Pesquisa no Reino Unido mostrou que pelo menos 10% das mulheres de 16 a 24 anos sentiam dores frequentemente durante a relação sexual; especialistas apontam que questão cultural muitas vezes faz com que 'aceitem' que o sexo seja uma experiência dolorosa, e não prazeirosa para elas.
Nas aulas de educação sexual na minha escola, parecia clara a mensagem
que tentavam passar: se você for mulher, vai sentir dor durante as
relações sexuais.
Essa ideia de que nós deveríamos nos preparar para o desconforto nas
relações sexuais fez com que muitas mulheres acreditassem que sentir
alguma dor durante o sexo faz parte do pacote - não é algo que ocorre só
na primeira vez.
Ninguém nos contou que havia a possibilidade de o sexo ser, na verdade, prazeroso e sem sofrimento.
'Simplesmente aceitei a dor'
"Eu não tinha ideia de que o sexo pudesse ser qualquer coisa que não sinônimo de dor", relatou Jess, de 24 anos.
"Eu estava tão tensa que dificilmente alguém conseguiria entrar em mim,
e isso me deixava muito retraída. Eu achava que o clitóris era algo que
você tocava por alguns segundos e aí já tinha um orgasmo. Mas isso não
era suficiente para que eu chegasse ao clímax, então achava que eu tinha
algum problema. Tinham me dito que uma relação sexual poderia ter dor,
então eu simplesmente aceitei isso e todo esse desconforto", contou.
Mas no ano passado, graças a um namorado que Jess define como
"generoso" e que gostava bastante das preliminares, a jovem britânica
descobriu que a dor não era algo inerente a todas as relações sexuais.
"Eu vi que isso era uma mentira", disse à BBC.
Razões médicas, psicológicas ou sociais
A youtuber Hannah Wilton faz parte de um grupo de mulheres de vinte e
poucos anos que está utilizando um canal na plataforma de vídeos para
proporcionar uma conversa aberta sobre a sexualidade feminina.
"O motivo pelo qual muitas mulheres têm relações sexuais com dor é
porque não nos ensinam a viver nossa sexualidade de outra forma",
afirma.
Ela ressalta que, em certas circunstâncias, a dor durante o sexo pode ser sintoma de algo mais grave.
"A dor na vagina pode ser causada por problemas como candidíase (uma
infecção provocada por um fungo), por alguma outra doença sexualmente
transmissível ou por vaginismo, uma condição pela qual os músculos
próximos à vagina se contraem com força, por irritação ou pelo contato
com a borracha das camisinhas ou pelo sabão, explicou Swati Jha,
porta-voz do Colégio de Obstetras e Ginecologistas do Reino Unido
(RCGOC, na sigla em inglês).
Segundo ela, a dor que a mulher sente no sexo pode ser consequência de
"uma doença inflamatória na pélvis, de endometriose, de algum mioma ou
de síndrome do intestino irritável". Jha aconselha a qualquer mulher que
se preocupe com dores durante ou depois das relações sexuais que
consulte um médico especialista para entender o que pode estar
acontecendo.
Mas não existem apenas razões médicas para a dor durante o sexo. Para
Kirstin Mitchell, médica e pesquisadora da Universidade de Glasgow, na
Escócia, existem diversas razões psicológicas e sociais para que esse
momento seja dolorido para algumas mulheres.
Ela é responsável por um estudo em 2017 que identificou que quase 10%
das mulheres sexualmente ativas do Reino Unido entre 16 e 24 anos
sentiam dores "sistemáticas" durante as relações sexuais - os autores da
pesquisa definiram "sistemáticas" como as dores "sentidas durante o
sexo durante três meses ou mais".
Direito ao prazer
"Se uma mulher não tem o tipo de relação sexual que gostaria de ter, se
ela não está excitada, se não tem confiança em si mesma para falar do
que gosta ou do que não gosta, então o sexo pode ser mesmo doloroso",
explicou Mitchell.
Na opinião da especialista, é comum as mulheres não sentirem que têm
"direito ao prazer" como os homens têm. Às vezes, elas sentem dor nas
relações sexuais e acreditam que simplesmente "é assim para as
mulheres".
