sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O problema com as imitações no mundo da tecnologia

CELULARES E TABLETS FUNCIONAM DE FORMA PARECIDA, NÃO IMPORTA QUEM OS PRODUZ. E ISSO NÃO É BOM PARA O CONSUMIDOR.

            *David Pogue

             Se você é um crítico da tecnologia como eu, logo descobrirá uma característica dos fanáticos por tecnologia. Eles podem ser muito militantes em sua devoção a uma empresa. Ao ler a opinião dos leitores criticando um texto que escreveu você se depara, com grande frequência, com um argumento particular: "a [nome da empresa de que a pessoa não gosta] roubou a ideia da [nome da empresa preferida da pessoa]".
              Está certo. A apropriação de ideias de tecnologia virou quase uma prática natural. A Apple apresentou o Siri, o assistente de voz, em 2011 (depois de comprar a empresa que o desenvolveu). Seu equivalente na  Google, o Google Now, foi apresentado um ano depois, e o Cortana da Microsoft o seguiu em 2014.
           Na era de Steve Jobs, a Apple foi muitas vezes a primeira a desenvolver novos tipos de produtos. O Ipod, por exemplo, gerou o  Microsoft Zune. O Iphone criou os celulares Android da Google. O Ipad foi o modelo para todos os outros tablets.
          Mas hoje a Apple tem chances iguais de ser tanto líder como seguidora. Os relógios inteligentes Galaxy Gear da Samsung em 2013. O Apple Watch veio dois anos depois. O Spotify chegou aos Estados Unidos em 2011, e o serviço praticamente idêntico, O Apple Music, foi lançado em 2015. O tablet Surface da Microsoft chegou ao mercado em 2012. Nesse dispositivo, uma capa da tela se abria para exibir um teclado plano. O Ipad Pro, com características similares, seguiu-o em 2015.
                  Não se trata só de produtos. Pode-se encontrar o mesmo ciclo de imitações em elementos específicos. É fácil criar uma genealogia, por exemplo, do acionamento do menu de atalho com o clique do botão direito, ou notificações que aparecem no canto superior direito da tela, ou as três sugestões de autopreenchimento de texto que aparecem acima do teclado de seu celular.
                    No começo da cultura tecnológica, isso pode ter sido considerado usurpação abusiva de propriedade intelectual. E de fato pareceu assim para Steve Jobs, que processou a Microsoft por replicar o "look and feel" (aparência e comportamento de um programa) do Mac, na plataforma Windows de 1988.
                     Mas a Apple perdeu o processo. A premissa central de direitos autorais (para trabalhos de criação) e patentes (para invenções) é que não se pode proteger a ideia, só sua execução. Esse foi o ponto crítico da decisão judicial a favor da Microsoft. (Lembre-se que os aspectos de que a Apple mais se orgulhava - janelas sobrepostas, comandos em menus, e assim por diante - foram primeiro desenvolvidos pela Xerox e depois usados nas máquinas da Apple.)
                       Por algum tempo, os imitadores pelo menos fingiram fazer algo diferente. No Windows Vista, a Microsoft adicionou um ícone de busca universal igual ao do Mac, mas colocou-o no canto inferior esquerdo da tela, não no superior direito. Ela criou pequenas janelas flutuantes que mostravam cotação de ações , previsão do tempo e assim por diante - mas as chamou de "gadgets" em vez de "widgets", como a Apple as havia batizado.
                       Hoje, porém, ninguém se importa mais. O popular Echo da Amazon, introduzido em 2015, tem a forma de um cilindro que é colocado numa prateleira qualquer e executa uma variedade enorme de tarefas tecnológicas, de reproduzir música online a obedecer a comandos da voz, como uma versão, como uma versão doméstica do Siri. Este ano a Google lançou a sua versão, O Google Home. O funcionamento é tão parecido que poderia ser quase um clone do Echo.
                   Primeiro problema: Apple, Microsoft, Samsung, Amazon e Google acabam apresentando portfólios basicamente idênticos, com celulares, tablets, laptops, serviços de música, serviços de e-mail, sistemas de pagamento, etc. similares. O grande problema: esse frenesi de roubo de ideias sufoca a inovação. Criar um novo produto exige tempo e dinheiro. Por outro lado, imitar é fácil e barato. Por que uma empresa deveria se preocupar em inovar? Não há muitos benefícios em ser o primeiro, exceto nos poucos meses antes de surgir a imitação.
                     As empresas farmacêuticas gozam de 20 anos de proteção de patentes antes que medicamentos genéricos sejam autorizados. A ideia é que as empresas recuperem os bilhões investidos no desenvolvimento de novos medicamentos. Talvez  devêssemos adotar uma estrutura similar para os produtos de tecnologia, com um período de exclusividade em torno de 20 meses. Dessa forma, recuperaríamos o incentivo para continuar inventando - e o sr. Jobs não se reviraria tanto no túmulo.

* David Pogue é colunista-âncora do Yahoo Tech e apresentador das minisséries NOVA, na rede pública de tevê PBS.
                

                  

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