Apesar de ser a primeira economia no mundo, Estados Unidos aparecem atrás em muitas medições de desenvolvimento social na comparação com outros países ricos, revelando um país de contrastes assim como o Brasil.
3 dez 2017
"Estamos nos tornando um país do terceiro mundo", disse Donald Trump em
16 de junho de 2015, quando anunciou sua candidatura à Presidência dos
Estados Unidos.
A afirmação, que Trump repetiu em outras ocasiões durante o quase um
ano e meio da campanha eleitoral, baseou-se no desempenho dos EUA em
indicadores da educação na comparação mundial - algo apontado como
exagerado por seus críticos.
No entanto, a realidade é que há vários indicadores de desenvolvimento
social em que os Estados Unidos aparecem atrás na comparação com outros
países ricos - e, às vezes, lado a lado com países em desenvolvimento.
O assunto é alvo de debates no país, onde especialistas e cidadãos
diferem em sua avaliação sobre a situação dos pobres no país.
Um estudo do Centro de Pesquisas Pew aponta, por exemplo, que a maioria
dos americanos de classe média e alta concorda com a ideia de que "os
pobres hoje vivem situação mais fácil porque podem receber benefícios do
governo sem fazer nada em troca".
Por outro lado, dois terços dos cidadãos de baixa renda concordam com a
afirmação de que "os pobres têm uma vida difícil porque os benefícios
sociais não são suficientes para ajudá-los a viver uma vida decente".
A BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, listou alguns dos
indicadores que colocam em xeque os níveis de desenvolvimento e
bem-estar nos Estados Unidos.
1. Expectativa de vida
O relatório mais recente do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud) indica que a expectativa de vida dos americanos é
de 79,2 anos.
Esse dado coloca o país como o 40º do mundo, atrás de um conjunto de
países desenvolvidos mas também de alguns países latino-americanos, como
Chile, Costa Rica e Cuba - essa não é, no entanto, a realidade da
comparação com o Brasil, onde a expectativa de vida é de 74,7 anos.
O país líder nesse indicador é o Japão, com 83,7 anos, e o lanterna é a Suazilândia, com 48,9 anos.
Mas, assim como no Brasil, essas médias nacionais variam consideravelmente quando segmentadas por escolaridade e raça.
Nos EUA, enquanto a expectativa de vida de um homem branco com educação
universitária é de 80 anos, a de um homem afro-americano com baixa
escolaridade é de 66 anos, segundo pesquisas do Centro Nacional sobre a
Pobreza nos Estados Unidos (NPC, na sigla em inglês).
"O problema nos Estados Unidos é que o bem-estar é incrivelmente
estratificado", explicou à BBC Mundo um dos autores do estudo, Luke
Shaefer, professor e diretor da Iniciativa para a Solução da Pobreza da
Universidade de Michigan, nos EUA.
"O país aparece muito bem se você compara o estrato superior da
sociedade americana com os países ricos. A questão é a incrível
diferença no bem-estar entre os pobres e os americanos com mais
recursos", aponta, acrescentando que, em 2008, a expectativa de vida
para os homens afro-americanos sem educação superior era equivalente à
dos cidadãos do Paquistão, Butão e Mongólia.
2. Mortalidade infantil
Os números sobre mortalidade infantil - o número de crianças que morrem
por mil nascidos vivos - é outro indicador clássico do bem-estar
social.
De acordo com o relatório mais recente do Pnud, que utiliza dados de
2015, esse indicador é de 5,6 nos EUA. Isso o coloca no 44º lugar do
mundo, novamente superado pelos países ricos como um todo, bem como por
Cuba, Bósnia e Croácia.
Nesse caso, as diferenças sociais dentro dos Estados Unidos também são
evidentes. De acordo com Shaefer, em 2011, a taxa de mortalidade
infantil entre os afro-americanos era semelhante à de Togo e da Ilha de
Granada.
O bem-estar das crianças americanas também é colocado em xeque quando são considerados indicadores de pobreza infantil.
