Oficialização de união de três homens na Colômbia reacende discussão: os casamentos entre mais de duas pessoas têm futuro?
Manuel José Bermúdez Andrade, Víctor Hugo Prada e Alejandro Rodríguez
fizeram história. Eles tiveram oficializada - em seu país, a Colômbia - a
primeira união de três homens no mundo.
O reconhecimento inédito de seu relacionamento a três — um
autoproclamado "trisal" — levanta a questão: será que veremos casamentos
entre três pessoas no futuro?
A história deles mostra que o caminho ainda tem obstáculos.
Os três estavam, na verdade, em um relacionamento a quatro até 2014,
que incluía Alex Esnéider Zabala, morto de câncer naquele ano.
"Tomamos a decisão de nos casar antes de Alex morrer. Inicialmente
seria uma união entre quatro pessoas", diz Prada, que á ator e ativista
gay. "Alex teve um câncer que mudou nossos planos, mas nunca
desistimos."
"Fomos atrás do documento porque estamos juntos há muito tempo. É um
'trisal'...convivemos, vivemos, compartilhamos casa, cama,
leito...tudo", disse Prada à rádio colombiana Caracol.
Eles contaram à mídia colombiana que encaminharam os documentos pedindo a oficialização da união a três cartórios.
"Quinze dias depois eu voltei", relatou Prada. "No primeiro, me
disseram que não tiveram tempo de ler a papelada. No segundo, disseram
que a pessoa encarregada saiu de férias, e no terceiro, onde achava que
seria mais difícil, o tabelião, um senhor de aparência mais
conservadora, nos disse que o documento foi aprovado."
Eles agora planejam fazer uma festa de casamento. Pelo menos em teoria,
a formalização da união garante os mesmos direitos de um casal, mas
ainda não está claro se ela não será contestada de alguma forma, pois,
como na maioria dos países ocidentais, a Constituição prevê que
casamentos sejam entre apenas duas pessoas.
Mas a empreitada de Alejandro, Manuel e Víctor pode ser um passo em
direção à aceitação oficial de relacionamentos poliafetivos?
"Se ativistas decidirem se esforçar nesse sentido, o movimento com
certeza tem potencial para se desenvolver", diz Hadar Aviram, professora
de direito da Universidade da Califórnia, nos EUA.
O que é um relacionamento poliafetivo?
- É um relacionamento amoroso onde as pessoas concordam que todos podem ter mais de um companheiro
- Alguns grupos permitem que membros do relacionamento tenham parceiros fora do grupo, outros não
- Os adeptos do poliamor procuram se diferençar da poligamia praticada em alguns sociedades muçulmanas ou em algumas comunidades mórmons — onde um homem pode ter várias mulheres — com base na percepção de que a prática é inerentemente desvantajosa para as mulheres
Aviram diz que, quando começou sua pesquisa, em 2004, encontrou pouca
disposição para o casamento entre grupos poliafetivo, mas a situação
começou a mudar por volta de 2012.
Naquele ano, um estudo feito pela organização americana Loving More
descobriu que 66% dos adeptos do poliamor questionados gostariam de se
casar com várias pessoas se esse tipo de arranjo fosse permitido. Mais
de 4 mil pessoas foram entrevistadas.
No mesmo ano, uma tabeliã oficializou uma união estável entre um homem e
duas mulheres no interior de São Paulo. Em 2015, três homens na
Tailândia tiveram uma cerimônia de casamento budista.
Aviram diz que a mudança pode estar ligada a uma maior aceitação de
casamentos entre pessoas do mesmo sexo no mundo, abrindo caminhos para
que novos tabus sejam quebrados.
"Talvez nos anos 1970 o casamento homoafetivo fosse tão inacreditável quando o casamento em grupo é hoje", diz ela.
'Senti que era a coisa certa'
Casamento legal pode ainda estar distante, mas casos como o do "trisal"
da Colômbia estão dando esperanças para outras pessoas em relações a
três.
