Autor de 'O Manifesto Comunista' e 'O Capital' inspirou Revolução Russa, cujo centenário é marcado neste dia 7 de novembro, e movimentos sociais em vários cantos no século 20; mas e seu legado hoje?
7 nov 2017
Karl Marx, o ideólogo da Revolução Russa, cujo centenário é marcado
nesta terça-feira, dia 7 de novembro, é relevante hoje em dia?
Ainda que o filósofo alemão tenha vivido e trabalhado no século 19, uma
época bem diferente da nossa, é indiscutível que dois de seus textos,
O Manifesto Comunista
(1848), redigido junto com o também filósofo alemão Friedrich Engels, e
O Capital
(1867), tiveram em um momento determinado da história uma grande
influência política e econômica em muitos países e sobre milhões de
pessoas.
O surgimento da União Soviética (URSS) após a Revolução Russa foi um
exemplo disso. Ninguém nega que o bloco socialista marcou boa parte do
século 20, no entanto, também é um fato que ele desmoronou e que o
comunismo não se materializou tal qual propuseram Marx e Engels, com o
capitalismo vigorando em quase todo o planeta atualmente.
Mas podemos dizer que todas as ideias de Marx estão obsoletas? Ou é
possível elencar algumas que se tornaram realidade e seguem vigentes até
hoje? A seguir, selecionamos quatro exemplos.
1. O ativismo político
Marx descreve a luta de classes na sociedade capitalista e como o
proletariado acabaria tomando o poder das elites dominantes em todo o
mundo.
O Capital
, sua principal obra, é uma tentativa de indicar essas ideias por meio
de fatos que podem ser verificados e de análises científicas.
Foi uma mensagem poderosa em um mundo pleno de opressão e desigualdade.
"A experiência pessoal de Marx, que viveu na pobreza, conferiu uma
grande intensidade à sua análise, que recorreu à Filosofia contra o
monstro capitalista que escravizava os seres humanos", explica à BBC um
dos seus mais renomados biógrafos, o britânico Francis Wheen.
Durante o século 20, as ideias de Marx inspirariam revoluções na
Rússia, China e Cuba e em muitos outros países onde um grupo dominante
foi derrubado e os trabalhadores se apoderaram da propriedade privada e
dos meios de produção.
O marxismo foi além e tornou-se uma maneira de interpretar o mundo: a
simples ideia de que a história é marcada pela luta entre classes
antagônicas também influenciou a literatura, a arte e a educação.
"Hoje em dia, Marx segue relevante como filósofo político. Geração após
geração, muitos buscam inspiração nele para suas próprias lutas", diz
Albrecht Ritschl, historiador alemão especializado em marxismo e chefe
do Departamento de História Econômica da London School of Economics, no
Reino Unido.
"Continua-se a falar sobre os temas tratados por Marx. Por exemplo, a
globalização. Marx foi um dos primeiros críticos da internacionalização
dos mercados. Também se referiu à desigualdade ao alertar que ela estava
aumentando no mundo. Poderia se dizer que Marx continua sento atraente e
faz parte do discurso político atual."
Ainda que a queda da URSS, em dezembro de 1991, tenha sido um forte
golpe contra a teoria marxista (por algum tempo, partidos de esquerda e
universidades deram a ela menos importância), a crise financeira global
de 2007/2008 voltou a torná-la relevante.
Esse colapso foi um exemplo clássico das recorrentes crises do
capitalismo que haviam sido previstas pelo pensador alemão. Desde então,
as vendas de
O Manifesto Comunista
e
O Capital
crescem em todo o mundo.
2. A recorrência de crises econômicas
Marx questionou a ideia de que o capitalismo se autorregulava. Para
ele, não havia uma "mão invisível" que trazia ordem às forças do
mercado, como havia postulado o economista e filósofo escocês Adam
Smith, considerado o "pai" do capitalismo, em
A Riqueza das Nações
(1776).
Marx argumentava que o sistema capitalista estava condenado a períodos
de crises recorrentes inerentes a eles - hoje, os economistas falam em
recessões. "Ainda que ele não tenha sido o único a falar disso, sua
ideia original era que cada turbulência levaria a outra pior e assim
sucessivamente até a destruição do capitalismo", explica Ritschl.
