Entrevista
Especial Notícia da edição impressa de 13/11/2017. Alterada em 13/11 às
13h00min A democracia não depende dos partidos, diz Arana Em algum momento,
terão que deixar que as pessoas decidam temas importantes, diz o espanhol Em
algum momento, terão que deixar que as pessoas decidam temas importantes, diz o
espanhol MARCO QUINTANA/JC Bruna Suptitz Para o espanhol Miguel Arana, a
democracia não deve ser representativa, a não ser que não se tenha outra opção.
Em tempos como o atual, com ferramentas de comunicação e tecnologia à
disposição das pessoas, é possível que se estabeleçam sistemas de democracia
direta. "O sistema em que umas poucas pessoas tomam todas as decisões
dentro do poder não tem nenhum sentido", defende. Oriundo do Movimento dos
Indignados (ou 15-M, alusivo à data de início da mobilização, 15 de maio de
2011), que reuniu milhares de pessoas nas ruas de Madri e se espalhou pelo país
para reivindicar maior participação na tomada de decisões de interesse público,
Arana entende que esse envolvimento não necessariamente deve ser através da
formação de partidos para concorrer às eleições. "A nova forma de fazer
política cidadã é cidadã puramente. No caso de Madri, isso se converteu em um
partido político (Agora Madri). Mas essa não tem porque ser a resposta, pode
ser um caminho." Na capital da Espanha, o partido local Agora Madri, formado
por integrantes do 15-M, venceu a disputa em maio de 2015 e, no mesmo ano,
implementou a plataforma Decide Madri, que transfere à população o poder de
decidir sobre diversos temas, entre eles, os investimentos financeiros,
inspirada no Orçamento Participativo de Porto Alegre. Arana, que não tinha
relação com partidos políticos antes dessa experiência, é o diretor de
participações cidadãs da prefeitura e um dos responsáveis pelo desenvolvimento
da plataforma digital. Ele comemora o entendimento da população, que não
relaciona as consultas com o governo. "Queremos que isso fique o mais
claro possível: depois de nós, se vierem outros partidos, é importante manter
os métodos. A democracia não depende de quem está no poder." Jornal do
Comércio - O grupo político que está na prefeitura de Madri tem relação com o
Movimento dos Indignados? Miguel Arana - Sim, tem toda relação. O mais
importante que ocorreu na Espanha nos últimos anos é o Movimento dos
Indignados, que mudou toda a política do país e que se situa em um contexto
muito mais global. É um movimento que surge na raiz da Primavera Árabe, um
momento em que, na África, diferentes países se levantam, Egito, Tunísia, em
movimentos cidadãos que reclamam uma democracia, que rapidamente salta à
Espanha, se convertendo no Movimento dos Indignados, e segue saltando pelo
mundo. Temos o Ocupa Wall Street, nos Estados Unidos, além de mobilizações na
Turquia, em Hong Kong, em Taiwan. É um tipo de novo movimento que não tem tanta
relação com a situação política de cada país, e sim com a nova forma de fazer
política, feita por cidadãos e por qualquer um. E combina muito não só as novas
tecnologias, que também são importantes, mas como podemos coordenar dezenas de
milhares de pessoas para, juntos, fazermos ações políticas. Independentemente
do que se reivindica em cada país, porque as reivindicações são muito
distintas, há um substrato universal que é a democracia. Sempre, de alguma
forma, o que se reivindica é que as pessoas tomem o controle de suas
sociedades. JC - Como foi na Espanha? Arana - No caso da Espanha, isso começa
com o Movimento dos Indignados, com uma manifestação em 15 de maio de 2011, na
praça Puerta del Sol, em Madri, que pede "democracia real já", como
forma de solucionar muitos problemas. E se transforma em um acampamento na
praça, formam-se assembleias cidadãs, em que qualquer pessoa pode participar, e
se começa a pensar de novo na política, no que queremos, independentemente dos
partidos políticos. Durante quatro anos, o movimento foi muito ativo em todas
as grandes cidades da Espanha. Frente a isso, não houve nenhum tipo de reação
dos partidos políticos, que seguiram funcionando como sempre. Então o
pensamento dessas pessoas foi de que teriam que ir aos governos, criando
partidos políticos novos. A nível nacional, surge o Podemos, e, nas cidades,
surgem partidos locais independentes, como o "Ahora Madrid" e o
"Barcelona en Comú". JC - Como foi o movimento de sair das ruas e ir
para o governo? Como foi encarar a população que já estava cansada da política
e dos políticos? Arana - O momento de começar com os partidos políticos foi o
mais complicado a todos. Nos primeiros quatro anos, em que simplesmente havia o
movimento das ruas e as assembleias (populares), quase a totalidade da
população confiava no movimento. Quando se perguntava "o que você pensa
sobre o Movimento dos Indignados?", entre 80% e 90% da população dizia
"estou de acordo". No momento em que se tenta fazer partidos
