Um gerou academias e liceus, o outro
mosteiros e seminários
O grego chegou a alcançar a velhice, o galileu não teve a mesma sorte. Todavia ambos, Sócrates e Jesus Cristo, apesar de homens pacíficos, foram julgados e condenados à morte acusados de serem uma ameaça à sociedade em que viveram. A essas duas personalidades, um envenenado o outro crucificado, mortos há quase dois mil anos e mais, é a quem o Ocidente deve a sua educação e formação moral.
Os humildes iluminados
“A sua condição de seres supra-históricos os converteu em eternos contemporâneos.”
Karl Jaspers – Die Grossen Philosophen, 1960
Ambos vieram de famílias humildes. A mãe de Sócrates era parteira, o pai de Jesus Cristo um marceneiro. Ofícios que modelaram a atuação pública deles. O grego Sócrates, explicou no diálogo Teeteto, chamava o seu método de ensino de maiêutica, a arte da parteira: mais ou menos como extrair com habilidade o conhecimento de dentro do próprio indivíduo. Era assim, pela dialegesthai, a conversação, que alguém podia alcançar a “Ilustração”, isto é, pensar por si mesmo.
Jesus de Nazaré, por sua vez, auxiliando o pai, com quem aprendeu a carpintaria, convenceu-se da eficácia da repetição, bater e bater os pregos. O mesmo procedimento, o da pregação, que ele adotou. Falar repetidamente por horas e horas para convencer os incréus da eminente chegada do Reino dos Céus.
Separados quatro séculos um do outro, eles atuaram nas cidades mais importantes da cultura em que nasceram. O palco de Sócrates foi as ruas de Atenas, capital do Helenismo e sítio do Pártenon; o de Jesus foi as vielas de Jerusalém e o pátio do Beit Hamikdash, o Templo Sagrado do Judaísmo. Cidades, diga-se, em que nenhum dos dois foram muito populares. Sócrates era um impertinente que levava a maioria dos que o cercavam à exasperação. Com pouca paciência para com a ignorância e a pose presunçosa, como a dos sofistas seus rivais, os seus questionamentos e indagações, feitos em logradouros públicos ou em banquetes, agiam como um cortante bisturi expondo os seus contraditores à mofa.
Jesus, por sua vez, além de detestar os fariseus, os hipócritas, se indispos com meio mundo na entrada do Templo, expulsando com seu cajado os vendilhões que, negociando ali, conspurcavam aquele local sagrado. Mas afinal, como ele mesmo disse, “Não há profeta sem honra, exceto em sua pátria e em sua casa”( Mateus, 13).
Sócrates e Jesus, objetivos diferentes
Tanto os gregos como os judeus daquela época, povos não muito numerosos, cada um no seu tempo, estavam ameaçados por forças imperiais terríveis, poderosíssimas. No outro lado do mar Egeu pairava a sombra ameaçadora do império persa, enquanto a Palestina estava ocupada pelas legiões desde os tempos de Pompeu ( ano de 63 a.C.).
Apesar dos dois ouvirem vozes (Sócrates as chamou de dáimon, Jesus de Espirito), diferiam, porém, nos objetivos pretendidos. O grego procurava formar homens públicos, cidadãos que atuassem com seriedade e correção nos assuntos comunitários. O galileu queria convertidos, inocentes como crianças, para conduzi-los para o alto, ao Reino do Deus Pai.
Se Sócrates teve discípulos que o honraram, como Platão ou Xenofonte, Jesus teve em Pedro a sua rocha. Mas também foram seus seguidores quem os decepcionaram e os traíram. Sócrates foi parar no Areópago, o tribunal de Atenas, para responder pelo comportamento indigno de Alcibíades e de Crítias, seus admiradores, acusado de “ corromper a juventude”.
Jesus, traído por Judas, acusado de blasfêmia e de desrespeito à religião oficial, teve que apresentar-se no Sinédrio para responder a Caifás e depois a Pilatos, governador romano da Judéia que o entregou à cruz. O público de Sócrates era geralmente muito instruído, o que o exercitou na dialética do techne logon, a arte do discurso racional. Bem ao contrário dos quem Jesus se dirigia, à multidão dos infelizes da terra, massa iletrada, o que fez dele um gênio no uso da parábola.
Educadores da humanidade
Sentenciado a beber cicuta, em 399 a.C., o veneno com que se eliminava o condenado a morte em Atenas, Sócrates passou seu últimos momentos com seus discípulos Críton, Fédon, Apolidoro, Cebes e Símias, conversando até o fim, até o momento em que o seu corpo esfriava, ironicamente recordou-se que devia sacrificar um galo a Esculápio, o deus da medicina (Fédon - epílogo). Antes da prisão e crucificação, no ano de 33, Jesus fez sua derradeira ceia com seus apóstolos no Getsêmani, ao pé do Monte das Oliveiras, e igualmente lembrou-se de um galo, prevendo que Pedro, “antes que o galo cante”, o negaria três vezes (Mateus - 26).
Sócrates e Jesus, o Sábio e o Messias, a luz para um era o saber, o conhecimento, para o outro foi a fé e a salvação da alma. Um gerou academias e liceus, o outro mosteiros e seminários. Educadores da humanidade.
Bibliografia
Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Irmãs Paulinas, 1985-
Gnilka, Joachim – Jesus de Nazaré, Mensagem e História, Petrópolis, Editora Vozes, 2000.
Jaspers, Karl – Los grandes filósofos: los hombres decisivos, Buenos Aires, Editorial Sur, S.A., 1971,
Platão – Diálogos: Fédon – Sofista- Político , Porto Alegre, Editora Globo, vol. II, 1961
Stone, I.F. – O julgamento de Sócrates, São Paulo, Companhia das Letras, 1988.
Tovar, Antonio – Vida de Sócrates, Madri, Alianza Universidad, 1986
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