O Ano do Boi
Não se deve superestimar a China a curto prazo nem a subestimar
a longo prazo. Embora tenha sido um dos poucos países com aumento no
PIB em 2020, ainda não é certo que a China conseguirá escapar da
armadilha da renda média.
Apesar de a economia ter aumentado mais de 60 vezes desde 1978 (um crescimento médio de 9% ao ano), e o PIB per capita, mais de 65 vezes
(de US$ 150, em 1978, para US$ 10.500, em 2020), a renda média
individual na China é somente 15% da americana (e pouco mais de 10%
acima da brasileira).
Ainda que o custo de vida seja menor no país, os chineses ainda estão
muito longe da produtividade, renda e consumo dos americanos. Grande
parte da importância econômica da China é puro efeito da sua escala;
embora longe da renda média americana, o efeito do aparecimento de mais
de 1 bilhão de novos consumidores e de mais de 6 milhões de empresas por
ano se alastra até chegar ao mais pobre agricultor na Europa e ao mais
rico banqueiro na África.
Pode ser que, de novo, a China seja determinante na recuperação
econômica mundial, mas a principal questão em aberto é se o país
conseguirá se tornar próspero ou será mais uma sociedade a afundar na
armadilha da renda média.
O sistema pode ruir pelo autoritarismo, pelas perseguições políticas e
pela megalomania de autoridades públicas, que, com os cofres
abarrotados, injetam dinheiro em obras faraônicas. Até há pouco tempo,
os empresários investiam sem medo de represálias, pois “ficar rico é
glorioso”, como disse Deng Xiaoping, dirigente do país durante o início
das reformas econômicas.
Mas decisões como a interferência sobre abertura de capital do grupo Ant
podem limitar a agressividade das empresas privadas. O dinamismo da
economia chinesa pode ser resumido em uma palavra: competição.
No país mais capitalista do mundo, os incentivos são para famílias,
empresários e funcionários públicos competirem ferozmente. Na política,
há fortes disputas pelas melhores posições, como governador de Xangai, e
até mesmo para subir na carreira burocrática a competição reina —na
Receita Federal daqui, assim como em muitas autarquias, funcionários
precisam passar em concursos a cada três anos para serem promovidos.
No mundo empresarial, a concorrência é brutal; poucas regras valem nas
disputas por fornecedores e clientes. Se as autoridades deixarem o
nacionalismo barato de lado, o país enriquecerá. E nada do que vimos até
hoje se comparará com os efeitos do enriquecimento do maior país do
mundo.
A China pode crescer 6% anuais por 30 anos e a produtividade do
trabalhador chinês não chegará a 60% daquela de um americano. Caso isso
aconteça, as exportações brasileiras para a China podem passar de US$
200 bilhões; em 2020, foram US$ 68 bilhões.
A curto prazo, a China contribuirá para a recuperação mundial. Em 2021, o
Ano-Novo Chinês cai na sexta, dia 12 de fevereiro (acaba o Ano do Rato e
começa o Ano do Boi). Normalmente, o país para; mas, com o medo do
vírus e a demanda mundial em alta, as empresas chinesas estão pagando
extra para que produção não pare.
A China já é a maior economia do mundo hoje, mas ainda está muito longe
do seu potencial. O capitalismo chinês hoje ainda engatinha. Mas talvez
não por muito tempo.
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