O gabinete de onde o Irmão Evilázio Teixeira passou a comandar a PUCRS desde 9 de dezembro possui duas amplas estantes com mais de 3 mil volumes. Mas não são os únicos da coleção. “Eu tenho uma biblioteca digital com 15 mil títulos. Costumo ler no iPad”, conta, sorridente. O repertório de interesses dele passa por administração e direito, além, naturalmente, de teologia e filosofia. Mas já de algum tempo, sua atenção tem se voltado para estudos sobre gestão – especialmente de universidades. Em breve, o efeito desta imersão ficará mais claro. Como antecipou a AMANHÃ na entrevista a seguir, ele prepara a PUCRS para um redesenho que transformará 22 unidades acadêmicas em oito escolas, uma estrutura muito comum em universidades europeias.
Ler é apenas um dos hobbies de Teixeira. Outro é cozinhar. Eclético, vai da culinária italiana a brasileiríssimos pratos à base de peixe, que aprendeu a preparar com a mãe, a irmão e seus vários amigos. “Aprecio o convívio humano. E me entendo como uma pessoa bem humorada e de fácil acesso. Não gosto de muita formalidade”, sorri, com um jeito bonachão que, em vários momentos da conversa, deu lugar a um semblante mais sério, especialmente quando censurou as violações à ética no Brasil e reconheceu que ainda serão necessárias algumas décadas para que os brasileiros aprendam a cobrar melhor postura dos homens públicos, passo essencial para vitalizar a democracia no país. 
Outra crítica é dirigida para o próprio ambiente acadêmico. Segundo Evilázio Teixeira, as universidades também pecam por inovar pouco, ainda que produzam inúmeras pesquisas acadêmicas. “Temos muito a fazer para que o conhecimento consiga gerar riqueza e inovação. Tem de haver um posicionamento interno diferente das universidades”, cobra o novo reitor da PUC, com a autoridade de seus três bacharelados (Teologia, Filosofia e Direito), duas licenciaturas, dois mestrados e dois doutorados (Teologia e Filosofia). “O atual [posicionamento das universidades] ainda é fruto de uma cultura que herdamos.”
Quais são os seus planos para a universidade nos próximos anos?
Acabamos de definir o planejamento até 2022 que está calcado em inovação e desenvolvimento. A principal ação é a transformação de 22 unidades acadêmicas em 8 escolas, algo que vai representar um novo marco para o futuro da PUCRS. No Brasil, esse modelo ainda é incipiente, mas as grandes universidades do mundo já deram esse passo que é unificar por áreas de conhecimento. Essas escolas permitirão maior interdisciplinaridade. É uma caminhada em busca de consolidar a excelência, pois assumimos cada vez mais essa condição de ser uma universidade de classe mundial. Entendemos que esse novo desenho vai permitir maior flexibilização, agilidade e descentralização na gestão. Essa agenda também permitirá a maior interação com o setor produtivo, de modo especial, empresas e governo, sem abrir mão do empreendedorismo, a exemplo do que acontece com o InovaPUC. Chegamos em um nível de pesquisa com patamar de excelência nacional e internacional. Mas também precisamos fortalecer o ensino oferecendo outros ambientes de aprendizagem. 
O TecnoPUC, que foi eleito recentemente o melhor parque científico e tecnológico do Brasil, é um exemplo do que a instituição pretende?
Exato.  O TecnoPUC representa, desde a sua fundação, um ciclo virtuoso da relação entre universidade e setor produtivo. A universidade agrega um valor para o mundo empresarial, pois oferece conhecimento. Por sua vez, as empresas nos ajudam muito, pois a universidade passa a ter a capacidade de oferecer para inúmeros estudantes bolsas de graduação, de mestrado e de doutorado. Essa relação é extremamente importante. Continuaremos expandindo o parque tecnológico. Criamos o InovaPUC, o CriaLab, o Instituto Idea, enfim, áreas que fomentarão inovação de modo muito interessante. E além de ampliar o TecnoPUC, criamos recentemente o Global TecnoPUC, uma área à disposição não apenas da comunidade acadêmica mas também das empresas, que podem fazer experiências as mais diversas no sentido de experimentação e de criatividade. 
Os empresários, em geral, afirmam que há ainda muita distância entre o ambiente acadêmico e as necessidades das companhias. Como o senhor recebe essa crítica?
