Pesquisa italiana tenta entender como pessoas ascendem profissionalmente não por mérito próprio, mas por acaso e sorte.
21 abr 2018
09h27
Às vezes relutamos em creditar nosso êxito na vida à sorte. Preferimos
atribuir um ganho material ou um resultado positivo à nossa
inteligência, nossas habilidades ou ao trabalho árduo.
Mas se nosso sucesso está diretamente relacionado à nossa capacidade,
por que parece haver tantas pessoas bem-sucedidas com talento medíocre? E
por que será que as pessoas mais inteligentes do mundo não são também
as mais ricas?
Um novo estudo, escrito por uma equipe de pesquisadores italianos, os
físicos Alessandro Pluchino e Andrea Rapisarda, e o economista Alessio
Biondo, usou um programa de computador que simula o sucesso definido
pela riqueza financeira para mostrar que as pessoas mais bem-sucedidas
do mundo não são necessariamente as mais talentosas. Elas são, segundo
eles, as mais sortudas.
Coisas boas acontecem com pessoas medíocres
Para conduzir a pesquisa, os pesquisadores criaram um mundo imaginário,
com 1.000 pessoas de diferentes graus de talento em posições aleatórias
que foram expostas a acontecimentos de sorte e azar.
Cada pessoa começou com a mesma quantidade (10 unidades) de capital.
Seu nível de talento (características como inteligência, habilidade ou
esforço) influenciava a probabilidade de que seriam capazes de
transformar uma oportunidade de sorte em mais capital.
Depois de uma simulação de 40 anos, cujo objetivo era representar a
carreira de uma pessoa, a distribuição da riqueza parecia péssima, como
acontece no mundo real, com uma pequena porcentagem de pessoas obtendo o
maior capital.
"As pessoas mais bem-sucedidas também eram as mais talentosas? Era de
se esperar... Se presumirmos que recompensamos as pessoas mais
bem-sucedidas porque são mais talentosas ou inteligentes do que os
demais", diz Pluchino.
"Mas descobrimos que não é o que acontece. Em vez disso, muitas vezes,
as pessoas mais bem-sucedidas têm um talento moderado, mas muita sorte.
Descobrimos que há uma correlação entre sorte e sucesso. Deparar-se com
uma série de eventos de sorte foi causa de sucesso, mesmo que o talento
individual da pessoa fosse inferior. Isso é o que geralmente vemos ao
nosso redor no mundo real. Há muitos exemplos de pessoas que não
consideramos particularmente inteligentes, mas que de certa forma
alcançam um bom nível de riqueza e sucesso", explica o pesquisador.
É preciso um certo nível de talento para explorar essas oportunidades
de sorte, dizem os especialistas, e esse "talento" pode ser qualquer
coisa, desde inteligência até trabalho duro.
Mas só talento não é suficiente. Na simulação, as pessoas que tinham o
maior nível de talento representavam apenas uma pequena parcela de
pessoas bem-sucedidas.
Mudanças nos bônus
Os resultados desse estudo podem ter implicações na maneira como os
formuladores de políticas e as agências de financiamento distribuem
oportunidades. Um exemplo é a distribuição de subsídios financeiros para
pesquisa acadêmica. E isso pode significar que as pessoas mais
talentosas - quem têm maior probabilidade de levar inovação adiante -
terão uma chance melhor de brilhar.
A equipe encontrou várias alternativas que podem mudar a forma como atualmente recompensamos pessoas que já são bem-sucedidas.
Em vez de distribuir bônus para executivos de alto desempenho, por
exemplo, uma estratégia seria dar uma pequena quantia de dinheiro para
todos - algo mais eficaz do que o sistema meritocrático na simulação por
computador.
Mesmo distribuir dinheiro a 25% dos funcionários aleatoriamente
(independentemente do seu desempenho prévio) beneficiou uma percentagem
mais elevada de gente talentosa, em relação a casos em que a recompensa é
dada apenas às pessoas mais bem-sucedidas.
Mas o desempenho no passado não é garantia de um desempenho no futuro, adverte Biondo.
"Se você valorizar o mérito exclusivamente pelos resultados passados,
ao perceber que seus resultados passados são fruto não apenas do
talento, mas também de eventos aleatórios de sorte, você verá que está
recompensando a sorte, não o mérito", diz.
Essa conclusão tem implicações interessantes para a sociedade como um
todo e poderia criar mais oportunidades para pessoas em todos os
setores.
"Melhorar a educação, saúde, tudo isso faz parte do projeto", diz Rapisarda.
"Ao expor as pessoas, especialmente na juventude, a acontecimentos com
mais fortúnios, você oferece mais oportunidades para que talentos
ocultos surjam na sociedade", acrescenta.
Os ricos ficam mais ricos
Além de fornecer dados para a elaboração de políticas em um nível
macroeconômico, entender o papel da sorte - por exemplo, nascer em um
país desenvolvido, ou de pais ricos - é benéfico em nível individual.
Na vida, costumamos dar mais atenção aos fatores que parecem nos
impedir de ter sucesso, esquecendo todos os outros que nos ajudam.
Um estudo de 2016 rotulou nossa tendência de ignorar a sorte como uma
espécie de assimetria de "ventos desfavoráveis": nos lembramos de quando
superamos barreiras (trabalhando contra um vento contrário), mas muitas
vezes negligenciamos as vantagens que recebemos na busca por nossas
metas (como um vento favorável).
A sorte também pode nos tornar mais generosos. Outro estudo, do autor do livro
Sucesso e Sorte: Fortúnios e o Mito da Meritocracia
Robert Frank, demonstrou que quando as pessoas se davam conta de como
eram afortunadas, ficavam mais propensas a dar dinheiro para caridade.
No estudo, três grupos foram convidados a contar um acontecimento
positivo. Um grupo foi solicitado a listar as características pessoais
que possibilitaram o acontecimento, outro foi solicitado a listar as
causas externas que provocaram o evento e um grupo de controle apenas
relatou a experiência positiva. Eles receberam um bônus monetário e a
oportunidade de doá-lo. Os participantes que listaram causas externas
doaram 25% a mais para caridade.
"É difícil levar as pessoas a pensar em forças e eventos externos", diz Frank.
"Mas achamos que, se você pedir que reflitam sobre isso - perguntando
sobre uma ocasião em que tiveram sorte, em vez de dizer que tiveram
sorte -, as pessoas se tornam mais generosas e dispostas a contribuir
para o bem comum", completa.
Por definição, acontecimentos ou experiências de sorte - onde você
nasceu, em que família você nasceu, quem você conhece - estão em grande
parte fora do seu controle. Dependem do acaso. Mas até mesmo os
pesquisadores italianos acreditam que há coisas que podemos fazer para
tentar aumentar nossa sorte.
"Exponha-se a tantas interações casuais e oportunidades quanto
possível", diz Pluchino. "Você ainda precisará de sorte, no entanto. Mas
provavelmente você não encontrará oportunidades de sorte se ficar
trancado em seu quarto."
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