A felicidade é múltipla e complexa. Por isso mesmo, não existe uma regra universal, mas o autoconhecimento pode ajudar Ao pensar na palavra felicidade, pode ser que você associe o pensamento a uma pessoa especial, uma imagem bonita, um acontecimento inesquecível ou simplesmente o jeito que seu cachorro te recebe ao chegar em casa. Ao mesmo tempo, a busca pela felicidade é uma das maiores preocupações do ser humano – a Organização das Nações Unidas (ONU), inclusive, divulga todos os anos um relatório com indicativos para eleger o país mais feliz do mundo. Mas se sempre buscamos algo que na verdade já temos, como responder, afinal, se somos ou não felizes?
Definir a felicidade não é simples. Mas, em poucas palavras, é um estado de contentamento. Nossa dificuldade em defini-la vem justamente por não sabermos para onde olhar em nossa vida para procurar o sentimento. “A felicidade é uma construção histórica, ela não existia antigamente. Mas foi construída pela capacidade do ser humano de abdicar do prazer imediato e projetá-la a longo prazo”, explica o neurocientista Álvaro Machado Dias. Ou seja, criamos algumas bases do que é preciso para ser feliz e buscamos, incansável e incessantemente, essas premissas como realizações de sonhos. Sejam viagens, dinheiro, amor ou família.
“Um papel importante na desmistificação do tema da felicidade é a compreensão de que esse aspecto de bem-estar emocional não tem a ver com estar alegre ou feliz 100% do tempo, isso seria humanamente impossível, mas com a compreensão de que todas as emoções são importantes e fazem parte da vida humana”, explica Gustavo Arns de Oliveira, professor de Psicologia Positiva, fundador do Centro de Estudos da Felicidade e idealizador do Congresso Internacional de Felicidade.
“A construção do bem-estar emocional se dá pela forma como me relaciono com cada uma das minhas emoções”, afirma ele. “Quanto mais saudável é o meu relacionamento com o medo, com a raiva, com a tristeza, mais bem-estar vou colher.”
Assim, conforme ele explica, o segredo é o autoconhecimento e o reconhecimento de cada uma das emoções. “Os momentos felizes são ótimos; quanto mais melhor. Mas, o fato é que não são momentos felizes que fazem a vida. Se eu restringir a minha compreensão de felicidade nos momentos felizes, eu tenho uma percepção muito pequena do tema”, diz o professor. Pode ser, por exemplo, que algo desgastante seja muito satisfatório e dê um significado mais profundo à sua existência. Como foi, e está sendo, a maternidade para a produtora Cristine Marinho, de 36 anos.
“Eu estou há quatro meses sem dormir direito, com uma olheira que vai até o chão, não uso mais o meu cabelo solto, mas nada disso importa quando eu olho para o lado e a minha filha dando risada. É um amor que ninguém nunca vai conseguir explicar porque é surreal”, declara ela, que nunca teve o desejo de ser mãe, mas descobriu essa felicidade quando Maria, hoje com 4 meses, apareceu de surpresa em sua vida e na do vendedor Leandro, de 34 anos. “Eu tinha certeza que não podia engravidar e estava bem ok com isso, mas hoje eu nem sei mais quem eu sou sem ela. Agora sou Cris mãe, sou a mãe da Maria.”
Conforme explica o neurocientista Álvaro, de um lado temos a felicidade hedônica, que associa o sentimento às atividades de recompensa do cérebro e à ausência de sofrimento imediato; a felicidade eudaimonia, que é baseada em princípios, ideais e conquistas. E um terceiro tipo que é a felicidade das experiências psíquicas. “Esse último é um pouco daquela história do viver não é preciso, navegar é preciso. Então a pessoa precisa alimentar o espírito e o senso de estar vivo”, ensina ele.
Momento atual
A percepção de finitude trazida com a pandemia do coronavírus foi impulsor para que muitas pessoas se questionassem sobre suas escolhas de vida – seja em mudança de emprego, de país, de casamento ou de sentido de vida. “Na pandemia, eu entendi que não poderia ficar me prendendo à opinião dos outros, precisava confiar em mim”, conta o guia de turismo Renato Lima. Ele largou o emprego em uma multinacional da área de construção civil – depois de cursar engenheira civil na Universidade de São Paulo (USP) por cinco anos – para viver o sonho de trabalhar viajando.
