Área degradada é estimada em 4 milhões de hectares, o que, segundo especialistas, supera em muito a recuperação de 30 mil hectares com plantio de 73 milhões de árvores até 2023, prevista no projeto.
5 jan 2018
Uma área de pelo menos 4 milhões de hectares, equivalente ao tamanho da
Suíça ou a 4 milhões de campos de futebol, foi destruída na Amazônia
nas últimas décadas e essa degradação, segundo especialistas, criou um
abismo difícil de ser reduzido até mesmo parcialmente - como pretende
fazer um projeto alardeado como "incrivelmente audacioso" e "o maior da
história" nesse campo.
A iniciativa, anunciada na abertura do festival de música Rock in Rio,
em setembro, quer recuperar 30 mil hectares e devolver 73 milhões de
árvores à floresta brasileira até 2023. A previsão é de que as ações
sejam intensificadas em 2018.
A perspectiva significa, na prática, recompor 4,52% do que foi
desmatado somente entre agosto de 2016 e julho de 2017 (6.624
quilômetros quadrados, mais de 600 mil hectares) e resolver 0,75% do
desmatamento total acumulado que atinge uma área de pelo menos 4 milhões
de hectares.
"Apesar de ser sempre louvável que algo seja feito, ao invés da inação,
o projeto é completamente insuficiente para compensar, minimamente, o
que é destruído", diz o pesquisador senior do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (INPE), Antonio Donato Nobre.
"Muvuca"
O projeto prevê a utilização de uma técnica de semeadura chamada
"muvuca", uma mistura de sementes espalhada na terra para tentar chegar o
mais próximo possível ao comportamento da floresta.
O custo médio por hectare chega a ser 3 a 4 vezes menor do que os
métodos mais tradicionais, como o plantio de mudas, diz Rodrigo
Medeiros, da CI-Brasil. "Além da escala, o que torna o custo menor é o
mix de técnicas que serão utilizadas, que vai desde a semeadura direta
de sementes até a condução de regeneração natural", acrescenta.
Na maioria das áreas a mistura é semeada com a ajuda de máquinas. Nas menos extensas, é feita manualmente.
"Por meio dessa técnica, cada uma das espécies vai cumprindo uma função
dentro do ecossistema, que vai desde ajudar a enriquecer o solo, até
trazer mais diversidade, propiciar condições para que os dispersores de
sementes (pássaros, insetos, répteis e mamíferos), possam entrar nessa
área e o princípio básico é: tentar imitar a dinâmica da floresta.
Imitar como ela faria por conta própria", descreve Junqueira, do
Instituto Socioambiental.
Segundo ele, será possível ver que as sementes viraram floresta - ou
caminham para isso - depois de três anos, quando as árvores estarão com
um porte mais avantajado. Em 10 anos, estima, será possível identificar
as espécies que predominam.
"Parte da solução"
Lançadas oficialmente à terra em novembro de 2016, as primeiras
sementes da iniciativa começam a brotar na bacia do rio Xingu, onde
122,6 mil hectares de florestas foram desmatadas entre agosto de 2016 e
julho de 2017.
Agora, 2 milhões de árvores estão sendo restauradas em uma área de 800 hectares.
"Hoje sabemos que no mínimo 4 milhões de hectares de florestas foram
destruídos na Amazônia de maneira ilegal e desnecessária nas últimas
décadas e precisam ser restaurados", diz Rodrigo Medeiros,
vice-presidente da Conservation International para o Brasil (CI-Brasil),
uma das entidades que conduzem o projeto. "Queremos ser parte dessa
solução".
O reflorestamento é feito em parceria com o braço ambiental do Rock in
Rio, o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Socioambiental e o Banco
Mundial. A restauração de cada hectare envolve, em média, cerca de 2
mil pessoas, em atividades que incluem coleta e beneficiamento de
sementes, preparação das áreas, semeadura e monitoramento.
Articulação
"A maioria das experiências anteriores de restauração registradas na
Amazônia não alcançam 30 mil hectares, sem contar com o fato de que eram
iniciativas singulares, sem a articulação que estamos promovendo
agora", diz Medeiros.
Quando oficialmente anunciada, em setembro de 2017, o CEO da
Conservation, M. Sanjayan, descreveu a iniciativa como "incrivelmente
audaciosa".
A declaração foi propagada por diversos veículos nacionais e
internacionais, e acrescentava: "Juntamente com uma aliança de
parceiros, estamos realizando o maior projeto de restauração de
florestas tropicais no mundo, reduzindo o custo de restauração no
processo".
