Para especialista, modelo
proposto por ministro de Bolsonaro pode gerar aumento de impostos e conta
impagável
Paulo
Guedes, ministro da Economia do governo Bolsonaro, anunciou na noite de
terça-feira 8 a mudança do sistema previdenciário na reforma da Previdência que
apresentará em fevereiro ao Congresso Nacional. Hoje o modelo é de repartição,
que se resume na contribuição das pessoas em atividade para pagar os benefícios
daqueles que já se aposentaram.
Segundo Guedes, o sistema a ser implantado seria o
da capitalização – caso a proposta seja apresentada e aprovada na Câmara e no
Senado. O próprio ministro admitiu que a mudança terá um custo alto. CartaCapital
conversou com o especialista em previdência e professor da FGV, Kaizô Beltrão
para entender como funciona o modelo proposto e quais são os pontos mais
polêmicos.
Beltrão estima que uma mudança do sistema pode
custar dois PIB’s brasileiro – o equivalente a 4,1 trilhões de dólares – ao
bolso do contribuinte, com mais impostos, além de ser uma mudança arriscado por
depender de outras variáveis da economia. Segundo ele, sair do sistema de
repartição para o sistema de capitalização “é querer mudar de trem em alta
velocidade”.
Carta Capital: O que é o sistema de capitalização na
Previdência?
Kaizô Beltrão: Primeiro é preciso saber que existe dois tipos de capitalização. Capitalização coletiva e capitalização individual. Paulo Guedes falou de capitalização individual. Nela, cada pessoa tem uma conta separada em que se deposita os valores. Funciona um pouco como o FGTS de agora. Você tem uma contribuição e tem uma conta. Um dia, quando achar que tem dinheiro suficiente ou quando decidir que não quer mais trabalhar, você começa a tirar dinheiro de lá. Para tirar o dinheiro foi implantada diferentes formas nos países que já implantaram esse regime.
Kaizô Beltrão: Primeiro é preciso saber que existe dois tipos de capitalização. Capitalização coletiva e capitalização individual. Paulo Guedes falou de capitalização individual. Nela, cada pessoa tem uma conta separada em que se deposita os valores. Funciona um pouco como o FGTS de agora. Você tem uma contribuição e tem uma conta. Um dia, quando achar que tem dinheiro suficiente ou quando decidir que não quer mais trabalhar, você começa a tirar dinheiro de lá. Para tirar o dinheiro foi implantada diferentes formas nos países que já implantaram esse regime.
Você pode “comprar” no próprio sistema uma renda
vitalícia em que pode receber certa quantia mensalmente – e acho que é
isso que o Guedes está propondo – ou receber tudo de uma vez. Esse último caso
normalmente é condenado porque as pessoas não conseguem planejar o futuro.
Existe outras possibilidades: no Chile a pessoa tem
o seu próprio fundo e ela pega e divide esse fundo para uma mensalidade como
ela quer, geralmente com base na sua expectativa de vida.
CC: Então o sistema de capitalização consiste no
trabalhador financiar sua própria aposentadoria?
KB: Não obrigatoriamente. Pode ter um sistema de capitalização que só o indivíduo pague ou um modelo em que ambos, empresa e indivíduo, paguem.
KB: Não obrigatoriamente. Pode ter um sistema de capitalização que só o indivíduo pague ou um modelo em que ambos, empresa e indivíduo, paguem.
CC: Quais os pontos positivos e negativos do
sistema de capitalização que Paulo Guedes propõe?
KB: Acho problemático nesse sistema o fato de haver uma geração “sanduíche” que terá que pagar as duas coisas.
KB: Acho problemático nesse sistema o fato de haver uma geração “sanduíche” que terá que pagar as duas coisas.
CC: O próprio ministro disse que a transição tem um
custo muito alto. O que isso significa?
KB: O custo muito alto a que ele se refere fala justamente sobre essa geração que terá que acumular na capitalização a própria aposentadoria e irá, através do governo, continuar pagando para os aposentados como um todo. A geração sanduíche terá uma dupla carga, terá que pagar para eles e para os pais deles. Esse é o problema. Eu estimo que o custo dessa transição seja algo entorno de dois PIB’s, esticado no tempo, mas isso implica num gasto maior do governo.
KB: O custo muito alto a que ele se refere fala justamente sobre essa geração que terá que acumular na capitalização a própria aposentadoria e irá, através do governo, continuar pagando para os aposentados como um todo. A geração sanduíche terá uma dupla carga, terá que pagar para eles e para os pais deles. Esse é o problema. Eu estimo que o custo dessa transição seja algo entorno de dois PIB’s, esticado no tempo, mas isso implica num gasto maior do governo.
CC: Quanto tempo, na sua avaliação, duraria esse
período de transição? KB: Uns 20 ou 30 anos porque depende de o pessoal que já
está contribuindo para o sistema antigo desaparecer.
CC: João Doria e Bruno Covas tentaram implantar o
sistema de capitalização na reforma da previdência municipal, mas recuaram.
Qual poderia ser o motivo desse recuo?
KB: A Constituição de 1988 possibilitou a todos os entes federados a criação de regimes próprios. E qual é a vantagem de um regime próprio? É que o pessoal que já estava aposentado não pertencia a ele – era do regime geral no INSS -, e toda a renda que entrasse era direta para o governo municipal, estadual, o que fosse. Mas conforme as pessoas iam se aposentando, a carga ficou pesada e então se tentou o sistema de capitalização. Acontece que todo o trabalhador novo, caso haja uma renovação grande do quadro, não vai contribuir para o sistema e isso fica mais caro.
