A transação evitável à Boeing encurta o voo da melhor empresa do País e ameaça os futuros aviões militares
O governo tinha poder de veto à venda de 80% do capital da
empresa privada Embraer, terceira maior fabricante de aviões do mundo, à
Boeing, a maior do setor, caso identificasse risco à soberania
nacional, mas decidiu na quinta-feira 10 dar sinal verde ao negócio com a
justificativa de que os interesses do País estariam preservados. Não é o
que parece. Mostrando desinformação e uma leitura errada da dinâmica da
concorrência global, na melhor das hipóteses, o governo deu sinal verde
a um negócio péssimo para a Embraer e o Brasil, mas ótimo para a
Boeing, mostra em detalhes o coordenador do Laboratório de Estudos das
Indústrias Aeroespaciais e de Defesa da Unicamp, professor Marcos José
Barbieri Ferreira, na entrevista abaixo. Dominante no segmento de jatos
menores de 150 assentos, a Embraer é a única grande empresa brasileira
de alta tecnologia que possui uma inserção ativa no mercado
internacional. É também a principal empresa estratégica de defesa do
Brasil, tendo o domínio de tecnologias sensíveis que são utilizadas em
aeronaves, radares, satélites e sistemas de monitoramento. Segundo
Ferreira, há um elevadíssimo risco de perda da capacitação tecnológica
da Embraer remanescente, comprometendo o desenvolvimento de futuras
tecnologias e produtos, particularmente aeronaves, de emprego militar.
Pouco após a aprovação da operação pelo governo, a agência de
classificação de risco S&P Global Rating ameaçou rebaixar a nota da
Embraer, porque a transação realizada “vai enfraquecer consideravelmente
o seu perfil de negócios”, devido à redução da escala. Pior ainda: a
operação, mostra Ferreira sobejamente, não era imperiosa nem inevitável.
Tudo e nada. A Embraer entregou à Boeing a liderança mundial em jatos com menos de 150 lugares e corre risco de perder a capacitação tecnológica
Segundo Wagner Farias da Rocha, professor de Engenharia Aeronáutica
do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e aviador da Força Aérea
Brasileira, “a transferência de controle da Embraer foi apresentada ao
público de forma irregular e resultará na perda da capacidade da Embraer
de projetar e produzir aviões, o que levará a empresa a regredir para o
estágio tecnológico dos anos 1950”. Em audiência pública no Supremo
Tribunal Federal, Farias da Rocha disse que o negócio não é uma joint venture,
conforme anunciado, pois transfere os principais ativos para a
concorrente Boeing. A empresa afirmou que a operação envolvia a aviação
comercial, mas de fato estão sendo transferidas as unidades de
engenharia. “A Embraer que sobrou não conseguirá desenvolver aeronaves,
modelos de tipos certificados nem tem engenharia de base para suporte de
serviços, modificações e alterar projeto”, previu o professor do ITA.
Para o desembargador Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal
da 3ª Região, “a situação retratada é de verdadeira aquisição,
travestida de negócio jurídico denominado ‘joint venture'”. De Sanctis
manifestou-se em resposta ao recurso movido pela União contra a liminar
obtida, no dia 19, pelos sindicatos dos metalúrgicos de São José dos
Campos, Botucatu e Araraquara.
“Os apoiadores da operação foram bem-sucedidos em apresentar à
sociedade como positiva uma transação que está longe de ser um acordo, é
algo totalmente assimétrico e isso não foi mostrado ao público”,
dispara Ferreira, da Unicamp, que a seguir detalha a transação e suas
consequências.
Os países que buscam algum protagonismo evitam a desnacionalização
CartaCapital: A operação Boeing-Embraer, aprovada
pelo governo na quinta-feira 10, foi apresentada pelos que a apoiam ora
como fusão, ora como acordo, ora como aliança. É disso mesmo que se
trata? Por quê?