"É muito animador", diz a americana DeAnna Rivas, que é casada e tem
dois filhos. Ela sugeriu ao marido, Manny, que os dois começassem a
experimentar um relacionamento com outra mulher em 2014.
"Eu cresci me sentindo atraída tanto por homens quanto por mulheres",
ela diz. "Mas quando me casei com Manny eu já estava com ele havia cinco
anos e nosso relacionamento era baseado somente em nós dois."
Mas depois do nascimento do segundo filho do casal, DeAnna estava
lidando com uma depressão e sentiu que não estava conseguindo ter apoio
emocional suficiente apenas do marido.
"Eu estava tão infeliz que não conseguia expressar meus sentimentos por
ele. Havia outra parte de mim que estava faltando", diz ela. "Quando
nós conhecemos Melissa, eu simplesmente senti que era a coisa certa."
DeAnna, que é professora de artes, hoje vive com Manny e Melissa James,
de 20 anos. Eles dividem a mesma cama e os salários, a criação das
crianças e as tarefas domésticas.
"É a fantasia da maioria dos homens ter duas mulheres", diz Manny, que é vendedor de barcos.
"Ao mesmo tempo, quando começamos, foi meio intimidador. Eu tinha um
pouco de medo de trazer outra pessoa para o nosso relacionamento. Achei
que talvez ela roubasse minha mulher de mim. Mas dei uma chance e
funcionou melhor do que eu esperava."
Manny, 30, diz que algumas pessoas ficam incomodadas com o
relacionamento dos três — um ex-chefe até ameaçou despedi-lo por causa
disso —, enquanto outras ficam intrigadas.
"A maioria das pessoas imediatamente pensa em poligamia e mórmons
quando fica sabendo [do relacionamento], e eles não gostam da ideia de
um cara com duas mulheres que não interagem. Quando digo que foi uma
ideia mais da minha mulher do que minha, as pessoas ficam mais
compreensivas."
O trio admite que teve de lidar com ciúmes, mas os três acabaram aprendendo a ser mais abertos uns com os outros.
Eles agora planejam uma festa de casamento para junho de 2020.
"Eu queria algo bem bonito e casual", diz Melissa, que é vendedora.
"Com uma treliça coberta com flores e decoração nas cores do arco-íris."
Eles até já escolheram o terno que Manny vai usar na cerimônia.
O casamento, no entanto, não terá efeito legal. Eles precisam achar
alguma forma alternativa de ter a família reconhecida. Manny e Deanna
estão compartilhando a guarda de seus filhos com Melissa. As crianças já
a chamam de "Mamãe MJ". Ela também está planejando mudar seu nome para
Rivas.
Mas sem os direitos estabelecidos pelo casamento, mesmo as pessoas mais
comprometidas com seus relacionamentos poliafetivos não têm acesso aos
mesmos benefícios legais de casais oficialmente casados.
'Não há nada de errado nisso'
A ideia do casamento poliafetivo tem provocado reações, especialmente
na Colômbia, que é um país profundamente católico. Houve pedidos para
que o cartório de Medellín que oficializou o relacionamento dos três
homens seja investigado.
Existem temores de que o poliamor possa ameaçar a família ou a instituição casamento.
Alguns ativistas de direitos LGBT também se opõem à ideia, dizendo que
ela faz troça de sua briga por igualdade e dá a ideia de que a aprovação
do casamento homoafetivo seria o primeiro passo para "desandar" a
instituição.
Até entre pessoas poliafetivas algumas são céticas em relação ao
casamento — muitos não têm o desejo de tornar públicos seus
relacionamentos ou adotar modelos familiares tradicionais, segundo a
professora Aviram.
Segundo ela, se houver mudanças, antes será necessário que haja mais
exemplos para mostrar que relacionamentos poliafetivos podem ser
duradouros.
Manny Rivas diz que adoraria poder se casar legalmente. "Quero mostrar
que não há nada de errado nisso, mostrar que dá para fazer dar certo.
Nós poderíamos ajudar outras pessoas a atingir seus objetivos, nos
tornarmos uma inspiração."
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