A notícia está a
tornar-se recorrente, mas nunca deixa de nos surpreender. A cada nova
investigação jornalística, mais monstruosa se revela a teia
internacional de paraísos fiscais.
O
que têm em comum Madonna e Bono, Justin Timberlake e Shakira, Nicole
Kidman e Martha Stewart? São alguns dos nomes que foram apanhados com
milhões de dólares em esquemas offshore para fugir ao pagamento
de impostos e que agora foram expostos. Partilhavam os serviços de dois
escritórios de advogados - Appleby e a Asiaciti Trust - para a
construção de esquemas de evasão fiscal com mais 127 líderes políticos
mundiais, empresários, ditadores, artistas e desportistas.
O
truque é sempre o mesmo: arranjar uma empresa-fantasma (ou uma
sequência de participações em empresas-fantasma) para esconder os
verdadeiros proprietários do dinheiro. Omitida a propriedade, tudo pode
ser feito. E quando digo tudo, não estou a exagerar.
Muitas
vezes, o objetivo é fugir ao pagamento de impostos: comprar aviões,
iates e outros bens de luxo sem pagar IVA, por exemplo. Donald Trump
comprou um avião utilizando uma empresa-fachada para fugir ao pagamento
de IVA. O campeão de Fórmula 1 Lewis Hamilton fez o mesmo. Bono, o
vocalista dos U2, que vende a imagem de grande preocupação social,
também usou um offshore para não pagar impostos pela compra de um centro comercial na Lituânia.
As
multinacionais aproveitam os esquemas de evasão fiscal para aumentar os
seus lucros. A Nike, por exemplo, arranjou um esquema jurídico na
Holanda para reduzir o pagamento de impostos quase a zero. Mas não está
sozinha, multinacionais como a Apple ou a Microsoft recorrem aos mesmos
métodos.
Noutros casos, recorre-se aos paraísos fiscais para fazer negócios ilegais. Os Emirados Árabes Unidos usaram uma empresa offshore
para adquirir ilicitamente aviões espiões. Um engenheiro canadiano
sediou a sua empresa de explosivos num paraíso fiscal para poder receber
os pagamentos do ditador iraquiano Saddam Hussein. Um dos membros do
governo Trump, o secretário do Comércio, Wilbur Cross, manteve os seus
negócios com a petroquímica russa Sibur através de uma empresa-fantasma
para fintar as sanções internacionais impostas à Rússia.
Os offshores
são ainda utilizados para fugir a regras de transparência. Também nos
Estados Unidos da América, na era de Obama, o secretário de Estado Penny
Pritzker omitiu a existência de conflitos de interesse no desempenho de
cargos públicos ao transferir a propriedade de vários dos seus ativos
para empresas offshore. O magnata Robert Mercer construiu o que
pode ser considerado um saco azul de 60 milhões de dólares para
financiar os movimentos conservadores norte-americanos e apoiar a
campanha eleitoral de Donald Trump. A rainha de Inglaterra escondeu um
fundo nas ilhas Caimão, a partir do qual controlava anonimamente uma
empresa de crédito ao consumo inglesa, a BrightHouse. Esta empresa tem
sido criticada por se aproveitar de situações de desespero económico,
para depois cobrar taxas de juro que chegam a atingir os 99,9%!
Os
casos que exemplifiquei foram agora tornados públicos pelo Consórcio
Internacional dos Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla em
inglês). Mas esta fuga de informação não traz nenhuma novidade de fundo.
Já todos sabemos que os negócios que têm sido tornados públicos são
apenas a ponta do icebergue de um submundo que agora já ninguém consegue
esconder. São verdadeiros buracos negros financeiros que servem para
esconder e lavar dinheiro, encobrir negócios sujos, fugir aos impostos
e, não poucas vezes, financiar organizações terroristas.
Desde
primeiros-ministros, oligarcas, ditadores, desportistas, artistas e
traficantes de armas e de droga, a lista dos que escondem o seu dinheiro
nos offshores é longa e tem o tamanho do rasto de pobreza e
desemprego que este gangsterismo financeiro provoca. Porque continuam,
então, a existir os paraísos fiscais?
Quando
vemos a quantidade de governantes que aparecem na lista fica claro que
as leis estão feitas à medida dos abusos. O poder político é conivente
com os paraísos fiscais: Jeroen Dijsselbloem, o insultuoso presidente do
Eurogrupo, foi ministro das Finanças da Holanda, país que participa
impunemente em esquemas internacionais de evasão fiscal.
Os offshores
não são legítimos, são alçapões financeiros para fugir à lei e ao
pagamento de impostos. Esta indústria da evasão fiscal aumenta as
desigualdades e torna os pobres ainda mais pobres. Não deixaremos este
tema morrer na praia, não estamos condenados a este roubo.
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