Em geral, achamos que nossas opiniões são inabaláveis. Mas uma nova pesquisa mostra que até nossas convicções políticas oscilam - e não apenas pelos motivos que você imagina.
Discussões nas redes sociais costumam ser frustrantes para muita gente: afinal, quem muda de opinião ao ouvir argumentos contrários que contradigam suas crenças enraizadas?
Mas uma nova pesquisa sugere que, na verdade, somos capazes de deixar nossas convicções de lado - e o que hoje é objeção pode até se transformar em aceitação.
Durante décadas, estudos sobre o viés de confirmação mostraram que é mais provável que a gente pesquise, preste atenção e se lembre de algo que valide nossas crenças. Se você gosta de tomar vinho, por exemplo, possivelmente se recorda mais de reportagens que apontam os benefícios do álcool do que as que alertam sobre os riscos.
O cérebro também é mais rápido no processamento de ideias com as quais concordamos. Há algum tempo, sabemos que se você apresentar às pessoas uma lista de frases com declarações falsas, elas demoram mais para encontrar erros gramaticais do que se as sentenças forem verdadeiras. Portanto, se a frase for "sabão suave são (sic) comestível", leva-se mais tempo para identificar o erro de concordância, uma vez que o significado também não está correto.
O mesmo acontece com as opiniões. Pesquisadores da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, fizeram recentemente um experimento semelhante. Entregaram aos participantes algumas frases - como "acredito que a internet torna os indivíduos mais sociáveis" ou "acredito que a internet isola mais as pessoas" - e pediram para avaliarem se a sentença estava gramaticalmente correta. Resultado: eles demoraram mais tempo para analisar quando discordavam do que estava escrito.
Sem que tenhamos consciência disso, nossas convicções podem se sobrepor às nossas respostas automáticas.
Tudo isso indica que temos apreço por nossas opiniões. É verdade, mas não significa que determinadas crenças sejam eternas. Somos mais inconstantes do que pensamos.
A pesquisadora Kristin Laurin, da Universidade de Colúmbia Britânica, no Canadá, analisou a conduta das pessoas antes da venda de garrafas plásticas de água ser proibida em San Francisco, nos EUA. A medida não contava com amplo apoio da população, mas entrou em vigor mesmo assim.
No dia seguinte à implementação, sua equipe voltou a avaliar a postura dos moradores. E a percepção já tinha mudado: as pessoas estavam menos contrárias à ideia. Não tinha dado tempo para que ajustassem seu comportamento aos aspectos práticos da proibição. Então, parecia que a opinião delas havia mudado por si só.
Em outras palavras, racionalizamos tudo aquilo que nos faz sentir de mãos atadas. É como se liberássemos espaço do cérebro para continuar com nossas vidas, ponderando que, no fim das contas, não é tão ruim assim. Laurin compara esse mecanismo a um "sistema imunológico psicológico".
Na sequência, a pesquisadora analisou a opinião da população sobre a proibição de fumar em parques e pátios de restaurantes de Ontário, no Canadá, em 2015. Ela descobriu que as pessoas não mudaram apenas de posição após o veto - como também apresentaram outra versão sobre seu próprio comportamento.
Inicialmente, os fumantes disseram à equipe de Laurin que fumavam cerca de 15% das vezes em espaços públicos. Posteriormente, estimaram que a frequência era de apenas 8%. Ou seja, ajustaram as próprias memórias, alterando suas perspectivas, para se convencerem de que o efeito da proibição não era afinal tão desfavorável.
Contagem de votos
Em seguida, veio o maior teste: a avaliação do presidente americano Donald Trump antes e depois da posse.
Trump tem atualmente a taxa de aprovação mais baixa de qualquer presidente dos EUA desde a Segunda Guerra Mundial. Era de se esperar que quem não votou no candidato republicano tenha antipatizado ainda mais com ele quando assumiu a Casa Branca.