E a ideia, segundo o vice-presidente da Conservation no Brasil, é agregar mais parceiros e recursos para ampliar as ações.
"Temos um horizonte de 6 anos com recursos garantidos, mas não podemos
esquecer que a meta assumida pelo Brasil no Acordo de Paris, com
restauração, vai até 2030. Então, temos muito trabalho pela frente".
Acordo
O acordo de Paris, que ele cita, é um compromisso mundial para reduzir a emissão de gases que causam mudanças no clima.
Por meio desse acordo, o Brasil quer restaurar 12 milhões de hectares
de vegetação, até 2030 - número que corresponde a 60% dos 20 milhões de
hectares estimados como passivo, ou tamanho do problema gerado pelo
desmatamento em todo o território nacional. E isso vai além da Amazônia.
Medeiros considera que o objetivo do projeto que conduz é "grande" se
comparado à escala do que foi feito anteriormente, mas admite que "pode
parecer pequeno" se considerada "a escala do compromisso assumido pelo
Brasil".
Embora não zere o passivo que existe, a expectativa é que os 30 mil
hectares da iniciativa se somem a outros para que os 12 milhões
pretendidos como parte do Acordo sejam atingidos.
A meta brasileira é chegar ao ano 2025 com emissões de gases 37% menores que em 2005 e alcançar 43% de queda em 2030.
Para isso, além de estimular o replantio e a restauração da vegetação, o
governo se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia
sustentável na matriz energética para aproximadamente 18% e a alcançar
uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da
matriz.
Hoje, energia eólica, energia solar e biomassa, que integram a lista
das fontes renováveis, representam uma fatia somada de 16,75% da
potência instalada, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel).
País teria que plantar 2 mil árvores por minuto
Mesmo que do ponto de vista do reflorestamento não seja o único caminho
vislumbrado para o cumprimento desse acordo, o projeto da Conservation
International é usado como base por especialistas para mostrar o longo
caminho que o país tem a percorrer.
De acordo com Antonio Donato Nobre, do INPE, as 73 milhões de árvores
previstas no projeto "representam apenas 25 dias de destruição pelo
ritmo médio do desmatamento nos últimos 40 anos" e, se plantadas em um
ano, corresponderiam a algo em torno de 13% do requerido para repor o
que foi destruído no mesmo período.
O cálculo considera a perda provocada por corte raso, que é a
eliminação da vegetação, normalmente para dar lugar a pastos ou
plantações.
"Para plantar um número de árvores equivalente ao que foi destruído
seria necessário, em um ano, plantar por volta de um bilhão de árvores
ou 2 mil por minuto", estima. Pelo projeto, entretanto, seriam cerca de
14,16 milhões de árvores por ano, até 2023.
Segundo o pesquisador, "para que a recuperação de florestas na Amazônia
tenha qualquer chance de fazer frente às mudanças climáticas locais e
regionais - decorrentes do próprio desmatamento - é preciso que o
passivo de desmatamento seja eliminado.
"A não recuperação desse passivo continuará a permitir a degradação de
florestas devido à mudança climática em curso (mortalidade por secas
sucessivas e degradação por fogo), e esta degradação comprometerá - e já
está comprometendo - o compromisso mínimo do Brasil no acordo de
Paris".
Área maior que a Paraíba estaria em risco
Em um cenário em que a marcha pró-recuperação da floresta mede forças -
em posição de desvantagem - com uma escala enorme de desmatamento, a
realidade descrita por pesquisadores é avaliada como "alarmante". E a
tendência preocupa.
"Se houver um comportamento futuro igual ao do passado, significa que,
entre 2023 e 2030 (anos considerados marcos para o projeto da
Conservation International e para o Acordo de Paris), teremos um
desmatamento de 65 mil a 75 mil quilômetros quadrados, uma área bastante
superior a todo território da Paraíba e mais de 3 vezes o território de
Sergipe", diz o doutor em economia, professor visitante do Middlebury
College (EUA) e pesquisador da Universidade Federal do Paraná, com
trabalhos sobre a Amazônia, Rodolfo Coelho Prates.
O cálculo toma por base uma média de desmatamento de 11 mil quilômetros
quadrados por ano, ou de 1 milhão e 100 mil hectares, que ele diz ter
sido alcançada nos últimos 15 anos.
Só no período de agosto de 2016 a julho de 2017, dados do INPE mostram
que a taxa atingiu 6.624 quilômetros quadrados de corte raso.