Marcos José Barbieri Ferreira: A operação entre
Boeing-Embraer, oficialmente denominada como uma “parceria estratégica”,
na realidade resume-se a duas operações que envolvem aquisição de
negócios da Embraer pela Boeing. A mais importante delas, e que foi
claramente explicitada nos memorandos de entendimento divulgado pelas
empresas, relaciona-se à aquisição dos negócios de aviação comercial da
Embraer pela Boeing. Nesta operação, a Boeing adquire 80% do capital e,
além disso, assegura para si o integral controle estratégico,
operacional e administrativo dos negócios de aviação comercial da
Embraer, que passam a integrar a cadeia de fornecimento e produção da
empresa estadunidense em âmbito global. Todo o negócio de aviação
comercial da Embraer, que vem respondendo por cerca de 58% das receitas e
90% dos lucros da companhia, será cindido e se tornará uma subsidiária
sob total controle da Boeing. A segunda operação envolve a constituição
de joint venture a partir dos negócios do avião de transporte
militar KC-390 em novos mercados. De acordo com o que foi apresentado, a
Embraer manterá o controle, mas a Boeing terá 49% desta operação. No
entanto, não foi esclarecido se a mesma será restrita às atividades de
venda e pós-venda, ou se também envolverá as atividades de engenharia e
produção da aeronave no Brasil, ou mesmo no exterior. Também não foi
definido como será a divisão do controle entre a Embraer e a Boeing
nesta nova empresa. Cabe esclarecer que esta aeronave representa o
principal produto da área de defesa da Embraer, com boas perspectivas de
venda no mercado internacional. Em suma, o principal negócio da Embraer
(aviação comercial) se tornará uma subsidiária da Boeing e o principal produto da área de defesa terá a Boeing como sócia.
CC: A aquisição da área de negócios de aviação comercial da Embraer pela Boeing era inexorável? Por quê?
MJBF: Este é o principal argumento dos que defendem a
venda dos negócios da aviação comercial da Embraer para a Boeing.
Segundo eles não há alternativas, ou esta operação é prontamente
realizada ou a Embraer não terá condições de competir e deixará de
existir num prazo relativamente curto. A partir desta hipótese, qualquer
parceria com a Boeing seria melhor do que nenhuma parceria. No entanto,
esta hipótese não se sustenta. Atualmente a Embraer é a terceira maior
fabricante de aeronaves comerciais do mundo, dominando o segmento de
jatos menores de 150 assentos. Dada essa posição de liderança, a Embraer
provavelmente sofreria perdas marginais de mercado em razão da entrada
em operação da nova família de jatos da Airbus-Bombardier, mas nada
indica que perderia as condições de continuar disputando a liderança
desse segmento de mercado, pelo menos nesta década. Nesse prazo,
relativamente longo, a Embraer muito provavelmente teria condições de se
capacitar, sozinha ou através de parcerias, para construir uma nova
geração de aeronaves comerciais na próxima década.
CC: A justificativa da venda do negócio de aviação
comercial da Embraer à Boeing como necessária à ampliação da escala
empresarial é aceitável e suficiente? Por quê?
MJBF: Aqui se apresenta a maior das contradições
relacionadas à operação Boeing-Embraer, pois parte de uma constatação
verdadeira, qual seja, de que a escala é um elemento fundamental dentro
do padrão de concorrência da indústria aeronáutica. Dessa maneira, a
operação atende os interesses da companhia estadunidense em ampliar suas
escalas, pois ela passa a incorporar os negócios da Embraer, que é,
vale repetir, a empresa líder mundial do segmento de aeronaves
comerciais com menos de 150 assentos. Contudo, pelo lado da Embraer
temos exatamente o oposto, um desmonte da empresa, que perde sua
principal unidade de negócios. Haverá uma perda de escala, a Embraer
provavelmente deixará de ser uma empresa de cerca de 6 bilhões de
dólares de faturamento anual, média aproximada dos últimos anos, para se
tornar, grosso modo, uma empresa de menos de 3 bilhões, abaixo
da metade do que é atualmente. Além disso, é fundamental esclarecer que
a empresa brasileira vai perder a sinergia que existe entre as suas
diferentes áreas de negócios. Ao contrário do veiculado, tal operação de
desmonte resultará na diminuição da competitividade da companhia e isso
já está sendo precificado pelo mercado. Por exemplo, após a aprovação
da operação pelo governo brasileiro, a agência de classificação de risco
S&P Global Rating colocou o rating da Embraer em
observação negativa, pois, segundo a própria S&P, a Embraer terá
menor escala e maior concentração de clientes na divisão de defesa.
