6 fev 2018
Quando aprendemos sobre as hipóteses de Darwin em relação à
sobrevivência do gene mais bem adaptado, não paramos para pensar no
impacto que isso tem no nosso cotidiano, como se a ciência fosse muito
distante de nós ou como se a evolução genética fosse imperceptível.
Caimos na falácia de que é necessário muito tempo para poder observar
mudanças físicas, fruto da seleção de genes mais aptos à sobrevivência.
Mas, sobretudo, caimos na falácia de como todo o processo é natural,
acontecendo sem influência do desejo humano.
A imagem acima mostra como o apreço estético humano produziu, em apenas
200 anos, alterações nos genes de determinadas raças de cães a ponto de
mudar radicalmente o fenótipo dos
catioros
. Claro que isso se deve ao apelo do mercado de cães de raça, símbolo
da aristocracia europeia. Mas além da crítica à mais-valia ou aos maus
tratos gerados pela comercialização de animais domésticos, o que nos
interessa aqui é entender como essas mudanças ocorreram.
Criadores de determinadas raças escolhiam os cães que julgavam mais
bonitos para procriar. Dessa forma, o basset hound que possuía genes
para as orelhas mais compridas era sempre o escolhido para se
reproduzir, passando o gene para as gerações adiante. A tal seleção
natural pode não ser tão natural assim.
DNA: o código de programação da vida
Manipulado desde sempre através de nossas escolhas, o DNA só foi
descoberto pela ciência em 1953. Quatro tipos de nucleotídeos
diferentes, quando combinados, guardam mais de 150 Zettabytes de
informação. É através desse imenso código que o DNA programa quais as
nossas características físicas, nossas tendências a desenvolver
determinadas doenças, além de um tanto da nossa personalidade.
Mas desde os anos 1970, cientistas tentam alterar o genoma de seres
vivos, seja bombardeando plantas com radiação para tentar provocar
mutações genéticas que levassem a alguma alteração interessante, seja
inserindo trechos de DNA de determinadas espécies em outras.
É através desse tipo de estudo que é possível, hoje, produzir
anticoagulantes ou hormônios sintéticos para tratamento de doenças, como
é o caso da insulina utilizada por diabéticos ou mesmo a testosterona
utilizada para a terapia hormonal de homens transexuais. Para se ter uma
idéia, até pouco tempo era necessário retirar a insulina naturalmente
produzida por porcos diretamente de seus pâncreas para que pessoas
diabéticas pudessem se tratar.
Alimentos transgênicos e animais geneticamente modificados
O primeiro alimento geneticamente modificado, o que é conhecido como
alimento transgênico, foi comercializado em 1994. Tratava-se do tomate
Flavr Savr, alterado para durar mais tempo nas prateleiras dos
supermercados com a supressão da ação de uma enzima que contribuia para o
apodrecimento da fruta.
Também nos anos 1990 foram registradas as primeiras técnicas de
fertilização utilizando-se genoma de três humanos, a fim de combater
problemas de infertilidade.
No início do século XXI, a alteração genética já estava tão presente
nos laboratórios científicos que começamos a criar características em
espécies de animais por pura diversão. O peixe paulistinha recebeu
inserções de DNA de águas-vivas em seu código genético para brilhar no
escuro, deixando os aquários mais bonitos. A empresa taiwanesa
responsável pela alteração, a Taikong Corporation, apresentou a novidade
em 2001 e em 2002 o TK-1, ou "paulistinha pérola noturna" foi ao
mercado aquarista, já com alterações genéticas que os impediam a
reprodução, para evitar que os genes modificados fossem passados a novas
gerações.
O que dá pra fazer com isso?
O que há de mais atual em engenharia genética é o CRISPR, sigla para
Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats. Foram
descobertas as defesas de bactérias sobreviventes a ataques de vírus que
as atacavam inserindo trechos de suas informações genéticas.
Descobriu-se, assim, a CAS9, uma proteína que identifica a seção exata
do DNA invasor e corta aquela sequência fora com absoluta precisão,
tornando-a inútil e salvando a bactéria do ataque viral.
Isso deu origem a manipulações laboratoriais mais precisas, baratas e
rápidas. Mas não para por aí: isso deu também a capacidade de alterar
DNA para qualquer pessoa que possua acesso a um laboratório, além de
conhecimento, obviamente.
O CRISPR oferece meios para editar células vivas, ativando ou
desativando genes de acordo com o desejo humano. Em 2015, ratos de
laboratório que apresentavam todas as células de seus corpinhos afetadas
pelo vírus HIV foram tratados com CRISPR, que procurou as seqüências de
genes vindas do vírus nas células deles e conseguiu uma diminuição de
quase 50% nas afetadas. Espera-se que ainda nesta década terapias com o
CRISPR sejam eficazes contra a imunodeficiência causada pelo vírus HIV e
outros retrovírus.
Outro dos nossos grandes inimigos, o câncer, também pode receber
ataques vindos do CRISPR, que pode editar a capacidade das células do
sistema imunológico em encontrar e erradicar células potencialmente
cancerígenas. Imagine um mundo que, ao invés de precisar fabricar
metanfetamina para pagar as custas de um tratamento com radioterapia e
quimioterpia, além de intervenções cirúrgicas, Walter White só
precisasse tomar algumas injeções contendo suas próprias células
alteradas por meio da CAS9 e então não haveria mais câncer. Esse mundo
está prestes a chegar. Mas não para Mr. White, claro.
Mas onde isso vai parar, meu deus?
Cientistas estão tentando criar embriões humanos com informações
genéticas totalmente editadas para alcançar um bebê perfeito, livre de
qualquer tipo de predisposição genética a doenças.
Se pudermos controlar características que tornem lúpus ou alzheimer
ameaças inofensivas à humanidade, por que não modificar os bebês para
terem super inteligência? Ou facilidade para ganhar músculos, cabelos
mais resistentes aos processos químicos, olhos de outras cores?
Se voltarmos ao início do texto, lembraremos do que nós, humanos 1.0,
fizemos com as raças de cães. Poderíamos viver, hoje, num mundo onde
labradores não sofreriam de displasia de quadril, pugs e frenchies
poderiam correr sem problemas com o focinho excessivamente curto e
rotweilers não seriam acometidos por enxaquecas crônicas. Tínhamos todo
esse controle nas mãos. Entretanto, escolhemos orelhas mais longas,
patas mais curtas, focinhos que não permitem respiração. Mas são
bonitos.
Em um mundo onde o poder de edição de genes é possível, o que vai
determinar qual é o rumo dessas mudanças é a ética da população. A
sociedade se baseia em padrões estéticos que muitas vezes escondem
preconceitos e não há dúvidas que isso causa sofrimento àqueles que não
atendem às especificações do que é considerado belo.
A tecnologia em si não ameaça a diversidade, que Darwin pontuou ser
extremamente necessária dentro da teoria da seleção natural. O que
ameaça a diversidade é o preconceito e isso, infelizmente, não é
genético para ser substituído por compaixão através da CRISPR.
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