Desde
que tenho uso da razão ouço falar maravilhas dos países nórdicos. A esquerda
planetária situou-os sempre como o modelo a seguir, aquele que tinha conseguido
a social-democracia perfeita: a compatibilidade entre um alto nível de vida, um
desemprego moderado e um Estado de bem-estar capaz de satisfazer as aspirações
de todos os indivíduos. Em suma, países verdadeiramente felizes. Naturalmente,
tudo é falso, mas isso não impede a esquerda de continuar a insistir no modelo
apesar de os clichés terem muito pouco que ver com a realidade. Em Espanha é
muito frequente ouvir os dirigentes socialistas brandir o exemplo dos países
nórdicos com umas propostas que são precisamente as contrárias às que há anos
ali se aplicam. Até tem sido constante no partido radical Podemos, o homólogo ao
Bloco de Esquerda de Portugal, que também recorreu às democracias escandinavas
como o espelho no qual se deve olhar. Não conheço pessoalmente estes locais. Só
estive uma vez de visita a Helsínquia e em Rovaniemi, na Finlândia, e a única
coisa que posso dizer é que fazia tanto frio que conseguimos compreender porque
tanta gente bebe tanto álcool. Imagino que a falta de luz, que a temperatura
polar e que a hostilidade geral do espaço natural explicam que a Finlândia, que
é um país digno de visitar pelo menos uma vez na vida, tenha um dos mais altos
índices de alcoolismo do mundo e uma das maiores taxas de suicídio. Mas
esquecendo as impressões pessoais, que são sempre subjetivas, o que é chocante é
que a esquerda defenda o modelo de países que há muito tempo implementam
políticas contrárias às suas. Desde a segunda metade dos anos 1990, e face ao
fiasco da social-democracia perfeita que veneram os nossos estúpidos
compatriotas - a falsa Arcádia feliz à que continuam agarrados -, todos os
países nórdicos fizeram grandes cortes na despesa público e em todo o tipo de
impostos. Além disso, introduziram importantes reformas estruturais para reduzir
o défice, a dívida pública e o custo dos programas sociais. Também promoveram
medidas para dotar os mercados de mais eficiência. Isto é, têm vindo a
empreender políticas liberais que escandalizariam os nossos clássicos se estes
tivessem alguma vez o objetivo de testar as suas hipóteses e confrontar os seus
desejos com a realidade. Na Suécia, por exemplo, há anos que se abriu a
concorrência do setor privado à prestação de serviços públicos monopolizados
antes pela administração e nem o mais esquerdista extremista dali se lembrou de
nacionalizar a banca, as telecomunicações ou as empresas de energia como
defendeu em mais de uma ocasião o Podemos e provavelmente algum dos dirigentes
do Bloco de Esquerda em Portugal.
As
despesas públicas face ao PIB têm vindo a ser reduzidas progressivamente nos
últimos anos na Suécia, na Finlândia e na Dinamarca, e as prestações sociais
também diminuíram em termos relativos. Mas talvez a maior inovação destes países
se tenha registado no terreno fiscal, com uma redução drástica dos impostos
sobre o capital e as empresas, algo que seria um motivo de escândalo para
qualquer esquerdista que se preze, mas que ali ocorreu como um facto natural,
depois de comprovar que é a melhor maneira para promover o crescimento e a
criação de emprego. O imposto sobre os rendimentos pessoais continuar a ser
muito alto, mas o resto das taxas é muito mais baixo do que em qualquer país do
continente. Na Suécia, por exemplo, o regime de comparticipação, tanto para o
sistema de saúde público como para os medicamentos, está totalmente
generalizado, de forma a que os cidadãos financiem boa parte das consultas
médicas habituais, dos fármacos e até das urgências.