CC: Como vê o argumento de que a concorrência com a
Embraer aumentou com a entrada de novas empresas da China, Rússia e
Japão e por isso era necessário vendê-la?
MJBF: As indústrias aeronáuticas russa e chinesa já
concorrem com a Embraer, mas com aeronaves que são tecnologicamente
inferiores e estão voltadas quase que exclusivamente para o atendimento
das demandas dos respectivos mercados internos. Apenas a Mitsubishi
japonesa pode ser considerada uma nova competidora, mas vem enfrentando
uma série de dificuldades e atrasos no desenvolvimento do seu jato
comercial, que, por sua vez, vai concorrer apenas na faixa de aviões com
até 90 assentos. Há décadas não produz um único avião comercial. Em
resumo, as empresas desses três países concorrem marginalmente com a
Embraer.
CC: A questão tecnológica é o ponto-chave do qual não há como escapar? Por quê?
MJBF: Atualmente, observa-se uma revolução
tecnológica em marcha, decorrente da implementação de um amplo conjunto
de tecnologias disruptivas que estão trazendo grandes impactos sobre a
estrutura produtiva mundial, particularmente sobre os setores mais
intensivos em tecnologia, como é o caso da indústria aeronáutica. Nesse
contexto de grandes mudanças estruturais, a Embraer é a única grande
empresa brasileira de alta tecnologia que possui uma inserção ativa no
mercado internacional. A competência da Embraer está em integrar um
amplo conjunto de novas tecnologias para desenvolver e produzir
aeronaves. Dessa maneira, a Embraer ocupa uma posição ímpar na indústria
brasileira. Primeiro, por ser a grande fabricante de aeronaves do país,
praticamente se confundindo com a própria indústria aeronáutica
brasileira. Segundo, e ainda mais importante, por ser a única grande
empresa brasileira que possui elevada competência na integração de
sistemas complexos de alta tecnologia. Além disso, cabe ressaltar que a
Embraer é a principal empresa estratégica de defesa do Brasil, tendo o
domínio de tecnologias sensíveis que são utilizadas em aeronaves,
radares, satélites e sistemas de monitoramento.
CC: Os defensores do negócio realizado admitem que
realmente a questão tecnológica é importante, mas não havia alternativa.
É isso mesmo?
MJBF: As estratégias tecnológicas que vinham sendo
adotadas pela Embraer seguiam na direção correta e estavam assentadas na
significativa ampliação dos gastos em P&D e no estabelecimento de
parcerias tecnológicas com outras empresas, particularmente para entrar
em novos negócios. Entre as principais parcerias estratégicas da
Embraer, duas merecem destaque. Uma delas é excelente parceria com a
empresa sueca Saab, que permitirá à Embraer ser sócia no projeto e na
produção dos sofisticados aviões de caça Gripen NG. A outra parceria
refere-se à participação da Embraer no revolucionário projeto do veículo
urbano aeronáutico autônomo, Uber Elevate. Esse projeto vinha
permitindo a capacitação da empresa brasileira no desenvolvimento e
incorporação de um amplo conjunto de tecnologias disruptivas. Ademais,
na hipótese de o projeto ser bem-sucedido, a Embraer provavelmente
ocuparia uma posição de destaque nesse novo e promissor segmento da
indústria aeronáutica. Em contraposição a essas estratégias, que vinham
ampliando a competência tecnológica da Embraer, a parceria com a Boeing
resultará em uma substantiva perda desta competência.
Incorporar a equipe de engenharia da brasileira era a meta da Boeing
CC: As tendências mundiais de aumento dos
investimentos em pesquisa e desenvolvimento em relação à receita líquida
das empresas e de concentração das atividades de inovação não seria uma
justificativa para operações como a realizada entre Boeing e Embraer?
Por quê?