A ideia já era antiga. Surgiu em 2017 quando ele fez um intercâmbio de seis meses no Chile. “Na época, eu precisava procurar alguma coisa para me ajudar no sustento e conheci uma menina que trabalhava com turismo. Ela me ajudou a fazer uns trabalhos de freelancer e assim comecei”, diz. O negócio deu tão certo que, quando voltou para o Brasil, ele decidiu publicar seu conteúdo online. “Criei, junto com uma amiga, o Instagram @explorachile_ e passei a divulgar informações sobre o Chile. Em poucos meses a minha remuneração estava quase o equivalente ao que eu ganhava no emprego. Porém com muito mais liberdade, novidade e qualidade de vida.”
O pedido de demissão veio junto com o lockdown e o adeus de viajar tão cedo para conseguir mais conteúdos. “Com as restrições, voltei para Guaratinguetá, no interior de São Paulo, para ajudar o meu pai com o negócio dele. E dava para ver a expressão de tristeza dele e de alguns amigos com a minha decisão. E eu entendo, porque era uma segurança que eu tinha que eu estava trocando por uma coisa que era incerta”, conta. No entanto, ele diz que não se arrependeu da decisão e não aceitou outras opções de trabalho que surgiram. “Vi que eu tinha certeza do que eu quero.”
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Apesar de uma reflexão de vida sempre ser válida, a busca pela obrigação de ser feliz pode ser algo negativo. “Essa obrigação de ser feliz é chamada, dentro da ciência da felicidade, como ditadura da felicidade, a qual nos impacta de acordo com o nosso nível de consciência sobre o que está acontecendo”, explica Gustavo Arns de Oliveira, idealizador do Congresso Internacional de Felicidade. “As pessoas imaginam que precisam estar felizes 100% do tempo e começam a forçar um estado irreal, mascaram tudo que acontece de negativo ou qualquer outra emoção que não seja compreendida dentro de um aspecto positivo da vida. Isso é muito perigoso.”
Essa felicidade superficial passa a fazer com que os momentos felizes sejam cada vez mais efêmeros e pautados no prazer ou no “sentir-se bem”. Algo que a sociedade contemporânea nos lembra diariamente, seja por meio da publicidade (o produto que você precisa ter) ou das redes sociais (a vida que você precisa ter). “Essa busca pelo prazer faz com que a vida seja mais vazia”, declara Gustavo.
Isso não impede, porém, que o humor e o riso façam parte do dia a dia. “Essas são formas de a gente restaurar o nosso bem-estar, assumindo que ele não é contínuo e trazendo a ideia de felicidade como uma possibilidade”, reflete o psiquiatra Daniel Martins de Barros, colunista do Bem-Estar e autor do livro Rir é Preciso: Descubra a ciência por trás do humor e aprenda a usá-lo para atravessar períodos difíceis e criar relações mais próximas.
O psicólogo Viktor Frankl (1905-1997) também deixa isso claro em seu livro Em Busca de Sentido. Ali, ele conta sobre sua experiência verídica em um campo de concentração e como encontrar uma razão para viver o ajudou em meio à tragédia. No entanto, no dia que essa razão não estava tão clara, o humor era algo que ajudava.
“O riso é uma estratégia de sobrevivência nesse sentido, pois ajuda a trazer alívio, mesmo que temporário. Então não negamos a dor, não negamos a tristeza, mas buscamos nos alegrar. E esse é um dos grandes poderes do humor, né? Porque quando você está rindo, está olhando a vida de uma maneira que não era óbvia – porque se fosse óbvia não teria graça. A graça vem justamente de descortinar um aspecto que você não tinha visto e isso pode ser revelador”, afirma Daniel.
Encontrar um sentido foi algo que ajudou o empresário Mateus Guisasola, de 28 anos, a encontrar a sua felicidade. Ele nasceu com uma síndrome rara chamada artrogripose, e nem sempre lidou bem com a condição.
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”Teve um período que eu usei muita droga, quase diariamente, mas quando eu entendi quem eu queria ser e o que eu queria da minha vida, não deixei me verem como um coitadinho que andava de muletas. Eu podia fazer tudo dentro das minhas limitações. Isso me deu muita força interna”, conta.
A síndrome fez com que Mateus tivesse má formação nas articulações, o que o levou a encarar desafios como mais de 20 cirurgias, uma parada cardíaca e muito bullying. “Felicidade é como você se sente com você mesmo”, afirma. “Mesmo com muita coisa ruim acontecendo na minha vida, eu nunca achei que não iria melhorar. Quando eu olhava para as minhas conquistas, mesmo as pequenas, elas me traziam felicidade.”
Mateus conta que se encontrou quando começou a frequentar o candomblé. “Não importa o que falem, aquilo me faz bem”, diz.