A grande depressão econômica de 1929 e as outras subsequentes
alcançaram seu auge em 2007/2008, quando o mundo viveu um colapso
financeiro inédito em termos de gravidade, impacto e persistência. "É
certo que os aspectos mal resolvidos do capitalismo levam a novas
crises, mas a ideia determinista de Marx, de que o sistema desmoronaria
por causa de defeitos intrínsecos, foi desacreditada", diz Ritschl.
"Mas hoje estamos mais alertas do que nunca diante das turbulências e
somos mais cuidados com elas, em parte graças a ele." Ainda que, ao
contrário do que previu Marx, as crises não tenham ocorrido nas
indústrias pesadas, mas no setor financeiro, esclarece o especialista.
3. Ganhos desmedidos e monopólios
Um aspecto importante da teoria de Marx é a chamada mais-valia: o valor
criado pelo trabalhador com sua força laboral. O problema, segundo o
pensador alemão, é que os donos dos meios de produção se apropriam da
mais-valia e tentam maximizar seus ganhos às custas do proletariado.
Assim, o capital tende a concentrar-se e centralizar-se em poucas mãos
e, em contrapartida, isso leva ao desemprego e a uma depreciação dos
salários dos trabalhadores. É possível ver isso hoje em dia.
Por exemplo, uma recente análise da revista britânica The Economist
mostra que, enquanto nas últimas décadas o salário dos trabalhadores em
países como Estados Unidos se estabilizou, o salário máximo de
executivos aumentou significativamente: em vez de ganhar o equivalente a
40 vezes o salário médio dos trabalhadores, passaram a ganhar 110 vezes
ou mais.
"A crítica de Marx à acumulação é válida ainda hoje, porque continua a
ser um dos pontos fracos do capitalismo", diz Ritschl. "Atualmente,
vemos claramente a acumulação desmedida de poder por parte das grandes
empresas internacionais e também a formação de monopólios e duopólios.
Marx nos alertou sobre esses riscos."
4. A globalização e a desigualdade
Biógrafos de Marx, como Francis Wheen e outros estudiosos de sua obra,
dizem que ele se equivocou com sua ideia determinista de que o
capitalismo sepultaria a si mesmo ao criar seus próprios coveiros. Mas
ocorreu o contrário: com a queda da URSS, o capitalismo não apenas saiu
fortalecido como se expandiu pelo mundo.
Ninguém expressa melhor essa ironia do que o pensador marxista Jacques
Rancière, professor de Filosofia da Universidade de Paris VIII: "O
proletariado, longe de sepultar o capitalismo, o mantém vivo.
Trabalhadores explorados e mal pagos, libertados pela maior revolução
socialista da história (China), são levados à beira do suicídio para que
o Ocidente possa seguir jogando com seus iPads, enquanto isso, o
dinheiro chinês financia os Estados Unidos, que, de outra forma, estaria
falido."
Mas, se Marx falhou em sua previsão, não errou nas fortes críticas à internacionalização do capitalismo. Em
O Manifesto Comunista
, ele argumenta que a expansão global do capitalismo se tornaria a
principal fonte de instabilidade do sistema internacional, como
demonstrariam uma série de crises financeiras nos séculos 19 e 20.
"A necessidade de constantemente expandir mercados para seus produtos
persegue a burguesia", sustentam Marx e Engels. "Deve se estabelecer e
criar conexões por toda parte. Isso obriga a todas as nações, sob pena
de extinção, a adotar o modo burguês de produção."
Por isso, o marxismo tem sido resgatado no debate atual sobre os
problemas da globalização. "Hoje, há no mundo muita gente preocupada com
a destruição dos mercados locais, na insegurança laboral e da perda de
empregos", comenta Ritschl.
"A globalização foi, por exemplo, um dos grandes temas da última
eleição americana, na qual dominou uma pergunta que poderia ter sido
feita em muitas partes do planeta: o que fazemos com aqueles que
prejudicados por ela?"
Está claro que, apesar das previsões equivocadas e ideias obsoletas,
Marx colocou em pauta no século 19 vários temas de debate sobre política
e economia que seguem vigentes mais de um século depois.
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