O resultado indica uma diminuição de 16% em relação a 2016, quando
ficou em 7.893 quilômetros quadrados, e de 76% ante a taxa registrada em
2004, quando o Governo Federal lançou o Plano para Prevenção e Controle
do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm).
Nobre, do INPE, afirma que não há, porém, o que comemorar. "Há que se
confrontar o passivo", diz, avaliando a degradação de florestas como
"catastrófica".
Cabeceira dos rios
Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre estão entre os Estados onde o
problema é mais crítico. Estão também entre os alvos prioritários no
projeto que a Conservation International desenvolve na floresta, com
parceiros.
O projeto abrange áreas nas cabeceiras e ao longo dos rios considerados
essenciais para manter a regularidade hídrica na região.
O ponto de partida das ações foi a bacia do rio Xingu, onde o plantio
começou em novembro de 2016 e se estendeu até 2017, na porção da bacia
situada no Mato Grosso.
O plantio chegou a 1,5 milhão de árvores, com sementes colhidas e
beneficiadas por índios e agricultores familiares, diz Rodrigo
Junqueira, coordenador do programa Xingu - do Instituto Socioambiental
(ISA) - e conselheiro da Associação Rede de Sementes do Xingu, que
forneceu as sementes usadas nessa etapa do projeto.
Na área, foi utilizada a técnica muvuca de plantio, mais adequada às características locais.
Na lista das que foram plantadas estão, por exemplo, Abóbora, Angelim
da Mata, Angico Cuiabano, Jatobá, Ipê Amarelo, Ipê Roxo, Baru,
Carvoeiro, Caroba da Mata, Mirindiba, Murici, Guadu, Banana Brava, Oi da
Mata, Feijão de Porco e Urucum.
Reflorestamento demandará US$ 10 milhões
Para chegar à área pretendida de 30 mil hectares, o projeto demandará
um investimento total de US$ 10 milhões, equivalente a R$ 33 milhões. O
custo médio por hectare gira em torno de US$ 3 mil (R$ 9,93 mil).
O custo do primeiro milhão de árvores foi bancado pelo Rock in Rio, com
recursos próprios e angariados junto ao público. O segundo milhão será
pago pela CI e os demais pelo projeto Paisagens Sustentáveis da
Amazônia, iniciativa financiada pelo Fundo Global para o Meio Ambiente
(GEF), coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e implementado no
Brasil pelo Banco Mundial tendo a CI e o Funbio como executores.
Em 2018, diz Medeiros, serão selecionadas as áreas e organizações que
irão trabalhar na restauração dos próximos 28 mil hectares. A escolha
será feita nos Estados do Pará, Amazonas, Acre e Rondônia. A expectativa
é que os trabalhos em campo comecem no segundo semestre.
"Esse é de fato o início do processo de destravamento dessa agenda no
Brasil e esperamos que, dentro dos próximos anos, a área em restauração
cresça exponencialmente com várias iniciativas como essa", ressalta o
executivo.
"Divisor de águas"
Para o governo federal, políticas lançadas em 2017 são "um divisor de
águas" do ponto de vista da restauração da vegetação e ações como o
projeto da Conservation International não são inexpressivas. Mas há
desafios.
Segundo o diretor do Departamento de Florestas e Combate ao
Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, Jair Schimitt, a lista
inclui fortalecer a cultura de recuperação no país, viabilizar fontes de
financiamento e criar - além de dar musculatura - a uma cadeia
produtiva, com produção de mudas, coleta de sementes e aperfeiçoamento
das técnicas usadas, por meio de pesquisa e desenvolvimento.
Iniciativas nesse sentido são previstas no Plano Nacional de
Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), lançado em novembro de 2017
como principal instrumento de implementação da Política Nacional para
Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg), instituída em janeiro.
Tais políticas, diz Schimitt, dão diretrizes e estímulos para que mais ações aconteçam.
"Agora que temos instrumentos políticos robustos queremos induzir a
disponibilidade financeira (para projetos na área)", exemplifica o
diretor.
Com base em estimativas da academia, ele afirma que seriam necessários
R$ 50 bilhões ou mais para recuperar os 12 milhões de hectares previstos
no Acordo de Paris. "Mas não quer dizer que o governo tenha que aportar
esse recurso. Grande parte desse desmatamento é ilegal e é dever de
quem fez isso recuperar o que foi destruído."