políticos, se começa a desconfiar, imediatamente, o que é uma atitude bastante
racional, porque não se tem que confiar no partidos políticos. E o resto dos
partidos utilizam essa mesma dinâmica. Não tentaram dizer "podemos
melhorar e mudar", disseram "você, novo partido, é tão ruim como
eu". É uma mensagem bastante terrível. Mas foram quatro anos de movimento
social, e as pessoas, confiando no que estava ocorrendo, deram uma oportunidade
a esses partidos novos. O dia a dia é muito complicado. Temos que estar sempre
fazendo um diálogo que tem a ver com o que o outro partido diz, com muitas
coisas que não tem relação com os problemas reais. Mas, graças a todos esses
anos, há uma certa confiança que nos permite que algo funcione, que, em outros
países, não seria tão fácil. Agora, passados dois anos de governo, as pessoas
já podem ver o que temos feito e é mais fácil que confiem, porque veem que,
pela primeira vez, Madri tem Orçamentos Participativos, em que foram decididos
diretamente € 160 milhões. As pessoas dizem "Sério? As minhas propostas? E
agora estão fazendo!". JC - Existe uma percepção de que essas pessoas, que
antes negavam os partidos políticos, têm participado? Arana - Pouco a pouco,
vai crescendo a consciência e as pessoas que apoiam e participam. O número de
usuários que entram no Decide Madri está crescendo em uma velocidade incrível.
No início, eram umas dezenas de milhares, provavelmente as pessoas que já
confiavam no partido. Agora, muita gente que inclusive desconfia do governo,
mas participa do Orçamento Participativo, diz que isso é outra coisa. E
respondemos que está correto. É interessante que os orçamentos participativos,
as consultas e as propostas cidadãs não tenham a ver com o governo, porque quem
vota são as pessoas. Queremos que isso fique o mais claro possível: depois de
nós, se vierem outros partidos, é importante manter os métodos. A democracia
não depende de quem está no poder, é o mais geral, como as seleções - ninguém
diz que as seleções são de um partido ou de outro, são independentes. Isso é o
mesmo. JC - As reivindicações feitas nas ruas estão sendo atendidas? Havia
crise econômica, especialmente entre os jovens. Arana - Parcialmente. O
problema é que os novos governos são em cidades, e o poder de uma cidade é
pequeno. A maior parte das decisões que afetam a vida das pessoas de uma
maneira importante ocorrem no governo ou da região ou do país. As políticas que
têm a ver com a habitação, com os refugiados, com o próprio funcionamento da
administração, tudo vem de cima. Então, parcialmente, as cidades podem fazer
coisas, e cremos que estão sendo feitas coisas que ajudam muito a melhorar. Mas
é limitado, muitas coisas seguem sem solução. Mas o mais importante que está
ocorrendo é a mudança cultural. Se 3 milhões de pessoas em Madri entendem que a
forma democrática de fazer as coisas é melhor, esse pensamento vai se estender
a todos os outros níveis. As pessoas também vão querer decidir o que ocorre em
nível nacional e regional, então vão se produzir mudanças muito maiores. Creio
que é uma semente que está germinando muito rapidamente e que não vai poder
parar. Em nível nacional e regional, não decidiram sobre usar nossa plataforma
de participação, mesmo que tenhamos oferecido ajuda para instalar, se quiserem.
Mas não poderão evitar, seja a nossa ou outra. Em algum momento, terão que
deixar que as pessoas decidam temas importantes. E, nesse momento, a política
vai mudar. Essa é a mudança que está se estendendo pouco a pouco ao resto do
mundo, e creio que não se pode parar. JC - Uma das manifestações que se fazia
no Movimento dos Indignados era "Não me representa!", em relação ao
governo. Acha que agora representam essas pessoas? Arana - Não! Não os
representamos e, por isso, estamos estabelecendo mecanismos de democracia
direta. A política não pode ser representativa, somente quando não há outra
forma de fazê-la. É lógico que, quando surgiram os primeiros partidos
políticos, e não havia ferramentas de comunicação, tinha que ser
representativa. Mas agora, com a tecnologia que temos e com a capacidade das
pessoas de diretamente tomar as decisões, não pode continuar sendo assim. O
sistema que temos de partidos e parlamentos tradicionais em que umas poucas
pessoas tomam todas as decisões dentro do poder não tem nenhum sentido, é
medieval. Isso que está ocorrendo na Espanha está ocorrendo em todo o mundo. As
pessoas querem outro tipo de política, querem participar diretamente. O que
pode acontecer é que países ou partidos tentem frear, e pode que em alguns
chegue mais tarde, mas não vão evitar que chegue. O melhor que podemos fazer é
assumir essa nova realidade e tentar trabalhar a democracia direta. Não
queremos representá-los. Quanto mais desaparecermos, melhor. JC - E acredita
que essa mudança está ocorrendo em todo o mundo? Vemos, por exemplo, a eleição
de Donald Trump nos EUA. Como fica a participação popular nesses governos?
