O norte de Jacarta, capital da Indonésia, afundou 2,5 metros em 10 anos e continua "descendo" até 25 centímetros por ano. Com uso excessivo dos aquíferos pela população, fenômeno ganha fôlego e partes da cidade podem acabar completamente debaixo d'água até 2050.
13 ago 2018
Mais de 10 milhões de pessoas vivem atualmente em Jacarta, capital da
Indonésia, a cidade que está afundando mais depressa que qualquer outra
no planeta.
Se nada for feito, dizem os especialistas, partes da megacidade podem
acabar completamente debaixo d'água até 2050. Mas será que ainda dá
tempo de reverter a situação?
Construída sobre um terreno pantanoso, Jacarta é banhada pelo Mar de
Java e cortada por 13 rios. Não é de se espantar, portanto, que
inundações sejam frequentes na cidade e, segundo especialistas, que
estejam piorando.
Mas não se trata apenas do grande volume de enchentes, esta megacidade está literalmente ficando submersa.
"A possibilidade de Jacarta ficar submersa não é brincadeira", diz o
pesquisador Heri Andreas, do instituto de tecnologia Bandung, que estuda
há 20 anos o afundamento do solo de Jacarta.
"Se observarmos os padrões, em 2050 cerca de 95% do norte de Jacarta estará submerso."
E isso já está acontecendo. O norte de Jacarta afundou 2,5 metros em 10
anos e continua "descendo" até 25 centímetros por ano, o que é mais do
que o dobro da média global para megacidades costeiras.
Em média, Jacarta está afundando de 1 a 15 centímetros por ano, e quase
metade da capital indonésia está agora abaixo do nível do mar.
O impacto já é visível no norte do município. No distrito de Muara
Baru, um edifício corporativo está completamente abandonado. O prédio
abrigava uma empresa de pesca, mas a varanda do primeiro andar é a única
parte funcional que resta.
O primeiro andar da construção está alagado em decorrência das
enchentes. Como o terreno ao redor está mais alto, a água não tem para
onde escoar.
Prédios inundados raramente são abandonados assim, porque, na maioria
das vezes, os proprietários tentam consertar, reformar e encontrar
soluções no curto prazo para o problema. Mas, neste caso, eles não
conseguem impedir o solo de sugar essa parte da cidade para baixo.
Um mercado de peixe, a apenas cinco minutos de carro do local, também sofre com as consequências das enchentes:
"As calçadas são como ondas, se curvam para cima e para baixo, as
pessoas podem tropeçar e cair", alerta Ridwan, morador de Muara Baru. À
medida que o nível da água no subsolo está diminuindo, o piso por onde
os frequentadores do mercado passam está afundando e se deslocando,
criando uma superfície irregular e instável.
"Ano após ano, o solo continua afundando", diz ele, um dos muitos
moradores do bairro que estão preocupados com o que está acontecendo na
vizinhança.
Jacarta é historicamente uma cidade portuária, e a parte norte abriga
até hoje um dos portos marítimos mais movimentados da Indonésia: Tanjung
Priok. A localização estratégica, onde o rio Ciliwung desemboca no Mar
de Java, foi uma das razões pelas quais os colonizadores holandeses
decidiram transformá-lo em seu principal porto no século 17.
Hoje, 1,8 milhão de pessoas vivem na região, que se tornou uma curiosa
mistura de empresas portuárias em decadência, comunidades costeiras
pobres e uma população significativa de chineses indonésios ricos.
Fortuna Sophia vive em uma mansão luxuosa com vista para o mar. O
afundamento do solo ainda não é visível na casa, mas ela diz que, a cada
seis meses, aparecem novas rachaduras nas colunas e nas paredes.
"A gente só tem que continuar consertando", conta Fortuna, ao lado da
piscina, com um cais privado a poucos metros de distância.
"Os homens de manutenção dizem que as rachaduras são causadas pelo deslocamento do solo."
Ela mora na mesma casa há quatro anos, mas relata que já houve várias inundações:
"A água do mar entra e cobre a piscina toda. Temos que levar todos os móveis para o andar de cima."
Mas o impacto para as pequenas residências à beira-mar é muito maior.
Moradores que já tiveram uma vista para o mar agora veem apenas um dique
cinza, construído e reconstruído em uma brava tentativa de conter o
avanço das águas.
"Todos os anos a maré aumenta cerca de 5 cm", afirma Mahardi, um pescador.
Nada disso deteve, no entanto, os agentes imobiliários. Cada vez mais
apartamentos de luxo são erguidos no norte de Jacarta, independentemente
dos riscos.
Eddy Ganefo, chefe do conselho consultivo da Associação de
Desenvolvimento Habitacional da Indonésia, disse que pediu ao governo
que impedisse a realização de novos empreendimentos na região. Mas,
segundo ele, "enquanto for possível vender apartamentos, as construções
continuarão".
Outras partes de Jacarta também estão afundando, embora em um ritmo
mais lento: cerca de 15 cm por ano na zona oeste do município, 10 cm no
leste, 2 cm no centro e apenas 1 cm no sul.
Cidades costeiras em todo o mundo estão sendo afetadas pelo aumento do
nível do mar em decorrência das mudanças climáticas. O fenômeno acontece
devido à expansão térmica da água - ela esquenta e aumenta de volume - e
ao derretimento do gelo polar. Mas a velocidade com que Jacarta está
afundando é alarmante.
