Modelo cuja adoção está sendo debatida por deputados no Brasil gerou disputas dentro dos partidos e inviabilizou debate político focado nos interesses da população, diz cientista político japonês.
Uma das mudanças mais polêmicas no texto da reforma política aprovada
pela comissão da Câmara dos Deputados - e que começa a ser votada no
plenário nesta terça-feira - é a mudança do sistema eleitoral para o
"distritão", um modelo que funcionou no Japão do pós-guerra até o começo
dos anos 1990, mas foi extinto por causa do aumento dos gastos e pela
inviabilização do debate político.
Caso a proposta passe no Congresso, serão eleitos apenas os deputados e
vereadores com maior votação, daí o sistema ser considerado
majoritário. Hoje, no chamado sistema proporcional, valem os votos
recebidos pelo conjunto dos candidatos do partido e também pela legenda.
"Esse sistema (distritão) exige um maior investimento financeiro e é
preciso ficar de olho, pois pode aumentar as chances de corrupção",
afirmou à BBC Brasil Tokuou Konishi, professor e pesquisador do
Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Universidade Meiji em
Tóquio, especializado em história e atualidade política do Japão.
Na sua avaliação, isso ocorre porque os candidatos passam a trabalhar
com recursos limitados dentro dos partidos. "A competição interna pode
fazer com que os candidatos busquem recursos extras para obter destaque
em suas zonas eleitorais", explicou.
Hoje, o distritão vigora atualmente apenas no Afeganistão, na Jordânia e
em alguns pequenos países insulares e é criticado por especialistas e
por parte da classe política. Muitos acreditam que o modelo traz
problemas ainda maiores do que os do sistema proporcional atualmente
adotado no Brasil.
No caso do Japão, Konishi contou que o sistema era usado para escolha
de deputados e até funcionou bem no início, mas passou a gerar
competição entre candidatos do mesmo partido, o que provocou
controvérsias no debate político.
Corrupção
Sob o antigo sistema eleitoral, em uso desde 1947 e baseado no
distritão, os membros da Câmara dos Deputados japonesa eram eleitos por
meio de 129 distritos, que garantiam entre um e seis assentos cada.
O modelo acabou levando os partidos a adotarem estratégias, já que era
necessário colocar vários candidatos na maioria dos distritos para
ganhar lugares suficientes para obter uma maioria ou uma minoria
significativa de assentos.
Para maximizar a representação, as legendas precisavam encontrar
métodos para garantir que cada candidato tivesse o número mínimo de
votos necessário para ser eleito - mas não era vantagem que um deles
recebesse uma votação superior, o que poderia prejudicar os colegas.
Como forma de resolver o problema, o Partido Liberal-Democrata (PLD),
do atual primeiro-ministro Shinzo Abe, que dominou o cenário político
japonês por décadas, passou a oferecer "benefícios" para grupos em cada
distrito eleitoral para eleger seus candidatos, dando início a um
esquema de corrupção.
No início da década de 1990, a insatisfação da população resultou numa pressão para a reforma eleitoral.
Modelo combinado
Atualmente, o sistema eleitoral japonês combina votação uninominal e representação proporcional.
De um total de 480 deputados, 300 são eleitos com base em processo
eleitoral em 300 distritos. As 180 cadeiras restantes são escolhidas
pelo critério proporcional em 11 grandes zonas regionais.
Konishi aponta a falta de um debate político de interesse da população
como uma característica ruim do sistema antigo. Afinal, os candidatos
estavam mais preocupados com brigas internas que começavam bem antes das
campanhas políticas.
"Se os principais rivais são do mesmo partido, cada candidato precisava
fazer uma vitrine pessoal sobre o que já havia conquistado de melhorias
e serviços para a população. A competição dentro do mesmo partido
tornou o gasto de campanha elevado, o que acabou inviabilizando o
sistema", detalhou.
Para o pesquisador japonês, o lado bom é que neste sistema não
importava se um candidato popular tivesse muitos votos, pois o
importante era se eleger, independente de ser o primeiro ou o quinto
lugar.
"Diferente do que se pensa, existia ainda a possibilidade de eleger um
candidato também com menos votos. No geral, uma média de 13% dos votos
era suficiente para garantir uma vaga."
Konishi desconversa quando perguntado se o sistema pode dar certo em um país como o Brasil.
"Isso depende da cultura, história, situação política do país", disse,
para depois lembrar que o distritão tem pontos positivos e negativos. "O
mais importante é que os dois lados sejam analisados amplamente antes
de se tomar uma decisão."
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