Ver o paciente, não as doenças
Uma medicina com menos urgência e mais atenta às necessidades individuais de cada paciente, que priorize o diagnóstico clínico, e não os exames, e a prevenção, em vez da medicação.
Estes são alguns dos pontos defendidos pelo movimento "Medicina sem Pressa" (Slow Medicine), que desembarcou há pouco no Brasil.
Trata-se da versão medicinal de uma filosofia que teve origem na gastronomia em 1986, na Itália, e ganhou em 2004 sua bíblia, o livro Devagar - Como um Movimento Mundial está Desafiando o Culto da Velocidade, do jornalista Carl Honoré.
Ao destrinchar um movimento que pede calma numa sociedade estressada, o autor agradou leitores de todo o mundo e acabou na estante dos mais vendidos. E a moda "Sem Pressa" ganhou adeptos ao redor do planeta - e em diversas áreas.
Na medicina, o termo foi usado pela primeira vez pelo cardiologista italiano Alberto Dolara, num artigo publicado em 2002. Para ele, o movimento Medicina sem Pressa seria uma contrapartida ao "constante impulso de aceleração na sociedade moderna".
Um dos pilares da filosofia são as consultas médicas mais demoradas. A ideia é que o paciente seja visto como uma pessoa completa, não como um conjunto de enfermidades.
Mas há outros aspectos envolvidos. Entre eles estão o compartilhamento das decisões entre médico e paciente, a ênfase na saúde, e não na doença, e a prevenção como terapia.
Saúde mais barata
Os entusiastas da Medicina sem Pressa afirmam que suas propostas poderiam baratear o sistema de saúde ao propor, por exemplo, um menor uso de medicamentos e exames.
"Acho nossos remédios uma maravilha," afirma o Dr. José Carlos Aquino de Campos Velho, um dos responsáveis pelo lançamento da tendência no Brasil. "Hoje temos a possibilidade de curar ou controlar doenças que até 20 anos atrás matavam. Mas a questão é o uso abusivo e excessivo de medicamentos".
Segundo ele, é preciso questionar, por exemplo, certos casos em que drogas são utilizadas como instrumento de prevenção. "Um paciente com colesterol alto, mas que nunca teve nenhum episódio cardíaco mais grave, não fuma, não tem histórico familiar de doença do coração e se exercita, talvez não deva tomar remédio", disse.
Isso porque, avalia, é necessário medicar uma população enorme para se evitar um único infarto - o que aumenta os custos de planos particulares e do Sistema Único de Saúde (SUS). Por outro lado, afirma, cria-se uma ampla gama de pacientes sujeitos aos efeitos colaterais dos medicamentos, como mialgia, miopatia, diabetes e problemas cognitivos.
Recentemente especialistas alertaram para osriscos da radiação em tomografias computadorizadas realizadas quando não é estritamente necessário. E os pediatras alertam sobre exames e tratamentos desnecessários para crianças.
[Imagem: Wikipedia]
[Imagem: Wikipedia]
Excesso de exames
Outro aspecto da medicina atual que é criticado pelos adeptos da Medicina sem Pressa é o excesso de pedidos de exames.
Para Campos Velho, o fenômeno traz uma série de problemas, que vão dos custos elevados ao estresse, muitas vezes desnecessário, de um paciente que tem de aguardar uma semana para saber, por exemplo, que aquela manchinha de nascença não se transformou em um câncer fatal.
"Não é que a gente seja contra os exames", disse. "Mas a gente defende que isso deve ser individualizado. Que a decisão deve ser tomada de maneira consciente pelo paciente, depois de ele ser informado sobre os riscos e benefícios que pode ter."
Campos Velho usou como exemplo uma dor nas costas: "Se não tiver nenhum indicador que possa sinalizar um problema mais sério como um câncer, por exemplo, não se deve nem fazer um exame de imagem. Porque, ao fazer uma ressonância ou um raio X, é provável que se encontre alterações que talvez nem tenham relação com a dor, mas que possam ser passíveis de procedimentos."
A solução para casos como esse? Tempo, responde o médico. Se necessário medicar com analgésico e anti-inflamatório e esperar para ver como os sintomas se comportam.
A decisão deve ser tomada de maneira consciente pelo paciente, depois de ele ser informado sobre os riscos e benefícios que pode ter.Dr. Campos Velho
Marketing das doenças
O movimento Medicina sem Pressa ganha uma boa dose de polêmica por se colocar contra campanhas como o Outubro Rosa, voltado à prevenção docâncer de mama, e o Novembro Azul, que incentiva o diagnóstico precoce decâncer de próstata - praticamente todos os meses do ano já têm sua cor.
"Virou uma campanha de marketing que gera um grande número de solicitação de exames", opina Campos Velho. "Muitos desses exames acabam gerando procedimentos e muitos desses procedimentos são invasivos e levam a cirurgias que podem causar impotência e incontinência urinária", disse referindo-se ao câncer de próstata.
Segundo ele, além dos falsos positivos, há um grande número de pacientes que vai, sim, desenvolver o câncer, mas que, por estar em idade avançada ou sofrendo de males diversos, acabará morrendo por outros motivos.
Seu colega, o urologista Márcio D'Imperio, cita dados de um estudo publicado em 2012 pela revista médica New England Journal of Medicine, que acompanhou 180 mil homens entre 50 e 74 anos. Os resultados indicaram que, ainda que tenham sido diagnosticados mais tumores, a mortalidade geral dos pacientes que fizeram rastreamento por meio do exame PSA e dos que não fizeram foi praticamente a mesma: de aproximadamente 18%.
Além disso, apontaram que, ao se fazer exames numa população ampla, sem triagem prévia, evita-se apenas uma morte para cada 1.055 homens examinados.
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