É incerta a recuperação em 'V' da economia
A disponibilidade da vacina pode fazer toda a diferença, mas é preciso evitar deduções apressadas. Uma coisa é a capacidade de imunização da maioria da sociedade à contaminação. E outra, bem diferente, é a capacidade de recuperação da atividade econômica e do emprego.
Mesmo que a vacina fique disponível no Brasil ainda no primeiro trimestre de 2021, é improvável que a população possa ser imediatamente imunizada. Isso levaria alguns meses mais. Portanto, é incerta uma retomada em “V”, como mostram algumas apostas.
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Os setores da economia a se recuperarem mais rapidamente têm sido objeto de considerações intuitivas. São os de viagens, energia, petróleo e o ramo do entretenimento. Ainda assim, convém cercá-las de cautela.
A demanda mais reprimida está no setor de serviços, como educação, bares, restaurantes, saúde, entretenimento e eventos. Essas áreas abrangem largas fatias do PIB, que tendem a se recuperar mais devagar. (Veja os gráficos.)
Para Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco, caso consiga se livrar de uma segunda onda de covid-19, o Brasil deve recuperar o nível pré-crise, que já era ruim, somente no segundo semestre de 2021. Por aí se vê que uma eventual segunda onda adiaria ainda mais a recuperação.
A questão mais grave é a do emprego. A ideia que ainda prevalece é de que, uma vez iniciada a retomada, os postos de trabalho voltarão a se abrir, como cogumelos depois da chuva.
Essa é uma hipótese sujeita a equívocos. Graças aos auxílios de emergência e, em parte, em virtude do desalento, diminuiu muito o número de pessoas que vêm procurando emprego. Esse contingente, que não aparece nas estatísticas, voltará a fazer parte delas à medida que sair à procura de ocupação.
Além disso, grande número de setores aumentou seu acesso tanto à automação quanto ao uso de aplicativos, modalidades altamente poupadoras de mão de obra. Basta conferir o que está acontecendo no comércio digital, nos bancos, nos dispositivos de entrega. É improvável que venham a contratar pessoal no mesmo ritmo de antes.
E, finalmente, enquanto não vier a ser equacionada a questão fiscal, as incertezas continuarão pairando sobre o mercado. E isso deverá conter e adiar as compras a crédito, pelo temor do consumidor a assumir compromissos a prazo diante do risco de perda de renda. Assim, os investimentos também poderão ficar para depois.
O economista-chefe da Tendências Consultoria, Fábio Klein, faz outra ponderação: “O grande desafio é gerar a retomada sem que as classes mais vulneráveis continuem a ter acesso ao auxílio emergencial.” A queda da renda imediata vai produzir repentina retração na demanda. E o recuo do consumo, por sua vez, tenderia a produzir impacto também sobre a contratação de mão de obra.
Nesta quinta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez afirmação na direção contrária: se houver uma segunda onda de covid-19, disse ele, nova rodada de auxílio emergencial será inevitável. Nesse caso, ainda seria necessário verificar de onde viriam os recursos, de maneira a não abrir novo rombo nas contas públicas.
Mas a hipótese de uma segunda onda terá de ser confrontada com dois outros fatores: com sua contundência e com a emergência da vacina. / COM GUILHERME GUERRA
*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA
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