terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Um terço dos tumores podiam ser evitados com vida saudável

Lúcia Sousa tinha 35 anos quando descobriu que tinha cancro da mama. Foi há 20 anos. Passou a olhar para a vida “com olhos de sobrevivente”, a dar “outra importância às coisas”. E passou a ter outros cuidados, nomeadamente com a alimentação: “Tornei-me quase vegetariana e faço algumas caminhadas.”
Especialistas garantem que muito há a fazer na prevenção, desde as famílias às escolas, passando pelas juntas de freguesia
Ter ou não ter cancro. É tudo uma questão de sorte? De mutações aleatórias nos genes? Pode ser. Mas também é verdade que há estilos de vida que favorecem o aparecimento de determinados tumores. Pelo menos é o que nos garantem os resultados das investigações científicas realizadas até agora e que dão como certo que cerca de um terço dos cancros podiam ser evitados com a adoção de estilos de vida mais saudáveis. No Dia Mundial da Luta contra o Cancro, que hoje se assinala, dois especialistas na área da oncologia defenderam ao DN haver uma responsabilização individual, social e comunitária na prevenção da doença.
Ana Raimundo, coordenadora do Serviço de Oncologia do Instituto CUF de Oncologia, nos hospitais CUF Infante Santo e Cascais, defende que "a responsabilidade individual diz respeito à consciencialização, à transmissão de informação sobre a prevenção mais eficaz, que deve começar logo nas escolas. Sei que já fazem esse papel, mas as campanhas talvez não sejam suficientes". Há algumas lacunas, destaca, que se manifestam, por exemplo, no aumento da obesidade entre as crianças, que é um dos fatores de risco para diversos tipos de cancro.
Já nos adultos, prossegue, é preciso "relembrar que a doença existe, que é possível preveni-la com a alteração de hábitos de vida e que devem estar atentos ao diagnóstico precoce". Para a especialista, há "pouco envolvimento" das juntas de freguesia, que estão "mais próximas das pessoas" e que, por isso, deveriam ter um papel importante na prevenção e no acompanhamento de doentes e cuidadores. Para reduzir a mortalidade associada ao cancro - que mata oito milhões de pessoas anualmente em todo o mundo -, a sociedade tem de se consciencializar dos seus "fatores de risco, prevenção, diagnóstico precoce e tratamento eficaz atempado".
"Existem fatores genéticos e ambientais. Pode reduzir-se até um terço dos casos de cancro com hábitos de vida saudáveis", frisa a oncologista, destacando que estes também diminuem a mortalidade associada à doença. Refere-se, por exemplo, a uma alimentação saudável (com pouca gordura, proteínas e açúcar), a não fumar, a fazer exercício físico. "Se a pessoa fizer tudo isto, não terá excesso de peso, que é um fator de risco." O tabagismo, por exemplo, é responsável por 90% dos cancros de pulmão em todo o mundo.
A cada ano surgem aproximadamente 50 mil novos casos de cancro em Portugal, registando-se um aumento anual da incidência na ordem dos 3%. Manuel Teixeira, diretor do centro de investigação do IPO do Porto, reforça que, "para as neoplasias que têm fatores ambientais [como a do pulmão], adotar hábitos de vida saudáveis reduz o risco de cancro. Contudo, frisa, o cancro é também uma questão de "má sorte". "Basta estarmos vivos para sofrermos mutações no nosso corpo", pois o nosso próprio metabolismo provoca alterações no ADN. "E, se estas ocorrerem num gene importante para o cancro, a pessoa pode ter a doença", explica o especialista, destacando que "esses fatores aumentam a probabilidade de ocorrerem essas mutações". Vejamos o exemplo da carne vermelha. "Não é a carne, em si, que aumenta o risco de cancro do intestino, mas o facto de ser metabolizada no intestino produz componentes que podem causar mutações nas células do intestino, levando ao aparecimento do cancro", explica Manuel Teixeira.
Cancro nas classes mais baixas
Em Portugal, morrem 70 pessoas por dia com cancro, sendo os tumores do cólon, do reto, do pulmão e do estômago aqueles que mais matam. Nos últimos anos, uma das tendências que têm merecido reflexão é a que respeita ao aumento da incidência e mortalidade por cancro nas classes sociais mais baixas, o que, segundo Ana Raimundo, está relacionado com o facto de estas terem hábitos de vida menos saudáveis. "Fazem menos exercício físico e têm uma alimentação rica em gordura e açúcar", explica.
Outro dado relevante, adianta, é "o aumento da incidência de cancro nas crianças e nos adolescentes", o que está em linha com o aumento global da incidência das doenças oncológicas e com um melhor diagnóstico. De ressalvar, no entanto, que a mortalidade tem vindo a diminuir.
Diagnosticar antecipadamente
Manuel Teixeira considera que, relativamente ao cancro da mama e do colo do útero, já é do "conhecimento geral" a importância do rastreio, mas o mesmo não acontece em relação ao colorretal. "É uma das neoplasias mais comuns e devíamos fazer mais rastreios para diminuir a mortalidade, que ainda é muito elevada", indica o especialista. Ao contrário do que acontece com o rastreio do cancro da mama - bem implementado no Norte e no Centro mas insuficiente no Sul -, a vigilância do cancro colorretal só é feita por uma minoria.
Embora não tenha impacto na incidência, o rastreio "permite diagnosticar precocemente, numa fase em que ainda é possível tratar", na qual ainda não existem metástases. Trata-se de prevenção secundária, diz o diretor do centro de investigação do IPO do Porto, que tem impacto na mortalidade por cancro.
A propósito do Dia Mundial da Luta contra o Cancro, que se baseia na Carta de Paris, aprovada em 2000, Manuel Teixeira lembra que "há fatores de risco que não conseguimos controlar e que causam o cancro na população em geral e existem os fatores de risco familiar, que têm que ver com casos de cancro na família". É nesses, destaca, que deve estar o foco e é para esses que deve ser oferecido um rastreio mais intenso. "Temos muito a ganhar nesse grupo, porque o rastreio pode ser mais eficaz. Se há um caso de cancro da mama na família aos 35 anos, não vamos começar a vigiar a irmã aos 45. Tem de ser mais cedo", sublinha. Por isso, o especialista refere que "as recomendações gerais devem ser ajustadas a cada história familiar".

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