Pedro Doria
Quem vai pagar o preço do capricho bolsonarista somos nós, todos aqueles que pagam conta de celular
Por Pedro Doria - O Estado de S.Paulo
O Brasil é o quinto maior mercado de telefonia celular do mundo
O governo brasileiro acenou com a intenção de se juntar às trinta nações que fazem parte do Clean Network, uma aliança promovida pelo departamento de Estado de Donald Trump. Por trás do nome pomposo, que quer dizer Rede Limpa, há um só compromisso: não usar equipamento Huawei na rede 5G. Por que o Brasil faria isso quando a Trump restam dez semanas de governo e ninguém tem ideia de se o governo de Joe Biden continuará a iniciativa é um mistério. Mas duas coisas podemos dizer de cara. Todas, simplesmente todas as empresas de telecomunicações que operam no Brasil, são contra. E, dois, a decisão vai custar caro. Vai custar caro em dinheiro. E quem vai pagar o preço do capricho bolsonarista somos nós, todos aqueles que pagam conta de celular.
Há três tipos de países no Clean Network. O primeiro grupo inclui um só — é o Reino Unido, aliado estratégico americano que se viu compelido a fazer algumas concessões no momento em que deixava o Mercado Comum Europeu. A decisão também tem a ver com uma lógica de segurança nacional que põe a aliança militar com os EUA como prioritária para os britânicos. O segundo grupo também tem um só país — a Suécia. A Huawei tem duas concorrentes em equipamentos de infraestrutura de telecomunicações. Nokia, que é finlandesa, e Ericsson — que é sueca. Os suecos consideraram boa estratégia comercial. Os finlandeses, não. Todos os outros países são economias miúdas, muito menores do que a brasileira, e pesadamente sensíveis a pressão americana — Polônia, Estônia, Romênia, Dinamarca, Letônia. Por exemplo.
E agora o Brasil. O quinto maior mercado de telefonia celular do mundo. De todas as trinta nações na aliança americana, a segunda da lista é o Reino Unido — o 17º mercado de telefonia móvel. A Polônia é o 28º e, a Suécia, 49ª. Pois é, o secretário de Estado americano Mike Pompeo acaba de marcar um golaço nos instantes finais do governo Trump. Em troca de algum tipo de ganho misterioso para o Brasil.
Ao oferecer este prêmio para o governo Trump, num momento em que está ativamente questionando as eleições de seu país, o que afinal ganha o Brasil com esta decisão? Num momento em que o presidente Jair Bolsonaro é um dos raros chefes de Estado do mundo que não reconheceu a eleição de Joe Biden, o Brasil está provocando por quê?
Sim: o Brasil está provocando.
Uma provocação que, se concretizada, vai sair cara. Para implementar a rede 5G, as companhias telefônicas terão de seguir dois caminhos. O primeiro passa por aproveitar a infraestrutura que já têm para o 4G. O outro, por comprar equipamento novo. O 5G exige mais antenas que o 4G — é por isso que os dois serão necessários. Hoje, as telecons usam maquinário das três concorrentes, mas as atualizações para que estações recebam upgrade 4G para 5G não são mutuamente compatíveis. Equipamento Huawei vai ser atualizado com equipamento Huawei. Ericsson com Ericsson, Nokia com Nokia.
Se não puder ter Huawei, algo como 40% da rede brasileira vai ter de ser refeita do zero. Isto custa dinheiro. E dinheiro naquele dólar que a administração Bolsonaro-Guedes construiu.
As companhias telefônicas estão quietas e permanecerão quietas. Sabem que neste tabuleiro o jogo não é racional, não passa por tecnologia, é pura política. A Embaixada da China, evidentemente, gritou pênalti. Mas aqui dentro, internamente, é importante que nós compreendamos que jogo está sendo jogado. Enquanto fica brincando de ameaçar os EUA de Biden com pólvora, o presidente brasileiro joga com a economia brasileira para fortalecer Trump politicamente em sua terra. Para o amigo americano, não faz nenhuma diferença. É só gesto de subserviência. O governo Biden, porém, lembrará. Se for para frente, o consumidor brasileiro, também.
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