KB: A Constituição de 1988 possibilitou a todos os entes federados a criação de regimes próprios. E qual é a vantagem de um regime próprio? É que o pessoal que já estava aposentado não pertencia a ele – era do regime geral no INSS -, e toda a renda que entrasse era direta para o governo municipal, estadual, o que fosse. Mas conforme as pessoas iam se aposentando, a carga ficou pesada e então se tentou o sistema de capitalização. Acontece que todo o trabalhador novo, caso haja uma renovação grande do quadro, não vai contribuir para o sistema e isso fica mais caro.
CC: Então fica caro para o contribuinte e cria-se
um déficit ainda maior para o governo?
KB: Fica mais caro porque eles vão estar em um país, em uma sociedade ou em um estado que está tendo que pagar isso. Então ou o governo imprime dinheiro – o que não vai fazer – ou terá que cobrar dos contribuintes com mais impostos.
KB: Fica mais caro porque eles vão estar em um país, em uma sociedade ou em um estado que está tendo que pagar isso. Então ou o governo imprime dinheiro – o que não vai fazer – ou terá que cobrar dos contribuintes com mais impostos.
CC: Qual o modelo mais adequado?
KB: Depende da história de cada país, de como se desenvolveu. O que tem acontecido no Brasil é o que chamamos de reformas paramétricas em que se define outra idade, se define outro tempo de contribuição. Eu acho que a longo prazo, se continuar no sistema atual, vamos ter que aumentar a idade de aposentadoria – colocar uma idade mínima para aposentar – porque de alguma forma o sistema é perverso. Quem consegue se aposentar por tempo de contribuição, normalmente, é gente mais rica, já que os mais pobres trabalham no mercado informal, têm uma história de trabalho mais intermitente e têm mais períodos de desemprego. Quem tem um emprego regular é, geralmente, o pessoal da classe média, classe alta.
KB: Depende da história de cada país, de como se desenvolveu. O que tem acontecido no Brasil é o que chamamos de reformas paramétricas em que se define outra idade, se define outro tempo de contribuição. Eu acho que a longo prazo, se continuar no sistema atual, vamos ter que aumentar a idade de aposentadoria – colocar uma idade mínima para aposentar – porque de alguma forma o sistema é perverso. Quem consegue se aposentar por tempo de contribuição, normalmente, é gente mais rica, já que os mais pobres trabalham no mercado informal, têm uma história de trabalho mais intermitente e têm mais períodos de desemprego. Quem tem um emprego regular é, geralmente, o pessoal da classe média, classe alta.
CC: Na sua opinião, qual modelo seria melhor para o
Brasil?
KB: Se estivéssemos começando do zero, o sistema mais adequado poderia ser o da capitalização, mas não é o nosso caso porque já estamos andando, então é querer mudar de trem em alta velocidade e há o risco de descarrilar.
KB: Se estivéssemos começando do zero, o sistema mais adequado poderia ser o da capitalização, mas não é o nosso caso porque já estamos andando, então é querer mudar de trem em alta velocidade e há o risco de descarrilar.
O discurso de quem defende o sistema da
capitalização é aquele que afirma que será possível fazer investimentos com
esse sistema, mas o que tem acontecido é que esses fundos não têm sido
aplicados em investimentos produtivos.
CC: O que significa o descarrilamento? Qual o risco
real?
KB: O risco é termos uma conta impagável. Se o sistema se altera, o custo será dois PIB’s, mas ainda há diferentes variáveis que precisam estar bem. Dependerá de como vai ficar a economia, como as pessoas estarão no mercado de trabalho… Precisaria ajustar o mercado de trabalho, acabar com a informalidade, ajustar o custo Brasil e, mesmo assim, é uma conta cara de pagar.
KB: O risco é termos uma conta impagável. Se o sistema se altera, o custo será dois PIB’s, mas ainda há diferentes variáveis que precisam estar bem. Dependerá de como vai ficar a economia, como as pessoas estarão no mercado de trabalho… Precisaria ajustar o mercado de trabalho, acabar com a informalidade, ajustar o custo Brasil e, mesmo assim, é uma conta cara de pagar.
É como se você tivesse uma família, seu pai não se
aposentou e você tem que ficar pagando para ele, mantendo o seu pai, mantendo a
você e pensando no seu futuro. Isso é a economia do país. As pessoas vão ter
que continuar vivendo com a renda, vão ter que pagar quem está aposentado e vão
ter que financiar a própria aposentadoria.
CC: Há outro sistema possível?
KB: Hoje temos o sistema de repartição em que, basicamente, significa que quem está trabalhando contribui e quem está aposentado recebe. Enquanto a população de trabalhadores ia crescendo, não tinha o problema para pagar os beneficiários porque, quando o sistema começou, havia algo como 30 trabalhadores para cada beneficiário, então dava para pagar bem. Agora nós temos menos de dois.
KB: Hoje temos o sistema de repartição em que, basicamente, significa que quem está trabalhando contribui e quem está aposentado recebe. Enquanto a população de trabalhadores ia crescendo, não tinha o problema para pagar os beneficiários porque, quando o sistema começou, havia algo como 30 trabalhadores para cada beneficiário, então dava para pagar bem. Agora nós temos menos de dois.
Isso pode se ajustado, por exemplo, aumentando a
idade para aposentadoria, mudando a regra para pensão e de acúmulo de
benefícios. Nosso sistema, se fizermos alguns ajustes paramétrico, tem algum
fôlego.
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