Pode ser surpreendente, mas há poucas reclamações entre os moradores da
cidade. Para eles, a inundação é apenas um entre os diversos desafios
de infraestrutura enfrentados diariamente.
E isso faz parte do motivo pelo qual isso está acontecendo.
A velocidade dramática com que Jacarta está afundando se deve, em
parte, à extração excessiva de água subterrânea para ser consumida como
água potável, para banho e para ser usada em outras tarefas cotidianas. A
água encanada não é confiável, tampouco está disponível na maioria das
regiões. Assim, as pessoas não têm escolha a não ser recorrer ao
bombeamento de água dos aquíferos subterrâneos.
Mas quando a água subterrânea é bombeada, o terreno acima dela cede,
como se estivesse sobre um balão vazio, levando ao afundamento do solo.
A situação é acentuada pela regulamentação falha, que permite que
praticamente qualquer pessoa - de proprietários locais a operadores de
shopping centers -, realize sua própria extração de água subterrânea.
"Todo mundo tem o direito, de moradores a indústrias, de usar a água
subterrânea, desde que isso seja regulamentado", diz Heri Andreas. O
problema é que eles usam mais do que é permitido.
Os moradores dizem que não têm escolha, uma vez que as autoridades não
conseguem atender suas necessidades. E os especialistas confirmam que os
órgãos responsáveis pela gestão da água só conseguem atender 40% da
demanda de Jacarta.
O proprietário de um kos-kosan, espécie de dormitório, no
centro de Jacarta, bombeia por conta própria do lençol freático há 10
anos para abastecer os inquilinos. Conhecido apenas como Hendri, ele é
um dos muitos moradores que fazem isso.
"É melhor usar nossa própria água subterrânea em vez de confiar nas autoridades. Um kos-kosan como esse precisa de muita água."
O governo só admitiu recentemente que a extração ilegal de água subterrânea é um problema.
Em maio, a prefeitura inspecionou 80 prédios no bairro Jalan Thamrin,
no centro da cidade, cercado por arranha-céus, shoppings e hotéis. A
fiscalização descobriu que 56 prédios tinham sua própria bomba de água
subterrânea e que 33 estavam extraindo água ilegalmente.
O governador de Jacarta, Anies Baswedan, afirmou que todos devem obter
uma licença, o que permitirá às autoridades medir a quantidade de água
subterrânea que está sendo bombeada. Aqueles que não cumprirem a nova
regra terão o certificado do prédio revogado, assim como outros negócios
que funcionem no mesmo edifício.
As autoridades também esperam que a Grande Garuda, um muro de contenção
de 32 km que está sendo construído ao longo da Baía de Jacarta,
juntamente com 17 ilhas artificiais, ajude a salvar a cidade.
O projeto, que tem um custo estimado de US$ 40 bilhões, está sendo
apoiado pelos governos holandês e sul-coreano. Ele prevê a criação de
uma lagoa artificial, na qual os níveis da água podem ser controlados
para permitir a drenagem dos rios da cidade. A ideia é ajudar a conter
as inundações, um dos grandes problemas quando chove.
Mas três organizações holandesas sem fins lucrativos divulgaram um
relatório em 2017, questionando se o muro e as ilhas artificiais poderão
resolver, de fato, o problema do afundamento do solo de Jacarta.
Jan Jaap Brinkman, especialista em hidrologia do instituto holandês de
pesquisa Deltares, argumenta que o empreendimento é apenas uma medida
provisória. Segundo ele, vai oferecer a Jacarta apenas mais 20 ou 30
anos para encontrar uma solução de longo prazo para o afundamento do
solo.
"Há apenas uma solução, e todos sabem qual é", diz ele.
A saída seria proibir a extração de água subterrânea e recorrer apenas a
outras fontes, como água da chuva, dos rios ou de reservatórios feitos
pelo homem. Segundo ele, Jacarta precisa fazer isso até 2050 para evitar
que a cidade afunde.
Mas a mensagem ainda não está sendo levada a sério. E o governador de
Jacarta, Anies Baswedan, acha que uma medida menos drástica funcionará.
Ele diz que as pessoas devem ser capazes de bombear água subterrânea legalmente, desde que utilizem o chamado método biopori.
A técnica prevê cavar um buraco de 10 cm de diâmetro e 100 cm de
profundidade no terreno para permitir que a água seja reabsorvida pelo
solo.
Os críticos dizem que a medida só vai repor a água superficialmente -
e, em Jacarta, a água costuma ser extraída a partir de centenas de
metros abaixo do nível do solo.
Existe tecnologia capaz de repor a água subterrânea de fontes
profundas, mas é extremamente cara. Tóquio usou esse método, conhecido
como recarga artificial, quando enfrentou um afundamento severo do solo
há 50 anos. O governo também restringiu a extração de água subterrânea, e
as empresas foram obrigadas a usar água reciclada. O processo de
imersão foi interrompido na sequência.
Mas Jacarta precisa de fontes alternativas de água para isso funcionar.
O pesquisador Heri Andreas diz que pode levar até 10 anos para limpar a
água dos rios, barragens e lagos, para permitir que seja canalizada ou
usada como substituto aos aquíferos subterrâneos.
Os moradores de Jacarta adotam uma atitude um tanto fatalista em relação ao futuro.
"Viver aqui é um risco", diz Sophia Fortuna em sua casa. "Todas as pessoas que estão aqui aceitaram esse risco."
Reportagem adicional de Tom de Souza. Elementos interativos de Arvin Surpriyadi, Davies Surya e Leben Asa.
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