De acordo com um estudo do Unicef de 2012, que comparou a situação de
crianças em 35 países de economia avançada, os Estados Unidos apareceram
no penúltimo lugar - antes apenas da Romênia.
O indicador de pobreza infantil relativa, que mede a porcentagem de
crianças que vivem em uma família cuja renda - ajustada ao tamanho e à
composição da família - é inferior a 50% da renda média nacional,
registrou 23,1% das crianças americanas nesta situação.
3. Mortalidade materna
Desde o início deste século, os Estados Unidos registraram um aumento
nos índices de mortalidade materna, cuja taxa passou de 17,5 mortes por
mil nascimentos em 2000 para 26,5 em 2015, de acordo com um estudo
publicado na revista científica
The Lancet
em janeiro deste ano.
É um fenômeno que vai na contramão das tendências no restante do mundo
industrializado, onde houve um declínio no mesmo período. Esse foi o
caso, por exemplo, do Japão (de 8,8 para 6,4), Dinamarca (de 5,8 para
4,2), Canadá (de 7,7 para 7,3) e França (de 11,7 para 7,8).
Além disso, o número registrado nos Estados Unidos é superior ao da
Costa Rica (24,3), da China (17,7), do Vietnã (15,6) e do Líbano (15,3).
Nesse caso, há também uma clara desigualdade nos Estados Unidos: a taxa
de mortalidade materna entre mulheres brancas é de 13, mas entre as
afro-americanas é de 44.
4. Taxa de homicídios
A segurança pessoal, a possibilidade de proteger a própria vida, é considerada outro elemento básico do bem-estar social.
De acordo com o relatório mais recente do Escritório das Nações Unidas
sobre Drogas e Crime (UNDOC), os Estados Unidos registram uma taxa de
homicídio de 4,88 óbitos por 100 mil pessoas, o que o coloca em 59º
lugar no mundo.
Esse número contrasta com o de países europeus, como Áustria (0,51) ou
Holanda (0,61), mas também com o Canadá (1,68) e até a Albânia (2,28),
Bangladesh (2,51) e Chile (3,59, de acordo com dados de 2014, os mais
recentes).
No estudo publicado pelo Centro Nacional sobre a Pobreza, Shaefer
sugere analisar não os dados nacionais de homicídios, mas sim a situação
individual das cidades americanas com mais de 200 mil habitantes e taxa
de pobreza de 25%.
Nelas, o número de homicídios aumenta para 24,4 (de acordo com dados de
2012), situação ligeiramente melhor que a da Colômbia (26,5) e do
Brasil (26,74) - mas muito pior do que a Argentina (6,53), o Peru (7,16)
e o Uruguai (8,42).
5. Gravidez na adolescência
Além de representar um risco para a saúde das mulheres jovens, a
gravidez na adolescência é frequentemente associada à vulnerabilidade.
Segundo dados do Banco Mundial para 2015, os EUA registram uma taxa de
21 nascimentos desse tipo para cada mil mulheres entre 15 e 19 anos de
idade - colocando o país no 68º lugar do mundo, mesmo nível de Djibouti e
Aruba, e bem acima da média de países com altos níveis de renda.
Outros países ricos têm números bem mais baixos, como Japão (4), Alemanha (6) e França (9). No Brasil, a taxa é de 67.
6. Educação
Os EUA são sede de dezenas das melhores universidades do mundo. Mas
isso não significa que a formação média dos americanos esteja à altura
desses centros de excelência.
De acordo com um estudo realizado no âmbito do Programa Internacional
para Avaliação de Competências (PIAAC, na sigla em inglês), entre os
países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), o país teve uma performance considerada medíocre.
A pesquisa mediu três níveis educacionais diferentes em termos de
capacidade de leitura e habilidade numérica: pessoas que não completaram
o ensino médio, indivíduos com ensino médio completo e outros com pelo
menos dois anos de ensino universitário cursado.
Participaram da análise pouco mais de 20 países: Austrália, Áustria,
Canadá, República Checa, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França,
Alemanha, Irlanda, Itália, Japão, Países Baixos, Noruega, Polônia,
Coréia do Sul, Eslováquia, Espanha, Suécia, Estados Unidos, Bélgica e
Reino Unido.