Em outro estudo sobre o tema chamado
A Critical Analysis of Sexual Satisfaction
(
Uma análise crítica sobre satisfação sexual
, em tradução literal), a pesquisadora Sara McClelland, da Universidade
de Michigan, nos Estados Unidos, pediu a homens e mulheres que
descrevessem o que significava para eles uma "baixa satisfação sexual".
Enquanto os homens falaram sobre aspectos como "tédio ou indiferença"
de suas parceiras sexuais, as mulheres com frequência mencionavam a
"dor".
Um problema de comunicação?
Kim Loliya passou a vida sentindo dor durante o sexo. Agora, porém, ela
lidera uma campanha para reivindicar o direito das mulheres ao prazer e
trabalha como editora da revista online Sex+zine, além de ter sido
fundadora de um serviço de educação sexual em Londres.
Loliya acredita que o incômodo das mulheres durante a relação sexual
não é necessariamente consequência de um problema físico, mas sim de um
problema verbal.
"As mulheres sentem que não podem dizer quando sentem dor durante o
sexo. Elas aprendem na sociedade que as mulheres são para serem
'olhadas', não 'ouvidas'", afirmou Loliya.
"Quando sentem dor, muitas vezes as mulheres acreditam que são elas que
estão com algum problema e elas têm medo de que isso possa afetar seus
parceiros. Elas se sentem culpadas e com vergonha dessa dor. E não se
dão conta de que o que causa essa dor é a insegurança sobre seu corpo",
explicou.
Para reconstruir essa sensação de conforto e segurança, a especialista
Mitchell aconselha as mulheres a voltarem um passo para trás.
"As relações sexuais não precisam ser só com penetração. Se você sente
prazer estimulando o clitóris com os dedos, faça isso. No sexo, é
preciso ir devagar, passo a passo, gradualmente, um escutando o outro".
Desinformação nos filmes
Outro problema apontado pelas especialistas são as informações que
chegam até as mulheres sobre como o sexo deve ser. Os filmes, por
exemplo, mostram um tipo de relação sexual que não mostra exatamente
essa "evolução gradual" nos carinhos.
"A única representação que muita gente tem sobre a lógica do sexo é o
que se vê nos filmes pornôs ou nas obras de Hollywood", disse Hannah
Witton, a youtuber que fala abertamente sobre sexo nas redes sociais.
"Nos dois casos, as mulheres estão sempre prontas (para a penetração),
desde o primeiro momento. A realidade das relações sexuais não está ali:
a troca de carícias, as preliminares, como é algo que começa suave para
depois ficar intenso. E não mostram também os lubrificantes - o que,
inclusive, pode ser algo muito erótico", comentou Witton.
Segundo Lydia, uma britânica de 21 anos, existe um estigma de que o
lubrificante serve apenas para o sexo anal, mas utilizá-lo pode mudar
completamente sua vida sexual.
"Antes, eu sentia dor nas relações sexuais, sentia tensão, irritação e
só queria que elas acabassem logo. O lubrificante mudou completamente
essa percepção", contou.
Claire, de 24 anos, disse à BBC que começou a sentir menos dor quando assumiu mais o controle em suas relações sexuais.
"Agora nos beijamos mais, brincamos mais antes da penetração para
garantir que eu esteja super relaxada. Depois, sou eu que dito o ritmo
da penetração. Isso funciona melhor do que pedir para meu parceiro ir
mais devagar, porque ele faz isso três vezes, depois se esquece", disse.
Segundo Kim Loliya, uma das coisas que é preciso deixar de lado é a
ideia de que a excitação feminina é mais "complicada" ou que "dá muito
trabalho". "São ideias que ainda persistem em nossa cultura".
"Ainda se tem o pensamento de que aquilo que é prazeroso para o homem
deve ser também prazeroso para a mulher. Mas não é necessariamente assim
que acontece, como muitas mulheres podem falar. E já está na hora de
aceitarmos isso", afirmou a editora e educadora do Instituto do Prazer,
em Londres.
Nenhum comentário:
Postar um comentário