Acho que muitas barreiras já foram superadas, mas elas devem se tornar cada vez menores. O caminho deveria ser, proporcionalmente, trazer mais empresas para dentro [da universidade] e levar mais estudantes para as empresas. É uma via de duas mãos. Talvez ainda tenhamos de romper com uma tradição demasiada academicista para algo mais ligado ao setor produtivo, pois é ali onde a inovação floresce. Outro elemento a se ter em conta é que o conhecimento tem de ajudar a solucionar problemas. 
Como fazer uma boa síntese e ser capaz de dar respostas rápidas e objetivas, mas sem perder a tradição humanista? 
Essa é a nossa missão, pois a academia tem de construir sínteses que só ela é capaz de fazer. Há necessidade de oferecer respostas rápidas para as demandas da sociedade e das empresas, mas a universidade não pode perder sua capacidade crítica, pois é um lugar de reflexão. Ela é capaz de pensar o ser humano de modo mais integrado, não o tendo apenas como um profissional de mercado, mas também como um cidadão. Sabemos que o conhecimento exige uma velocidade quase incontrolável. Porém, não podemos perder as raízes.
Ainda há entre os pesquisadores brasileiros relutância em dirigir suas pesquisas para conhecimento que se transformará em produto de mercado?
Sim. Porém, creio que estamos avançando bastante no Brasil, embora em escala ainda menor que outros países como os Estados Unidos e parte da Europa. É que temos um conceito de que o conhecimento acadêmico é imaculado. No entanto, temos de nos dar conta que o fato de gerar riqueza não macula o conhecimento – antes pelo contrário: o engrandece. Acho que essa é uma barreira que já foi ultrapassada. Mas é preciso se dar conta que não basta produzir papers somente. A pesquisa acadêmica tem de desembocar em inovação e empreendedorismo. E pesquisa que inova necessariamente tem de gerar riqueza para o país. 
Os pesquisadores brasileiros, na sua opinião, são também inovadores?
Temos um déficit aí, pois o Brasil é um país que produz muita pesquisa, mas não inovação. Há ainda muito a fazer para que o conhecimento consiga gerar riqueza e inovação. Tem de haver um posicionamento interno diferente das universidades. O atual [posicionamento da universidade] ainda é fruto de uma cultura que herdamos. Somos resistentes às mudanças. E, claro, outro elemento que interfere sem dúvida nenhuma, é que o conhecimento tem uma dimensão pragmática. E isso, para nós, é ainda um motivo de resistência. 
Nessa linha, o lucro ainda é mal visto por alguns setores da academia?
Na academia, não trabalhamos com essa ideia de lucro como se faz nas empresas, mas [trabalhamos] com superávit, pois temos de investir [o resultado final do exercício]. Acho que é mais uma questão de vencer o preconceito no que se refere à ideia de que o conhecimento tem de gerar riqueza. E a riqueza não é um mal. O problema não é o lucro, é a distribuição da riqueza. Por isso, a universidade tem essa missão de incluir todas as classes sociais para que todas tenham acesso ao conhecimento e possam produzir  riqueza. O profissional do futuro, de qualquer classe social, não pode mais pensar em ser bom apenas naquilo que faz. Ele terá de pensar que vai ter de gerar empregos também. Essa é a ideia da universidade também enquanto uma instituição que inova e que ajuda o estudante a se tornar um empreendedor, um empresário. E que maravilha que isso aconteça, pois é muito positivo.
Como o senhor avalia o ambiente político atual no Brasil?
O cenário é de muita instabilidade e de bastante insegurança. E, obviamente, essa instabilidade tem impacto direto no crescimento econômico. Espero que os governantes tenham sabedoria e serenidade suficiente para que consigam colocar o Brasil em um bom rumo de desenvolvimento, inclusão e justiça social.
As universidades podem contribuir nesse sentido?
As universidades têm cumprido uma tarefa importante. Posso falar mais especificamente da PUCRS, pois a conheço mais. Hoje, de cada quatro alunos, um tem algum tipo de incentivo. Fazemos isso justamente para manter o universitário e dar oportunidade para que possa também acessar o ensino. É uma grande contribuição que a universidade dá para a sociedade. A universidade se esforça para trazer o máximo possível de alunos, formá-los bem e devolvê-los para o mercado de forma que sejam competentes e bons cidadãos. Outro elemento com o qual estamos muito alinhados é essa visão de inovação, pois a universidade é um vetor do desenvolvimento da sociedade – e ela não faz isso sozinha. Antigamente, se falava muito no conceito da tríplice hélice. Ou seja, a interação entre universidade, governo e empresa. Hoje, o destaque é a quádrupla hélice, onde a sociedade de junta com governo, empresa e a universidade. A sociedade deve demandar à universidade a solução de seus problemas, mas também deve ajudar a universidade a ser uma instituição melhor. 