Ponha em prática
Claro que alguns aspectos externos e internos são essenciais para classificar essa felicidade. E daí surge o Relatório Mundial da Felicidade criado pela ONU, que se baseia em variáveis importantes para a vida humana, como o PIB per capita, a expectativa de vida e as percepções de corrupção. “A nossa felicidade individual deve ser cuidada, deve ser olhada, mas ela é logicamente impactada pelo meio onde eu habito. Por mais que esteja tudo bem comigo, se eu coloco o nariz para fora e me deparo com uma sociedade injusta, isso vai me impactar de alguma forma”, afirma Gustavo.
Para existir uma felicidade genuína, na qual seja possível lidar com as naturais ondas negativas de sentimento que surgem ao longo da vida, é preciso, além do já citado autoconhecimento, um sentido ou objetivo. A partir dessa premissa, a especialista em bem-estar e mentora em mudança de hábitos Carla Lubisco, garante que a pessoa pode ser treinada. “A felicidade é uma habilidade. A gente pode e deve aprimorar, desenvolver e qualificá-la através de hábitos saudáveis, pois a felicidade está intrinsecamente ligada à saúde”, garante. Como exemplos, ela traz terapia, exercício físico, cuidados com a alimentação, sono e amor próprio. “Saber o seu valor, seus pontos fortes é essencial para isso, assim como fazer coisas que você ama. Isso vai melhorar seu estresse e sua rotina.”
Uma maneira fácil de encontrar a felicidade como resultado de suas ações é por meio dos chamados “hormônios da felicidade”. A satisfação de fazer o que ama, por exemplo, traz a dopamina; já a atividade física pode liberar a endorfina ou a serotonina. Esses hormônios estimulam a sensação de bem-estar e inibem a irritação e o estresse. Seu estímulo pode afetar nossa frequência cardíaca, sono e apetite, mas seu desequilíbrio, por outro lado, traz consequências negativas para a saúde como insônia, estresse e mau humor.
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Pote de ouro
Claro que todos os sentimentos são importantes para uma vida saudável – algo que rebate a ilusão utópica da felicidade plena como um pote de ouro no fim do arco-íris. Mas reconhecer a multiplicidade de emoções acumuladas que temos e aceitar os altos e baixos da vida seria uma felicidade possível. “Existe uma conexão entre autoconhecimento e a felicidade porque quando a gente não presta atenção na gente mesmo pode se tornar difícil discernir aquilo que estamos sentindo. E isso é fundamental para a gente se livrar logo das emoções negativas e voltar a sentir as emoções positivas”, completa o psiquiatra Daniel.
São muitas as muitas possibilidades de gente engajar nossa atenção a essas emoções positivas – como, por exemplo, refletir qual foi o melhor momento do dia antes de dormir. “Esse estímulo neural faz com que a gente trabalhe uma sinapse, impactando a construção de um cérebro neuroquimicamente mais positivo. Então quando perguntarmos ‘como posso ser mais feliz amanhã’, isso vai colocar o meu cérebro no trabalho para encontrar essa resposta”, explica Gustavo, provando que, no final, a resposta da nossa felicidade está dentro de nós.
Como colocar a felicidade no seu dia a dia?
- Autoavaliação
A felicidade não é o oposto da depressão, “mas ela pode ser uma forma de prevenção a todas essas doenças de fundo mental, porque é uma combinação de elementos do nosso bem-estar físico, emocional, intelectual, relacional e espiritual”, afirma Gustavo. Olhar para esses cinco pontos da sua vida pode ser um bom ponto de partida.
- Veja o lado bom
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Para pensar em defeitos, bastam alguns minutos. Mas as qualidades exigem um pouco mais. Saber o seu potencial, seus pontos positivos e aquilo que te traz feliz é essencial. Apesar do nosso olhar estar voltado para os problemas e o que precisamos melhorar, é preciso não ignorar tudo aquilo que já está bom. Existe até um teste online que pode te ajudar.
- Coloque novidade
Muita da nossa felicidade em uma viagem ou um encontro é o fator desconhecido. Isso traz mistério e inovação para a nossa vida, o que pode ser ótimo para os dias de mesmice. Então que tal planejar algo inusitado?
- Aceite
Dias ruins vão acontecer. Ou até momentos ruins. Mas incluir atividades que possam te tirar, nem que seja aos poucos desses momentos de dor, podem ajudar a curto e longo prazo. Uma conversa com alguém que você confia, uma comida gostosa no fim de um dia longo ou uma boa noite de cuidado podem ser prazeres momentâneos interessantes.
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