Pesquisar alguma coisa era tudo o que fazíamos com o Google. Agora, passamos horas todos os dias usando seus mapas, vídeos, câmeras de segurança, e-mails, smartphones e muito mais
03 de novembro de 2020
Há cerca de 20 anos, digiteis pela primeira vez Google.com no meu navegador da rede. Ele carregou uma barra de busca e teclas. Digitei “DMV teste de amostra”, verifiquei os resultados e cliquei em um site. Uau, pensei. O design minimalista do Google era uma alternativa revigorante a outros motores de busca na época – lembram do Alta Vista, Yahoo! e o Lycos? – que nos cumprimentavam com uma quantidade de anúncios e links para novos artigos.
Mais ainda, o Google parecia mostrar resultados mais atualizados, relevantes. E a experiência toda levava apenas alguns segundos. Assim que encontrava o link de que precisava, não precisava mais do Google. Vinte anos mais tarde, minha experiência com o Google é consideravelmente diferente.
Quando faço uma busca no Google em 2020, passo muito mais tempo no universo da internet da companhia. Se procuro por gotas de chocolate, por exemplo, vejo anúncios do Google de gotas de chocolate pipocando no alto da minha tela, seguidos por receitas que o Google encontrou em toda a rede, seguidos pelo Google Maps e Google Reviews de padarias próximas, e ainda vídeos de YouTube sobre como preparar cookies de chips de chocolate. (O YouTube pertence ao Google, é claro.)
E tampouco se trata apenas do fato de eu gastar mais tempo em uma busca no Google. A companhia do Vale do Silício partindo do ato de buscar algo on-line criou um vasto império de tecnologia que penetrou na minha casa, nos meus equipamentos e além. Ele se tornou a marca da tecnologia que domina a minha vida - e provavelmente a sua também.
No meu iPhone da Apple, uso os aplicativos do Google para álbuns de fotos e mapas, assim como ferramentas para calendário, e-mails e documentos. No meu computador e no tablet, os vários navegadores na rede que uso têm o Google como a barra de busca. Para trabalhar, uso o Google Finance (para ver as cotações das ações), o Google Drive (para armazenar arquivos), o Google Meet (para teleconferências) e o Google Hangouts (para me comunicar).
Na minha casa, o Google também está em toda parte. Minha câmera Nest de segurança da casa em si é feita pelo Google. Um serviço de voz Google toca a campainha da minha porta. Para aprender a consertar uma calha, recentemente consultei vídeos de manutenção de habitações no YouTube.
Nos mapas on-line, o Google tem fotos da minha casa tiradas do espaço e de carros com câmeras a bordo. Segundo minha estimativa não oficial, passo pelo menos sete horas por dia com produtos relacionados ao Google. O predomínio do Google levou a companhia a um ponto crucial.
Neste mês, o Departamento de Justiça processou a empresa por práticas anticompetitivas, na mais importante ação antitruste do governo americano contra uma empresa de tecnologia nas últimas décadas. A acusação do governo se concentra na busca do Google e em sua suposta criação de um monopólio por meio de contratos e acordos exclusivos com empresas que excluem totalmente os concorrentes.
O Google disse em um tuite que a ação “está profundamente equivocada. As pessoas usam o Google por escolha própria, e não porque são obrigadas a fazê-lo ou porque não encontram alternativas”. Segundo Gabriel Weinberg, o diretor executivo da DuckDuckGo, que oferece um motor de busca que privilegia a privacidade, o que eu experimentei é simplesmente o plano de negócios do Google. “Não acho que tenha sido uma casualidade”, ele disse.
“Eles usam os seus vários produtos para manter o predomínio em seu mercado principal, que é a busca”. Isto criou um custo para a privacidade para muitos cidadão disse Weinberg. O Google coleciona uma massa inaudita de informações sobre nós em todos os seus produtos, permitindo montar perfis detalhados do nosso comportamento e dos nossos interesses. Por isso, em 2012, Weinberg rompeu com o Google e deletou suas contas.
“Eu me dei conta das implicações de criar uma quantidade enorme de perfis das pessoas para a sua privacidade – e os seus enormes danos”, ele disse. Mas Jeff Jarvis, professor da Escola de Jornalismo Craig Newmark e autor de What Would Google Do? [O que o Google faria?, em tradução livre], um livro sobre a ascensão do gigante das buscas, afirmou que há ainda um imenso espaço fora do mundo do Google.