A sociedade brasileira está realmente preparada para demandar governos, empresas e universidades?
Acho que será um processo de amadurecimento. Alguns grupos já estão bem mais conscientes, enquanto outros precisam avançar. Mesmo porque não temos hoje no Brasil uma democracia intelectualizada. Temos muito a fazer neste sentido. É um grande caminho que deverá passar por um processo de conscientização. Muitos segmentos da sociedade já apontam para esse caminho, mas muitos ainda não acordaram e vão ter de acordar. Creio que isso ainda poderá levar décadas. 
Por qual razão a falta de ética parece imperar no Brasil – e não apenas no campo político? 
Ética não se ensina, se pratica. A ética não pode ser mero discurso ou princípio filosófico. Ela é aquela prática em busca do bem cotidiano. Talvez para nós seja difícil falar dela, pois ouvimos muito discursos, mas que não correspondem à prática cotidiana. Falar de ética tornou-se um jargão. Faltam exemplos a seguir. Precisamos de líderes éticos, de testemunhos de ética, de bons exemplos. As palavras emocionam, os discursos maravilhosos, efusivos criam emoção e causam até comoção. Mas é o exemplo que arrasta as pessoas e que faz com que elas queiram viver determinado projeto ou não. 
O Brasil caiu no ranking mundial de educação em Ciências, Leitura e Matemática. Qual a parcela de culpa do ensino superior nessa estatística?
Assim como existem círculos virtuosos existem os viciosos. E o ensino superior está dentro desse círculo vicioso. Temos déficits muito fortes no que se refere à educação básica. A formação das nossas crianças hoje tem um nível de qualidade baixíssimo. O Brasil estava até um pouco melhor comparado com a Coreia do Sul no final da década de 1960. Hoje, a Coreia do Sul deu um salto inigualável. Nós ficamos para trás. Eu creio que nós não fizemos o dever de casa ao longo dessas quatro décadas. E aí temos um déficit logo de início que vai ter repercussão quando esse aluno chegar na academia. A universidade tem o compromisso de formar bons educadores, mas as deficiências dos jovens que chegam nas faculdades aumentaram nas últimas décadas. Por isso a universidade tem de criar outras possibilidades [de aprendizagem]. Precisamos trabalhar em um modelo mais criativo e participativo. Hoje, lamentavelmente, ser professor no Brasil é uma opção muito secundária. Veja o que está acontecendo com as licenciaturas em todo o país. Em poucos anos não teremos professores, em algumas áreas específicas já está faltando, pois não há incentivo para que sigam a carreira. 
O senhor concorda com a avaliação de que a União Federal gasta demais com ensino superior e muito pouco, e mal, com educação básica?
Nos últimos 20 anos os investimentos em educação superior baixaram muito, e mais especificamente nos últimos anos esses aportes sofreram uma diminuição muito forte. No que se refere especificamente a essa proporcionalidade de que se gasta demasiadamente em ensino superior e menos em educação fundamental, confesso que não teria um posicionamento, pois teria de me aprofundar melhor. Já ouvi alguns comentários em relação a isso. Mas posso afirmar que os investimentos em educação superior caíram muito. 
Por quais razões?
Tem muito a ver com as constantes crises e essa instabilidade política. Isso não faz bem para ninguém. Os ajustes que o Brasil necessariamente precisa fazer e que há anos não consegue implementar tem como consequência a retração dos investimentos em quase todas as áreas. E o ensino superior também foi afetado.  
Quais são as condições que o Brasil deve oferecer para estancar a constante fuga de cérebros para outros países? 
Creio que melhorar as condições dos pesquisadores e das instituições e oferecer as mesmas condições que já existem no mundo globalizado. A instabilidade do Brasil, lamentavelmente, tende a incentivar essa ida de pesquisadores para outros países. No que se refere especificamente à área da pesquisa, temos de oferecer mais incentivos para que os melhores permaneçam e ajudem a desenvolver nosso país. Porém, essa fuga de cérebros, que alguns chamam de Brain Drain, é um fenômeno universal. Os melhores matemáticos da Índia, por exemplo, não trabalham lá. Eles estão nos Estados Unidos. Nesse mundo globalizado, quem acaba captando os melhores é a nação que dá melhores condições. Por outro lado, creio que precisamos formar os profissionais para o mundo e não mais para seus redutos. E, obviamente, pensar globalmente, mas agir localmente. Porém, é fundamental oferecer melhores condições. Não tem outro jeito.