No teste sobre a capacidade de leitura, entre aqueles que não haviam
terminado o ensino médio, os americanos ficaram entre os cinco países
com os piores resultados; entre aqueles que completaram esse nível de
estudos, o país ficou abaixo da média de todos.
No caso de pessoas que tinham começado a cursar a universidade, os
americanos ficaram acima de oito países, empataram com outros seis - mas
foram ultrapassados por sete nações.
Além disso, os Estados Unidos registraram a maior diferença entre os
resultados obtidos por aqueles que não terminaram o Ensino Médio e
aqueles que têm pelo menos dois anos de ensino universitário.
Na avaliação das habilidades numéricas, os americanos ficaram
consistentemente abaixo da média da OCDE nos três níveis educacionais
estudados. Além disso, o país ficou na lanterna em dois níveis: entre os
que não terminaram o ensino médio e aqueles que concluíram esta etapa.
Para aqueles que completaram pelo menos dois anos de ensino superior,
os EUA superaram a Espanha e a Itália e se igualaram a outros cinco
países - ficando atrás de 15 outras nações.
As causas das diferenças em relação aos países ricos
Ao explicar por que os EUA registram indicadores de desenvolvimento tão
significativamente abaixo de outros países ricos, Shaefer aponta para
as peculiaridades da rede de assistência social no país.
"Os Estados Unidos sempre tiveram uma rede de segurança social menos
generosa. Os programas sociais visam os pobres, em vez de serem
benefícios universais, como é o caso em muitos outros países
industrializados onde, além disso, você não possui essas enormes
disparidades de riqueza que temos aqui", explica.
Shaefer publicou o livro
Dois dólares por dia: vivendo com quase nada nos Estados Unidos
, no qual acompanhou famílias americanas que sobreviviam com cerca R$ 6,4 (em valores atuais) por dia por pessoa.
"O que faz diferença nos Estados Unidos é que muitos deles também têm
seguro de saúde e cupons de comida, mas não têm dinheiro em espécie. O
que você faz nos EUA quando você não tem dinheiro para pagar a energia
elétrica ou as coisas que você precisa em uma entrevista de emprego? Em
2011, havia 1,5 milhão de famílias e mais de 3 milhões de crianças nos
Estados Unidos que viviam assim", afirma.
No entanto, essa visão sobre a pobreza no país e as falhas do sistema de assistência social não é compartilhada por todos.
Um estudo da Fundação Heritage questionou a validade dos dados do Censo
dos Estados Unidos - que estimou haver quase 15 milhões de crianças
vivendo na pobreza em 2014. Para a fundação, esses dados não levavam em
conta muitos dos benefícios sociais que as famílias dessas crianças
recebiam do Estado.
Para a instituição, famílias com crianças oficialmente listadas em estatísticas de pobreza vivem em condições favoráveis.
"A família média pobre nos Estados Unidos tem ar-condicionado, um carro
ou caminhonete, TV a cabo, um computador, um telefone celular e (se
houver crianças na casa) videogames. Eles têm o suficiente para comer e
não são malnutridos", diz o estudo da fundação.
"Eles vivem em uma casa confortável que está em boas condições e têm
mais espaço do que a média não pobre da Alemanha, França, Suécia e Reino
Unido", acrescenta.
Shaefer, no entanto, questiona essa visão e adverte que, embora muitas
famílias pobres nos Estados Unidos residam em casas amplas, muitas vezes
elas não têm dinheiro para aluguel ou serviços básicos, como calefação.
"Se os pobres nos Estados Unidos têm tantos recursos, então por que
seus resultados são tão ruins? Sabemos que indicadores como a
expectativa de vida estão claramente ligados à renda e que os pobres
americanos têm uma taxa muito baixa", rebate o pesquisador.
"As pessoas dizem que os pobres nos Estados Unidos são ricos pelos
padrões internacionais, mas isso claramente não é verdade porque seus
resultados são muito piores do que os do resto da sociedade", conclui.
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