Mas não foi isso que aconteceu. A equipe de Laurin descobriu que, alguns dias após a posse, essas mesmas pessoas estavam se sentindo mais otimistas em relação ao novo presidente.
Uma possível explicação seria que a confiança em Trump foi alavancada por seu discurso de posse. Mas, segundo Laurin, não foi o caso.
"Na verdade, verificamos que mesmo as pessoas da nossa amostra que disseram que ele foi muito mal na posse e odiaram a forma como ele tinha se comportado, passaram a ter uma visão mais positiva", disse a pesquisadora ao programa de rádio da BBC All in the Mind.
"Isso sugere, mais uma vez, que não é algo que você aprenda quando uma nova política entra em vigor ou um novo líder assume". Em vez disso, "seu cérebro está lutando para fazer você se sentir bem e permitir que siga adiante com sua vida", esclarece.
É importante ter em mente, no entanto, que não é que os indivíduos que não suportavam Trump decidiram amá-lo quando ele assumiu o governo - mas, sim, começaram a antipatizar um pouco menos com a figura dele.
Portanto, não se trata simplesmente de se acostumar a uma nova situação. As pessoas realmente mudam de ideia. É como se não fossem capazes de suportar continuar sentindo raiva, e subconscientemente, procuram maneiras de se convencer de que tudo vai ficar bem.
Laurin não acredita que isso seja feito intencionalmente. Segundo ela, é uma maneira de liberar recursos cognitivos para tocar a vida. Simplesmente não há tempo para ficar com raiva de tudo.
É claro que, em alguns momentos da história, esse mecanismo psicológico pode ter tido um lado obscuro: talvez tenha encorajado as pessoas a tolerar regimes com os quais discordam veementemente.
Em situações menos extremas, essas mudanças de ideia se enquadram em pesquisas anteriores sobre o viés de impacto: o viés cognitivo que nos deixa mal ao prever como vamos nos sentir emocionalmente em relação a determinados eventos que podem acontecer no futuro.
Uma equipe da Universidade Harvard, nos EUA, realizou dezenas de experimentos mostrando que, quando imaginamos acontecimentos futuros, esperamos o pior dos eventos ruins e o melhor dos bons. Na realidade, os eventos negativos não nos fazem sentir tão mal, e os positivos não nos fazem sentir tão bem.
A dificuldade é que, quando simulamos um acontecimento futuro na cabeça, temos a tendência de considerar apenas as características mais importantes. Para um evento negativo, isso quer dizer as piores partes. Ir ao médico para um exame clínico pode não ser muito agradável, mas nem todas as etapas da consulta são inconvenientes. Algumas são neutras: ler uma revista na sala de espera ou pendurar o casaco no cabide, por exemplo.
E enquanto especulamos que, se algo grave acontecer, não vamos conseguir resolver, ou se algo positivo ocorrer, nossas vidas serão transformadas, em ambos os casos seremos as mesmas pessoas que somos hoje. Após o impacto inicial, nossas emoções vão retroceder e nos sentiremos um pouco melhor ou pior do que agora.
O mesmo acontece quando somos afetados por uma política ou situação com a qual não simpatizamos. Se for possível, fazemos as pazes com o que acreditávamos ser mudanças negativas.
Por um lado, o cenário é bastante otimista: tentamos encontrar o lado bom em todas as situações. Mas será que os formuladores de políticas públicas podem fazer o que bem entenderem e vamos todos achar que está tudo bem? Não exatamente. Se fosse assim, os governos nunca seriam depostos ou derrubados por revoluções.
Podemos racionalizar aquilo que é difícil de mudar, mas uma vez que uma massa crítica apoia uma causa, as pessoas param de racionalizar o status quo, sentem que podem fazer a diferença porque não estão sozinhas e começam a fazer campanhas por mudanças.
Mas, quando a gente não consegue mudar algo, fazer as pazes com o mundo pode ser uma parte importante para o nosso bem-estar.
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