Schimitt estima que os projetos de recuperação no Brasil somem,
atualmente, 70 mil hectares. Mas afirma que a lista deverá crescer.
Por meio do "Paisagens Sustentáveis", por exemplo, a pretensão é
recuperar 28 mil hectares nos próximos seis anos, o que deverá demandar
um aporte de US$ 60 milhões (R$ 198 milhões) junto ao GEF, principal
fundo de financiamento ambiental no mundo.
Também foi lançada uma chamada pública da ordem de R$ 200 milhões para
recuperação da vegetação na Amazônia. "Espera-se (com isso) de 15 mil a
20 mil hectares ou mais sendo financiados", diz, ressaltando que, "na
história do país, recuperar a vegetação nunca esteve em uma agenda
prioritária", mas que "o assunto começou a se tornar importante" ao ser
posto como compromisso dentro do Acordo de Paris e ao ser objeto de
novas políticas.
"Essa iniciativa da Conservation International, se olharmos outras que
estão em execução, é bastante robusta, porque promover a recuperação da
vegetação nativa não é algo simples e fácil, que vai acontecer da noite
para o dia", diz Schimitt. "Então, a exemplo dessa iniciativa, o que a
gente quer é fomentar outras dessa natureza ou ainda maiores para que,
gradativamente, possamos atingir os resultados almejados".
Por que preservar e reflorestar importa?
Pós-doutor em Ecologia e Gestão da Biodiversidade, Rodrigo Medeiros, da
Conservation International, explica que manter a floresta em pé traz
benefícios como a regulação do clima do planeta e do ciclo hidrológico -
o movimento contínuo da água dos oceanos, continentes (superfície, solo
e rocha) e na atmosfera.
"Cada hectare de floresta restaurada funciona como uma espécie de bomba
dupla que ao mesmo tempo absorve carbono da atmosfera, reduzindo os
efeitos das mudanças climáticas, enquanto bombeia para a atmosfera
milhares de litros de água, sob a forma de vapor, essencial para a
manutenção do regime hidrológico do continente", explica.
A retirada de árvores contribui para tornar o clima "inóspito", segundo
os especialistas, e pode transformar grandes extensões territoriais do
Brasil em desertos.
"Devemos lembrar que aproximadamente 60% das chuvas que caem sobre o
Sudeste, Sul e Centro Oeste são provenientes da Amazônia. E sem floresta
a chuva não alcança tais regiões", diz o pesquisador Rodolfo Coelho
Prates.
Zerar
Mas mais importante do que recuperar a vegetação é zerar o
desmatamento, reforça o pesquisador. Mas ele opina que o ambiente atual
não conspira a favor disso.
"Atualmente, é possível observar que, no ambiente institucional, o
setor ruralista enfrenta um momento favorável, que reflete em segurança
jurídica e políticas voltadas ao setor. Isso propicia o aumento do
desmatamento", afirma.
Ele faz referência, por exemplo, ao "Novo Código Florestal, que
anistiou desmatamentos anteriores e flexibilizou restrições,
principalmente a área de reserva legal; o perdão de dívidas
previdenciárias (Funrural) - o que eleva a capacidade financeira dos
produtores potencializando a expansão das atividades e,
consequentemente, elevando o desmatamento - e mudanças na legislação
trabalhista".
Na visão do especialista, políticas públicas ligadas à questão envolvem
ações para coibir o desmatamento ao mesmo tempo em que, de outro lado, o
levam a avançar. Como exemplo do que gera a expansão das áreas
desmatadas, ele cita o crédito rural e gastos para ampliação do sistema
rodoviário que possibilitam, segundo o pesquisador, o avanço e a
penetração de atividades econômicas em áreas que não alcançavam.
"Mas o maior problema na Amazônia é em relação aos direitos de
propriedade. Pelo fato dos direitos não estarem bem definidos, há um
imenso conflito pelas terras e suas riquezas minerais e florestais,
envolvendo indígenas, ribeirinhos, madeireiros e grandes produtores
rurais", diz, acrescentando que "os dois últimos grupos detêm capital e
consequentemente poder econômico e poder político e têm grande interesse
no desmatamento".
Prates também analisa que o Planaveg, na sua concepção geral, não tem
novidades em relação ao Plano Nacional de Florestas, de 2000, por
exemplo. E aponta: "Apenas nesses 17 anos o desmatamento totalizou
452.302 quilômetros quadrados, o que representa uma área superior a todo
o território da Suécia". "Portanto, é mais um que se soma a tantos
outros planos ineficazes".
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