Ainda que discussões entre o casal sejam parte da vida, conflitos constantes são danosos para a saúde mental, para o desenvolvimento cerebral e para os relacionamentos futuros dos filhos; veja orientações de especialista britânico para lidar com isso de modo saudável.
15 abr 2018
13h03
O ambiente doméstico tem um grande impacto sobre a saúde mental e o
desenvolvimento de longo prazo das crianças - e não apenas por causa da
relação entre pais e filhos.
A dinâmica de relacionamento entre os próprios pais também desempenha
um papel crucial no bem-estar das crianças, em sua performance acadêmica
e até em seus relacionamentos futuros.
Antes de mais nada, é preciso destacar que, na maioria das vezes,
pequenas discussões cotidianas são parte da vida e têm um impacto nulo
ou muito pequeno nos pequenos. O que realmente afeta as crianças são
comportamentos como gritos e demonstrações mútuas de raiva diante dos
filhos, ou quando um cônjuge ignora o outro constantemente.
Uma recente revisão de pesquisas internacionais, conduzidas ao longo de
décadas e analisando comportamentos domésticos e o desempenho de
crianças ao longo da vida, sugere que, a partir dos seis meses de vida,
crianças expostas a conflitos tendem a ter batimentos cardíacos mais
acelerados e níveis mais altos de estresse - o que, por sua vez,
prejudica a formação de conexões neurais nos cérebros infantis.
Conflitos interparentais severos ou crônicos podem, portanto, provocar
consequências como interrupções no desenvolvimento cerebral, distúrbios
do sono, ansiedade, depressão, indisciplina e outros problemas graves em
bebês, crianças e adolescentes.
Efeitos similares são observados em crianças expostas a brigas menos
intensas, porém contínuas, em comparação com crianças cujos pais
resolvem seus conflitos e negociam entre si de modo construtivo.
Do divórcio a trocas afetivas
O que realmente afeta as crianças pode causar surpresa.
Muitos adultos acreditam que o divórcio - ou a decisão dos pais de
deixarem de morar juntos - tenha efeito duradouro e danoso nos filhos.
No entanto, um estudo publicado em 2012 pela Universidade de Cardiff, no
País de Gales, constatou que são provavelmente as discussões ocorridas
antes, durante e depois do divórcio que causam danos às crianças, e não a
separação em si.
Ao mesmo tempo, muitas vezes se atribui à genética a forma como as
crianças respondem a conflitos. Mas o ambiente doméstico e a qualidade
das trocas afetivas dentro de casa têm um papel central nessa equação.
Além disso, é possível que riscos genéticos para problemas mentais
sejam potencializados - para bem ou para mal - pelo cotidiano familiar.
A qualidade do relacionamento entre os pais é um elemento central,
independentemente se os pais moram juntos ou não, se os filhos são
biológicos ou adotivos.
Brigas sobre crianças
Que lições os pais podem tirar disso tudo?
Primeiro, é preciso reiterar que é perfeitamente normal que pais e
cuidadores discutam ou discordem entre si. O problema é quando eles
mantêm conflitos constantes, intensos e mal resolvidos.
E isso se agrava quando as brigas ocorrem por causa das crianças.
Nesses, casos, elas costumam se sentir culpadas e achar que elas são
responsáveis pela discussão interparental.
Como resultado, elas desenvolvem dificuldades para dormir, têm o
desenvolvimento cerebral impactado, maior risco de sofrer de ansiedade e
depressão, de desenvolver mau comportamento, de ir mal nos estudos e de
se deparar com riscos bastante sérios - como o de se automutilar.
Já se sabe há décadas que a violência no ambiente doméstico é bastante
danosa para as crianças envolvidas. O que se descobriu mais recentemente
é que, mesmo na ausência de comportamento violento, quando os pais
passam a se ignorar ou a deixar de demonstrar respeito mútuo, também
colocam em risco o desenvolvimento emocional, comportamental e social
dos filhos.
E os problemas não param por aí: as crianças criadas em ambientes
emocionalmente frágeis tendem a perpetuar esse comportamento, o que faz
com que ele passe de geração em geração.
É um ciclo que precisa ser quebrado se queremos que a atual geração de
crianças (e a futura geração de adultos) tenha vidas felizes e
relacionamentos positivos.
Como agir - e como discutir?
Pesquisas mostram que, com dois anos de idade e até antes disso, as
crianças são astutas observadoras do comportamento dos pais.
Eles frequentemente percebem as discussões, mesmo quando os pais acham que estão brigando "escondidos".
O que importa é o modo como a criança interpreta e entende as causas e potenciais consequências desses conflitos domésticos.
Vai ser com base nessas experiências que as crianças vão avaliar se o
conflito pode aumentar, envolvê-las ou colocar em risco a estabilidade
familiar - algo que deixa os filhos pequenos especialmente preocupados.
Elas também podem ficar com medo de seu próprio relacionamento com o pai e a mãe piorarem por ausa das brigas.
Pesquisas indicam que meninos e meninas podem reagir de modo distinto -
sendo que as meninas têm risco maior de desenvolver problemas
emocionais, enquanto os meninos tendem a desenvolver problemas
disciplinares.
Com frequência, projetos sociais voltados à saúde mental juvenil focam
em amparar as crianças. Mas é possível que amparar os pais na resolução
de seus conflitos tenha um grande impacto nessas crianças no curto
prazo, além de dar a elas mais ferramentas emocionais para formar
relacionamentos saudáveis com outras pessoas no futuro.
Pais que estejam preocupados quanto ao impacto de suas discussões nas
crianças precisam saber que as crianças, na verdade, respondem bem
quando os pais explicam e resolvem suas discussões de modo apropriado.
Ao verem os pais solucionarem seus desentendimentos de maneira
saudável, os filhos aprendem lições importantes que os ajudarão a
entender suas próprias emoções e a se relacionar para além do círculo
familiar.
Ajudar os pais a entender como seu comportamento mútuo afeta o
desenvolvimento dos filhos cria as bases para formarmos crianças
saudáveis hoje - e famílias mais saudáveis no futuro.
*Gordon Harold é professor de Psicologia da Universidade de Sussex
(Reino Unido) e coautor do estudo sobre os impactos de conflitos
interparentais nas crianças, recém-publicado no periódico The Journal of
Child Psychology and Psychiatry
Nenhum comentário:
Postar um comentário