MJBF: Uma das características da atual revolução
tecnológica é o elevado grau de concentração das atividades inovativas
em termos de países, setores e empresas. Exatamente por isso, os países
que buscam ter algum grau de protagonismo nesta revolução tecnológica
estão adotando medidas concretas para proteger e fortalecer suas
empresas de alta tecnologia, evitando, principalmente, a
desnacionalização. Assim, a operação entre a Boeing e a Embraer vai na
direção contrária das políticas que estão sendo adotadas pelos países
mais avançados.
CC:
A Embraer investiu em atividades inovativas mais do que a média do
setor aeroespascial e de defesa e isso permitiu desenvolver a família de
jatos comerciais E2, com 300 novas encomendas só na feira de
Farnborough, na Inglaterra. Esse investimento contribuiu ainda para o
desenvolvimento do cargueiro militar KC390, líder mundial na categoria.
Esses lançamentos associados a investimentos em modernização e
automatização da estrutura fabril não colocam a empresa em condições de
competir com seus principais concorrentes, lançando por terra portanto
os argumentos dos defensores da operação com a Boeing?
MJBF: Correto. A entrada em operação da nova família
de jatos comerciais E2 e dos aviões militares, KC390 e Gripen NG,
associados à ampliação e modernização da estrutura produtiva, colocam a
Embraer não apenas em condições de competir com seus principais
concorrentes, mas de ampliar sua escala e faturamento de maneira
significativa. Somente os novos aviões militares permitiriam ampliar o
faturamento anual da Embraer em pelo menos 1,5 bilhão de dólares ao
longo dos próximos dez anos.
CC: Se o investimento na área de aviação civil
contribuiu para o desenvolvimento do KC-390, a cisão da companhia em uma
empresa encarregada da área civil controlada pela Boeing e outra
destinada à aviação militar e sob controle da Embraer não poderia
prejudicar futuras evoluções tecnológicas e inovações no segmento de
produtos militares?
MJBF: Exatamente. O maior risco tecnológico na área
de defesa está relacionado com a cisão dos negócios da Embraer, pois
implicará a divisão da estrutura de engenharia e desenvolvimento, que
opera de maneira integrada entre as três áreas, a comercial, a executiva
e a de defesa. Dessa forma, há um elevadíssimo risco de perda da
capacitação tecnológica da Embraer remanescente, comprometendo o
desenvolvimento de futuras tecnologias e produtos, particularmente
aeronaves, de emprego militar.
CC:
Há o risco de a Embraer tornar-se apenas uma parte da atividade
produtiva e comercial da Boeing e, cada vez menos, desenvolver as
atividades inovativas? Por quê?
MJBF: O próprio memorando de entendimento explicita
que os negócios de aviação comercial da Embraer, incluindo toda
capacidade de desenvolvimento, produção e comercialização dessas
aeronaves (pesquisa e desenvolvimento, engenharia, unidades produtivas,
estrutura de venda e pós-venda, marketing e inteligência de mercado),
serão segregados da estrutura da Embraer e passarão a fazer parte da
cadeia de fornecimento e produção da Boeing. Em razão disso, as decisões
estratégicas e as atividades inovativas de maior valor agregado deverão
estar concentradas na Boeing, enquanto a unidade brasileira estará em
uma posição subordinada dentro da cadeia de fornecimento da empresa
estadunidense, tendendo a se concentrar nas atividades produtivas. Neste
contexto, a capacidade inovativa remanescente na subsidiária brasileira
deverá ser cada vez menor e voltada para atender a demandas específicas
da matriz.
CC: Quais os riscos associados à geração de empregos no Brasil?
MJBF: Pode-se inferir que deverá existir uma
significativa diminuição dos empregos relacionados às atividades de
desenvolvimento tecnológico. A mudança do centro decisório para a Boeing
também deverá impactar negativamente sobre as atividades de comando da
companhia, como inteligência de mercado e planejamento estratégico. Em
relação à cadeia de fornecedores locais, é provável que apenas as
empresas que possuam maiores escalas produtivas e financeiras tenham
condições de se manter na cadeia de suprimentos que será comandada pela
Boeing.
CC: Qual é o interesse da Boeing em absorver a reconhecida capacidade de engenharia da Embraer?
