terça-feira, 8 de março de 2022

Igualdade de gênero promove desenvolvimento econômico

Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

Pablo Acosta

É preciso transformar normas sociais e atuar nas causas estruturantes da desigualdade

Economias desenvolvidas possuem, em geral, maiores níveis de equidade de gênero entre homens e mulheres. Ou seja, quando as sociedades se tornam mais inclusivas, suas economias se tornam mais resilientes. De fato, na relação entre desenvolvimento econômico e igualdade de gênero, a causalidade provavelmente é válida em ambas as direções.

O Dia Internacional da Mulher celebrado nesta terça (8) é uma oportunidade para nos lembrar dos avanços e desafios da inclusão econômica feminina. Um conjunto significativo e crescente de pesquisas conectam reformas legislativas voltadas para a igualdade de gênero ao resultado econômico das mulheres e, consequentemente, de países inteiros.

Mulheres paquistanesas protestam contra a violência em ambientes de trabalho, em Lahore, no Paquistão
Mulheres paquistanesas protestam contra a violência em ambientes de trabalho, em Lahore, no Paquistão - EFE

O relatório Mulheres, Empresas e o Direito 2022 lançado este mês mostra que economias em todas as regiões progrediram em direção a uma maior igualdade entre homens e mulheres nos últimos 50 anos. O estudo analisa a incidência de leis de 190 países sobre as oportunidades econômicas das mulheres a partir de uma série de indicadores que compõem o ciclo de vida de uma mulher trabalhadora: mobilidade, trabalho, salário, casamento, maternidade, empreendedorismo, etc.

A análise sintética destes indicadores mostra que, na média mundial, o índice de igualdade é 76,5 de um total de 100 pontos possíveis. Ou seja, uma mulher tem acesso a três quartos dos direitos de um homem. Esse valor representa uma pequena melhora de 0,5 ponto em relação ao ano de 2020, mas é um salto importante quando comparado a cinco décadas atrás, quando mulheres tinham menos da metade dos direitos dos homens.

As áreas de maior avanço do último ano foram salário, trabalho e maternidade, com destaque para o desenvolvimento de leis de promoção da igualdade salarial, proteção de assédio em ambientes de trabalho e combate à violência doméstica.

O progresso apontado pelo relatório, porém, ocorre de maneira desigual, e sinaliza ainda um longo caminho a percorrer. Na América Latina, a média de igualdade de gênero dos países é de 80,4, atrás apenas das médias de países de renda alta da OCDE (95,2) e da Europa e Ásia Central (84,1). Todavia, é importante destacar a variação existente entre os países da região. Se, por um lado, o Peru se destaca com 95, o Haiti apresenta, por outro, resultados preocupantes de 61,3. O Brasil aparece acima da média regional, pontuando 85.

No entanto, uma importante ressalva precisa ser feita. Os marcos normativos são fundamentais para a garantia de direitos e o direcionamento de políticas públicas, mas implementá-los é um enorme desafio. O relatório levanta a necessidade de não só mensurar o número de leis que promovam igualdade, mas também analisar como essas leis estão mudando as normas sociais de gênero. No caso do Brasil, o documento menciona, por exemplo, que apesar da existência de leis de empreendedorismo voltadas para mulheres, ainda há uma proporção maior de mulheres empreendedoras não registradas do que homens.

Colocar essas leis em prática exige, entre outras coisas, capacitar agentes do setor público e atuar sobre as causas estruturais da desigualdade de gênero, como as normas sociais que ainda permitem ou aceitam a existência de disparidades. Em lugares onde normas sociais de gênero estão profundamente enraizadas, ou onde reformas legais são feitas em direção contrária às leis do costume, mudanças na lei não promoverão automaticamente melhoras nas condições das mulheres.

Por isso, um projeto piloto do Banco Mundial - Salvador: Prevenindo a Violência Baseada em Gênero no Sistema Único de Assistência Social, financiado por doadores e implementado por meio de uma parceria com o município de Salvador e a ONG Promundo, buscou uma abordagem diferente.

Implementado desde o ano passado, o projeto parte do entendimento que o enfrentamento e a prevenção à violência contra mulheres e meninas —a mais extrema expressão da desigualdade de gênero— exigem esforços coordenados entre diferentes setores, e a assistência social, que opera no território junto a populações vulneráveis, possui um papel preventivo e protetivo fundamental e um grande potencial para atuar nas mudanças de normas sociais.

O projeto visa o desenvolvimento de estratégias para a prevenção da violência de gênero a partir de ações de fortalecimento da capacidade técnica e institucional do governo municipal e de ações que buscam transformar percepções, normas e valores das famílias beneficiárias do sistema de assistência social em Salvador. Avaliações qualitativas junto aos profissionais e beneficiários atendidos pelo programa demonstraram uma importante mudança em atitudes e crenças, e na compreensão sobre normas sociais e possíveis linhas de atuação para prevenir a violência contra mulheres e meninas.

Esse papel preventivo das redes de proteção social na redução da violência de gênero é também abordado em detalhe no estudo de 2021 Segurança em Primeiro Lugar: Como Alavancar as Redes de Proteção Social para Prevenir a Violência Baseada em Gênero, que traz boas práticas globais implementadas para promover igualdade de gênero por meio de políticas públicas para reduzir a violência contra mulheres e meninas.

O caminho rumo à equidade de gênero é ainda longo e requer esforço social, políticas e ações que acompanhem as leis de promoção de igualdade do país. É preciso transformar as normais sociais nas quais a desigualdade se insere e abordar suas causas estruturantes.

Esta coluna foi escrita em parceria com minhas colegas do Banco Mundial Rovane Schwengber, especialista em Proteção Social, e Flávia Carbonari, consultora sênior especialista em gênero

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