), o Universo primordial ultradenso também teria esse poder — pelo menos até resfriar.
Mais uma vez, George Gamow foi o “pai” da matéria aqui. Em 1948, ele escreveu com Ralph Alpher um trabalho histórico, modelando o efeito do esfriamento pós-Big Bang na capacidade de produzir elementos químicos. É basicamente o que explica por que o átomo mais comum é o hidrogênio, respondendo por cerca de 75% de toda a matéria bariônica do cosmos, e em seguida temos o hélio, respondendo por cerca de 25%, e por fim uma pitadinha de lítio, o terceiro elemento mais pesado. Todos os demais elementos conhecidos não podem ter sido fabricados pelo Big Bang e acabaram surgindo mais tarde, cozidos na fornalha das estrelas e nas explosões conhecidas como supernovas.
O fato de a teoria ser capaz de explicar as proporções dos elementos primordiais é considerado uma das evidências mais conclusivas em favor de um Universo que começa compacto, quente e denso, como sugere a teoria. Não há outro caminho conhecido capaz de explicar a atual composição observada no Universo. O Big Bang reina sozinho.
4. O gás primordial
Hoje, as nuvens de gás interestelar já estão altamente enriquecidas com elementos pesados, como carbono, oxigênio, ferro, enxofre, flúor etc. Ainda bem, aliás, porque sem esses elementos nada mais interessante que estrelas poderia se formar. Para a vida, dependemos do hidrogênio primordial, mas também precisamos da rica diversidade da tabela periódica, fabricada mais tarde no Universo pelas estrelas.
Contudo, se a teoria do Big Bang está certa, ao olharmos para as profundezas do cosmos com nossos melhores telescópios — e assim enxergarmos condições tais quais elas se apresentavam poucos bilhões de anos após o início do cosmos como o conhecemos –, encontraremos nuvens de gás cuja composição lembra a da nucleossíntese original.
Pois bem. Em 2011, um grupo de astrônomos encontrou nuvens de gás cuja luz observada partiu delas 12 bilhões de anos atrás. E a composição delas era praticamente livre de elementos pesados — só hidrogênio e hélio. Isso mostra conclusivamente que o Universo foi gradualmente enriquecido por elementos pesados, como sugere a teoria do Big Bang. Mesmo que cientistas rebeldes encontrassem alguma outra formulação teórica que explicasse a atual distribuição dos elementos, eles teriam dificuldade em explicar o fato de que há nuvens sem elementos pesados sem evocar um começo quente e denso para o Universo.
5. Reprodução em laboratório
Por fim, o poder de uma teoria só pode ser devidamente apreciado quando se pode replicar o fenômeno que ela descreve de forma controlada e confirmar sua veracidade. Claro, ninguém criou um novo Universo em laboratório (ainda bem, aliás, porque, caso seja possível, duvido que fosse seguro). Mas já criamos algumas simulações incríveis da evolução do Universo em laboratório, do Big Bang aos dias atuais.
E é impressionante como essas simulações, munidas apenas da teoria, seis parâmetros pré-definidos e o poder computacional dos supercomputadores, conseguem reproduzir com exatidão a evolução do Universo. O projeto Illustris, concluído no fim de 2013, chegou ao cúmulo de produzir imagens “simuladas” do Telescópio Espacial Hubble que são praticamente indistinguíveis das reais produzidas pelo satélite.
Elas mostram que entendemos com razoável sofisticação e precisão a evolução do Universo desde seu início quente e denso, 13,8 bilhões de anos atrás, até seu presente estado. É verdade que os modelos fazem uso de coisas como matéria escura e energia escura — que ainda não compreendemos exatamente o que são, apesar de conhecermos seus efeitos –, mas o fato de que tudo funciona não deixa de impressionar. Um sinal de que realmente conseguimos reconstruir a história pregressa do Universo de forma consistente e compatível com as observações.
Importante ressaltar que não há incompatibilidade entre o Big Bang e concepções metafísicas da origem do Universo. Com nossas teorias atuais, só conseguimos ir até um determinado ponto — uma fração de segundo após o surgimento da instância do espaço-tempo que hoje ocupamos. No intante t=0, em que tudo começou, nossas teorias se quebram. Podemos especular sobre singularidades, um passado anterior ao Big Bang, uma pré-existência eterna ou mesmo a existência de outros universos, desconectados ou não do nosso próprio espaço-tempo. Mas não temos (pelo menos hoje e possivelmente nunca) instrumentos para verificar essas ideias mais arrojadas e transuniversais, por assim dizer. Um mistério, talvez indecifrável, ainda paira sobre nossa existência. Apesar disso, não há motivo para não nos admirarmos com nossa capacidade de recontar a história do cosmos até onde a ciência nos permite chegar.
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