MJBF: A Boeing possui uma elevada competência na
área de engenharia, particularmente com relação à incorporação de novas
tecnologias, como foi o caso do desenvolvimento do Boeing 787, cujas
principais estruturas são feitas em compósitos (em geral fibra de carbono combinada com outros materiais como aramida ou fibra de vidro).
Apesar disso, apresenta significativas restrições relacionadas ao
envelhecimento de sua equipe, dado que os recém-formados mais talentosos
preferem as empresas de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC)
para trabalhar do que a indústria aeronáutica. Por sua vez, a engenharia
da Embraer, que conta com mais de 4 mil funcionários, é reconhecida
pelo seu elevado dinamismo e criatividade, particularmente no que se
refere ao desenvolvimento de novas aeronaves em prazos bastante exíguos.
Em razão disso, a incorporação da equipe de engenharia da Embraer pela
Boeing é um dos principais motivos, se não o principal motivo, da
aquisição da área de negócios de aviação comercial da empresa
brasileira.
CC: É possível concluir que a venda da Embraer é um
ótimo negócio para a Boeing, mas um retrocesso para a empresa brasileira
e o País? Por quê?
MJBF: Com certeza. A operação amplia as vantagens
competitivas da Boeing, pois permite a entrada da empresa no segmento de
jatos comerciais com menos de 150 assentos numa posição de liderança.
Além disso, incorpora a reconhecida capacidade de engenharia e a moderna
estrutura produtiva da Embraer. Por outro lado, a Embraer, tem a perda
do seu principal negócio, restando uma empresa com cerca de metade do
faturamento, baixa lucratividade e reduzida capacidade tecnológica. O
Brasil perde a sua única grande empresa de alta tecnologia, que possuía
uma inserção ativa no mercado internacional, devendo impactar
negativamente no desenvolvimento de novos projetos estratégicos e na
geração de superávits comerciais.
CC: Por que a Bombardier, concorrente da Embraer,
fez uma associação com a Airbus em vez de vender-lhe o seu controle como
fez a Embraer em relação à Boeing?
MJBF: O desenvolvimento da família de jatos
comerciais C-Series (atual Airbus 220), objeto da parceria entre a
Bombardier e a Airbus, tem um logo histórico de atrasos, cancelamentos e
reprojetos que resultaram num grande endividamento da empresa
canadense, além de demandar um suporte decisivo de recursos públicos,
tanto do governo do Canadá como da província de Quebec. A aeronave
entrou em operação em 2016 e um ano depois sofreu uma elevadíssima
sobretaxa do governo dos EUA. Apesar dessas condições bastante adversas,
em 2017 a Bombardier e o governo de Quebec, que tinha uma participação
minoritária nesse negócio, estabeleceram uma joint venture com a
europeia Airbus, denominada C Series Aircraft Limited Partnership
(CSALP). No entanto, os canadenses preservaram 49% do capital e
mantiveram a participação no controle dessa joint venture. Além
disso, ficou estabelecido que a sede da CSALP, a principal linha de
montagem e as atividades correlatas permaneceriam em Mirabel, na
província de Quebec. Isso foi resultado de uma decisão do governo de
Quebec em conjunto com a Bombardier por considerar o projeto C-Series
estratégico para o desenvolvimento tecnológico e para a geração de
empregos qualificados.
CC: Ou seja, o acordo da Bombardier com a Airbus é do tipo que a Embraer deveria ter feito com a Boeing.
MJBF: Exatamente. E note-se que esse programa da Bombardier, ao
contrário dos da Embraer, era periférico para a empresa, deficitário,
estava com prejuízo, não envolve a área militar e ainda assim eles
mantiveram 49% e o governo de Quebec — em situação similar à do governo
de São Paulo, estado-sede da Embraer — entrou com participação
acionária. Em contraste, o governo de São Paulo nunca disse uma palavra
sobre isso, é como se a empresa não operasse no Estado. Detalhe: a
Embraer é muito mais paulista do que a Bombardier é quebecois, como eles
dizem, pois 95% ou mais da sua estrutura está em São Paulo. O governo
de Quebec colocou bilhões de dólares no projeto da Bombardier,
consciente do peso do seu poder decisório para manter a empresa e os
empregos na província.
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