Tanto na área dos serviços sociais, incluindo os da terceira idade, como nos educativos, abriu-se a via para a externalização com base no direito à livre escolha, por parte do contribuinte, entre os centros públicos ou os privados que recebem do Estado contribuições financeiras semelhantes. Os subsídios de desemprego e as pensões são na Suécia muito inferiores às existentes em Espanha, o que estimula a proatividade do trabalhador no momento de procurar emprego. Em suma, a Suécia, por seguir este exemplo, continua a ser um dos países mais igualitários e ricos do mundo, precisamente porque se adaptou às circunstâncias e aos novos tempos e abandonou as políticas nocivas que ainda continuam a ser utilizadas pelos seus admiradores na hora de usar os países nórdicos como exemplo.
Tanto na área dos serviços sociais, incluindo os da terceira idade, como nos educativos, abriu-se a via para a externalização com base no direito à livre escolha, por parte do contribuinte, entre os centros públicos ou os privados que recebem do Estado contribuições financeiras semelhantes. Os subsídios de desemprego e as pensões são na Suécia muito inferiores às existentes em Espanha, o que estimula a proatividade do trabalhador no momento de procurar emprego. Em suma, a Suécia, por seguir este exemplo, continua a ser um dos países mais igualitários e ricos do mundo, precisamente porque se adaptou às circunstâncias e aos novos tempos e abandonou as políticas nocivas que ainda continuam a ser utilizadas pelos seus admiradores na hora de usar os países nórdicos como exemplo.
Mas
talvez a questão mais interessante para saber se os países nórdicos, e usemos o
caso concreto da Suécia, são realmente exemplares como deseja e ao mesmo tempo
argumenta a esquerda é tentar perceber se as pessoas ali são assim tão felizes.
E a resposta é não. Como relata o escritor Mario Silar (1), um imigrante que lá
vive, as estatísticas demográficas são demolidoras. Revelam, por exemplo, que um
em cada dois suecos vive só - a taxa mais elevada do mundo - e que um em cada
quatro suecos morre na solidão. Existem muitas pessoas que morrem em casa e que
só são descobertas passado muito tempo. Qual é a origem desta situação tão
dramática? Segundo o documentário A Teoria do Amor Sueca, do realizador Erik
Gandini, tudo tem que ver com o projeto de família inventado nada mais nada
menos do que pelo primeiro-ministro social-democrata Olof Palme nos anos 70 do
século passado. O programa de Palme procurava independentizar os indivíduos dos
laços familiares, libertá-los do peso familiar com o objetivo de serem
completamente livres para se definirem apenas pelas relações que queiram
voluntariamente ter enquanto o Estado assumiria as outras relações que o
indivíduo considera gravosas. Passados mais de 40 anos desta experiência de
engenharia social, metade da população sueca vive só e, segundo um estudo da
Cruz Vermelha, 40% afirmam além disso sentir-se sozinhos. A sociedade sueca
desenhada pela tecnocracia social-democrata, com a aprovação da esquerda
mundial, não soube intuir o que aconteceria se se perdesse a interdependência
saudável e genuína entre os seres humanos. Numa entrevista para esse
documentário, o sociólogo de origem polaca Zygmunt Bauman diz: os suecos
perderam a capacidade de socialização. No fim da independência não está a
felicidade, está o vazio da vida, a insignificância da vida, e um aborrecimento
inimaginável. E uma personagem que aparece no documentário aponta a razão: "Que
o Estado de bem-estar esteja a cuidar de nós é o problema! Devíamos estar nós a
cuidar uns dos outros." Há uma conclusão clara destes acontecimentos: o quadro
conceptual a partir do qual se criou o individualismo não tem nada que ver com
as bases de uma economia de livre mercado, alheias ao pensamento
social-democrata, mas obedeceu ao impulso mais básico da tecnocracia
esquerdista, que pretende habitualmente, mediante a engenharia social, definir
de cima para baixo o modo como se deve desenvolver a vida em comunidade. E que
falha miseravelmente, como é o caso dos países nórdicos, que não só não são
exemplares, por terem sofrido durante demasiado tempo o flagelo da esquerda,
como, em alguns casos como o da Suécia, ainda sofrem as suas
consequências.
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