Arana - São questões totalmente diferentes. A nova forma de fazer política
cidadã é cidadã puramente. Estes movimentos ocorrem nas ruas, estão organizados
por pessoas que começam a entender a força e a potência que têm. No caso de
Madri, isso se converteu em um partido político. Mas essa não tem porque ser a
resposta, pode ser um caminho. Queríamos mudanças que não aconteciam, então
entramos (na política). É um caso raro o da Espanha. A mudança cultural precisa
partir das pessoas para que a maioria da população entenda que a política tem
que ser outra coisa. Como ocorreu em todas as mudanças culturais e políticas
importantes, no feminismo, no cuidado com o meio ambiente. Não são mudanças que
ocorreram porque foram eleitos políticos que protegem o meio ambiente ou
respeitam as mulheres, há uma mudança cultural que, de repente, chega a todas
as cabeças e, então, inevitavelmente, os partidos políticos mudam. Mas a
mudança importante é essa outra (na sociedade), independentemente de que ganhe
Trump. Em algum momento, já não poderá haver uma pessoa que não coloque
mecanismos, por exemplo, de democracia direta real em seu partido. Todos os
partidos velhos incluirão em seus programas, porque as pessoas não tolerarão
que não seja assim. Essa é a mudança que estamos vivendo, que na Espanha há a
casualidade que seja por partidos políticos, mas podia ser de outra forma. JC -
Como Madri enxerga a relação da Catalunha com o restante da Espanha? Arana - O
pensamento que ocorre na Catalunha tem a ver muito com como tomamos as
decisões. Há pessoas na Catalunha que sentem que outras decidem por elas, e não
querem que quem está no governo do país as represente. E há gente na Espanha
que, quando os catalães dizem "vamos decidir que sistema político
queremos", entende que essa decisão não se pode tomar lá, mas em todo o
país. Em todos os ciclos, no fundo, há uma angústia por quem está decidindo
sobre nossa sociedade. E, frente a isso, como todos os problemas democráticos,
a única solução possível é que haja muito mais democracia. Sempre há decisões a
tomar, se queremos apoiar ou não esse país, controlar nosso comércio, fazer
mais ações sociais ou menos. A política falha quando as decisões se fecham, se
ocultam, quando alguém assume uma das possibilidades e simplesmente avança com
ela, como se não houvesse um problema, uma tensão. E isso é um pouco o que está
ocorrendo na Espanha. Há muitos anos de tensão, sem uma possibilidade de falar
de maneira real. Há partidos políticos se enfrentando, se atacando entre si, há
debates muito superficiais da questão da independência, passados como clichê em
questões que não têm nada a ver com a realidade que passa nos territórios. O
que tentamos é introduzir mais democracia, debatendo mais, mas falar de
verdade, o que significa uma nação, um território. Enquanto não ocorrer isso,
vai haver mais dispersão. Não estamos propondo uma solução, mas vamos colocar
os cidadãos acima de tudo. Por agora, não está funcionando, e a questão é um
pouco mais de enfrentamento. Mas essa é a nossa aposta, tentar sair dessa luta
e entrar em algo muito mais racional, que tem a ver com as pessoas. Perfil
Miguel Arana tem 35 anos e é natural de Madri, capital da Espanha. Tem
licenciatura em Física pela Universidade Complutense de Madri. É mestre e
doutor em Física Teórica pela Universidade Autônoma de Madri. Concluiu o
doutorado em 2013. Entre 2010 e 2014, foi professor assistente na Universidade
Autônoma de Madri. Atualmente, é diretor de participações cidadãs e do projeto
de participação Decide Madri, da prefeitura de Madri, onde se desenvolve o
projeto internacional de participação Consul/Decide. Trabalhou desenhando e
implementando ferramentas digitais e estratégias de participação em
laboratórios de inovação, projetos europeus como D-CENT (Decentralised Citizens
Engagement Technologies). Participou do Movimentos dos Indignados (também
conhecido como 15-M) e, mais recentemente, da formação política local Agora
Madri.
O meu blog é HOLÍSTICO, ou seja, está aberto a todo tipo de publicação (desde que seja interessante, útil para os leitores). Além disso, trata de divulgar meu trabalho como economista, escritor e compositor. Assim, tem postagens sobre saúde, religião, psicologia, ecologia, astronomia, filosofia, política, sexualidade, economia, música (tanto minhas composições quanto um player que toca músicas de primeira qualidade), comportamento, educação, nutrição, esportes: bom p/ redação Enem
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
A democracia não depende dos partidos, diz o espanhol Arana
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