21 set 2016
15h23
atualizado às 15h54
Promissora na década de 1980, a indústria brasileira entrou em declínio
e hoje representa apenas pouco mais de 10% do Produto Interno Bruto do
país.
O conjunto de fatores que colaboraram para essa tendência foi observado
em toda a América Latina, mas o Brasil, por seu tamanho e relevância, é
o mais significativo caso de desmantelamento precoce da indústria,
aponta relatório da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e
Desenvolvimento, Unctad, divulgado nesta quarta-feira.
O documento anual, que avalia o cenário econômico mundial, abordou
amplas tendências econômicas e no caso do Brasil destacou o quadro de
retrocesso. De acordo com a Unctad, no começo da década de 1970 a
participação das manufaturas na geração de emprego e valor agregado no
Brasil correspondiam a 27,4%, em valores da época, enquanto que em 2014
essa participação caiu para 10,9%.
"Todo o sistema que tinha por objetivo industrializar o país entrou em
colapso", disse à BBC Brasil Alfredo Calcagno, chefe do departamento de
Macroeconomia e Políticas de Desenvolvimento da Unctad.
Na avaliação da Unctad e dos entrevistados pela reportagem, o processo
teve início com os choques econômicos vividos pelo mercado nacional nos
anos 80, se intensificou com a abertura comercial no começo dos anos 90,
seguido pelo abandono das políticas desenvolvimentistas, e pelo emprego
da taxa de câmbio como ferramenta no combate à inflação. Depois, a
desindustrialização foi favorecida por reformas liberalizantes do Fundo
Monetário Internacional e do Banco Mundial e, mais recentemente, pela
pauta exportadora focada em commodities e por um real considerado
valorizado.
"O caminho para a industrialização do Brasil foi claramente
interrompido", afirmou à BBC Brasil Paulo Francini, diretor da Fiesp
(Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
Precoce
A desindustrialização é considerada precoce pela Unctad quando uma
economia não chega a atingir toda sua potencialidade produtiva
manufatureira e, em vez de evoluir em direção à indústria de serviços
com alto valor agregado - setor terciário -, regride para a agricultura
ou cai na informalidade.
O Brasil, no caso, sempre teve expressiva produção agrícola (setor
primário), cuja riqueza à partir dos anos 1930 foi canalizada para
incentivar o desenvolvimento de uma indústria nacional (setor
secundário) por meio de planos estatais.
Países ricos também passam pelo fenômeno de desindustrialização, mas de
forma diferente. Com o acúmulo de riqueza, esses países investiram na
capacidade produtiva intelectual da população por meio de educação e
pesquisa, o que gerou empregos mais sofisticados no setor de serviços. É
um movimento de transformação e geração da mais riqueza, e não
necessariamente a perda dela.
A produção de um iPhone é um bom exemplo. O celular em si é fabricado
na China, mas seu design foi desenvolvido na Califórnia, nos Estados
Unidos. O trabalho de um engenheiro de design californiano - setor
terciário - é muito mais bem pago e complexo do que o de um montador de
componentes na linha de produção da China - setor secundário. O trabalho
executado nos EUA é mais produtivo, pois agrega maior valor - riqueza -
à economia.
Para muitos economistas, o amadurecimento econômico de um país, do
setor primário até o terciário, passa necessariamente pela etapa do
desenvolvimento industrial, que permitiria o acúmulo de capital e
conhecimento produtivo necessários para sustentar a transição rumo a
empregos com maior sofisticação intelectual e mais produtivos.
Desmantelamento
Inicialmente impulsionada pela substituição de importações e
sequencialmente estimulada por políticas desenvolvimentistas, a
indústria brasileira experimentou seu auge no começo dos anos 1980,
quando chegou a responder por mais de 30% da geração de valor agregado e
emprego no país, segundo números da ONU. A década, porém, além de
testemunhar o auge, também registrou o começo da queda.
"Os anos 80 foram marcados por crises de choque na América Latina. No
Brasil se desmontaram as instituições e mecanismos que eram capazes de
manter um sistema industrial competitivo", explica Pedro Rossi,
professor de economia da Unicamp, escola tradicionalmente ligada ao
desenvolvimentismo. A dívida externa, a desorganização fiscal e a
hiperinflação consumiram a capacidade do governo de promover políticas
ativas, levando à negligência da indústria.
Com a abertura do mercado às importações durante o governo Collor, no
início dos anos 1990, produtos estrangeiros conquistaram a preferência
do consumidor, em detrimento de similares nacionais. Posteriormente, a
adoção de um câmbio forte como forma de combate à inflação contribuiu
para a perda de competitividade nas exportações, outro abalo à
indústria.
"Na década de 90 a política econômica se preocupou unicamente com o
combate à inflação e os instrumentos para esse combate foram
extremamente prejudiciais à indústria", avalia Rossi.
Condições
De acordo com a Unctad, medidas liberais exigidas pelo Banco Mundial e
pelo Fundo Monetário Internacional como precondição para empréstimos
também tiveram impacto sobre a indústria brasileira e latino-americana,
no fim da década de 90.
"As exigências dessas instituições incluíam a abertura de mercados,
privatização, desregulamentação, (…) livre movimento de capitais. Tudo
isso mudou a estrutura e orientação da economia de uma forma que foi
completamente oposta ao que se tinha até então no Brasil", conta
Calcagno. "Uma indústria que estava crescendo rapidamente promovida pelo
BNDES e apoiada por um mercado doméstico em crescimento - todo esse
sistema que objetivava industrializar o país entrou em colapso."
A entrada de capital no Brasil, propiciada pelo superciclo de
exportação de commodities na primeira década deste século, acabou
valorizando a moeda e gerando pressões inflacionárias, que foram, mais
uma vez, contidas com juros altos. Apesar de possuir os recursos em
termos de capital excedente, a tentativa de retomada de políticas de
diversificação durante o governo Lula esbarrou, segundo analistas, na
taxa de câmbio, na ineficiência, em problemas de gestão e denúncias de
corrupção.
"Mesmo com as iniciativas pontuais de estímulo, nós não construímos um
arcabouço coerente pra sustentar a indústria brasileira, que permaneceu
em queda, em especial após a crise de 2008", avalia Rossi, da Unicamp.
Retomada
Num cenário pós-crise de 2008, a retomada do crescimento econômico
global passará pelo resgate do consumo da classe média nos países ricos,
opina a Unctad. Aos países em desenvolvimento é feita a recomendação de
que trabalhem em suas economias domesticamente, frente a um cenário
internacional pouco otimista.
Ao Brasil, num momento em que ainda profundamente imerso nos seus
próprios problemas, a organização recomenda apoio estatal ao estímulo
industrial e uso do capital estrangeiro - seja ele em investimento
direto ou especulativo.
"A experiência de sucesso de países industrializados demonstra que a
transformação estrutural exige atenção a diferentes fontes de
crescimento, incluindo estimular investimento privado e público,
apoiando o desenvolvimento tecnológico, fortalecendo a demanda doméstica
e aumentando a capacidade dos produtores domésticos de cumprir
exigências internacionais".
A Fiesp, apesar de apoiar Temer, diz ainda não ter clareza sobre as
políticas de estímulo ao setor do novo governo, nas palavras de
Francini. "Vai depender de convencimento. Os formuladores de políticas
precisam ter o entendimento de o que representa a indústria num país com
as dimensões do Brasil", opina.
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