Em primeiro lugar, nós não usamos o Google para as redes sociais – para isto usamos o Facebook e o TikTok. A inteligência artificial, até o tipo que o Google está desenvolvendo, é ainda bem pouco inteligente, acrescentou. “A internet é ainda muito jovem”, acrescentou. Para testar esta afirmação, decidi catalogar a presença do Google na nossa vida. Aqui estão alguns resultados.
Anúncios em toda parte
Quando navegamos na rede, provavelmente interagimos com o Google sem nos darmos conta. É porque a maioria dos sites que visitamos contém tecnologias de anúncios do Google, que seguem a nossa busca. Quando carregamos um artigo na rede contendo um anúncio servido pelo Google, a companhia grava o site que carregava o anúncio – mesmo que não cliquemos nele. E, vejam só, a maioria dos anúncios que vemos é apresentada pelo Google.
No ano passado, a companhia e o Facebook representaram 59% dos gastos em publicidade digital, segundo a empresa de pesquisa eMarketer. O Google domina 63% desta fatia do bolo. As tecnologias de anúncios do Google incluem também um código de análise invisível, que roda no pano de fundo de muitos sites. Cerca de 74% dos sites que visitamos rodam a Google Analytics, segundo um analista da DuckDuckGo. Então, nós mandamos mais dados ainda a nosso respeito no Google, muitas vezes sem saber.
Telefones e computadores
Comecemos pelo Android, o sistema operacional de celular mais popular do mundo. As pessoas com dispositivos Android carregam inevitavelmente aplicativos da loja Google’s Play. O Android inclui aplicativos básicos do Google para mapas e e-mails, e a busca do Google é feita predominantemente para procurar artigos e vasculhar por meio de configurações de dispositivos.
O assistente de voz do Google também faz parte dos dispositivos Android. Mesmo que você tenha um iPhone da Apple, como eu, o Google domina. O Google é a barra de pesquisa padrão no navegador Safari do iPhone desde 2007. O Gmail é o serviço mais popular do mundo, com mais de 1,5 bilhão de usuários, de modo que é possível que você o use no seu iPhone.
E precisará de sorte para encontrar um serviço que não seja o YouTube para olhar aqueles vídeos de receitas e música no seu celular. De fato, o Google é proprietário de dez dos 100 aplicativos mais carregados nas lojas do Google e da Apple, segundo a App Annie, uma empresa de análise de celulares. Além dos smartphones, o Google é a força dominante nos nossos computadores pessoais. Segundo algumas estimativas, mais de 65% das pessoas usa o navegador Chrome.
E em educação, nossas escolas escolheram o Chromebook, um PC de baixo custo que roda o sistema operacional do Google, como a ferramenta de tecnologia mais amplamente usada para estudantes.
Vídeos on-line
Isto será breve: o YouTube é a maior plataforma de hospedagem de vídeos. E ponto final. Cerca de 215 milhões de americanos olham o YouTube, e passam em média 27 minutos por dia no site. Isto em comparação com 22 minutos alguns anos atrás, segundo o eMarketer.
Outra maneira de assistir aos vídeos do Google é pela TV YouTube, um serviço de streaming que oferece um modesto número de canais de TV. Lançada em 2017, a TV YouTube tinha mais de 2 milhões de usuários no ano passado, segundo o Google. Não muito atrás da Sling TV, um serviço semelhante introduzido pela Dish em 2015, que no ano passado tinha cerca de 2,6 milhões de assinantes.
Na casa e além dela
Se vocês compraram recentemente um aparelho conectado à internet para a sua casa, é possível que o Google esteja por trás dele. Afinal, a companhia oferece o Google Home, um dos alto-falantes inteligentes mais populares e potentes, acionado pelo assistente virtual do Google, e ele é dono da Nest, a marca da casa inteligente que produz câmeras de segurança conectadas à internet, alarmes de fumaça e termostatos.
Frequentemente interagimos com o Google mesmo quando usamos um aplicativo que não tem uma conexão clara com ele. Isto ocorre porque o Google fornece a infraestrutura em nuvem, ou a tecnologia do servidor que nos permite fazer streaming de vídeos e baixar arquivos, para outras marcas. Se você está usando o TikTok nos Estados Unidos, imagine só: você está na nuvem do Google. (Dentro em breve, a TikTok poderá mudar os provedores em nuvem graças a um acordo com a Oracle.)
O próprio Weinberg, que saiu do Google, disse que não conseguiu livrar-se inteiramente dos seus serviços. Ele ainda assiste ocasionalmente a vídeos hospedados pelo Google quando não há alternativa. “Alguém envia um vídeo que eu preciso ver e é somente pelo YouTube; então é isso, a realidade é esta”, afirmou. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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