sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

O paraíso não está no Norte

Desde que tenho uso da razão ouço falar maravilhas dos países nórdicos. A esquerda planetária situou-os sempre como o modelo a seguir, aquele que tinha conseguido a social-democracia perfeita: a compatibilidade entre um alto nível de vida, um desemprego moderado e um Estado de bem-estar capaz de satisfazer as aspirações de todos os indivíduos. Em suma, países verdadeiramente felizes. Naturalmente, tudo é falso, mas isso não impede a esquerda de continuar a insistir no modelo apesar de os clichés terem muito pouco que ver com a realidade. Em Espanha é muito frequente ouvir os dirigentes socialistas brandir o exemplo dos países nórdicos com umas propostas que são precisamente as contrárias às que há anos ali se aplicam. Até tem sido constante no partido radical Podemos, o homólogo ao Bloco de Esquerda de Portugal, que também recorreu às democracias escandinavas como o espelho no qual se deve olhar. Não conheço pessoalmente estes locais. Só estive uma vez de visita a Helsínquia e em Rovaniemi, na Finlândia, e a única coisa que posso dizer é que fazia tanto frio que conseguimos compreender porque tanta gente bebe tanto álcool. Imagino que a falta de luz, que a temperatura polar e que a hostilidade geral do espaço natural explicam que a Finlândia, que é um país digno de visitar pelo menos uma vez na vida, tenha um dos mais altos índices de alcoolismo do mundo e uma das maiores taxas de suicídio. Mas esquecendo as impressões pessoais, que são sempre subjetivas, o que é chocante é que a esquerda defenda o modelo de países que há muito tempo implementam políticas contrárias às suas. Desde a segunda metade dos anos 1990, e face ao fiasco da social-democracia perfeita que veneram os nossos estúpidos compatriotas - a falsa Arcádia feliz à que continuam agarrados -, todos os países nórdicos fizeram grandes cortes na despesa público e em todo o tipo de impostos. Além disso, introduziram importantes reformas estruturais para reduzir o défice, a dívida pública e o custo dos programas sociais. Também promoveram medidas para dotar os mercados de mais eficiência. Isto é, têm vindo a empreender políticas liberais que escandalizariam os nossos clássicos se estes tivessem alguma vez o objetivo de testar as suas hipóteses e confrontar os seus desejos com a realidade. Na Suécia, por exemplo, há anos que se abriu a concorrência do setor privado à prestação de serviços públicos monopolizados antes pela administração e nem o mais esquerdista extremista dali se lembrou de nacionalizar a banca, as telecomunicações ou as empresas de energia como defendeu em mais de uma ocasião o Podemos e provavelmente algum dos dirigentes do Bloco de Esquerda em Portugal.
As despesas públicas face ao PIB têm vindo a ser reduzidas progressivamente nos últimos anos na Suécia, na Finlândia e na Dinamarca, e as prestações sociais também diminuíram em termos relativos. Mas talvez a maior inovação destes países se tenha registado no terreno fiscal, com uma redução drástica dos impostos sobre o capital e as empresas, algo que seria um motivo de escândalo para qualquer esquerdista que se preze, mas que ali ocorreu como um facto natural, depois de comprovar que é a melhor maneira para promover o crescimento e a criação de emprego. O imposto sobre os rendimentos pessoais continuar a ser muito alto, mas o resto das taxas é muito mais baixo do que em qualquer país do continente. Na Suécia, por exemplo, o regime de comparticipação, tanto para o sistema de saúde público como para os medicamentos, está totalmente generalizado, de forma a que os cidadãos financiem boa parte das consultas médicas habituais, dos fármacos e até das urgências.
Tanto na área dos serviços sociais, incluindo os da terceira idade, como nos educativos, abriu-se a via para a externalização com base no direito à livre escolha, por parte do contribuinte, entre os centros públicos ou os privados que recebem do Estado contribuições financeiras semelhantes. Os subsídios de desemprego e as pensões são na Suécia muito inferiores às existentes em Espanha, o que estimula a proatividade do trabalhador no momento de procurar emprego. Em suma, a Suécia, por seguir este exemplo, continua a ser um dos países mais igualitários e ricos do mundo, precisamente porque se adaptou às circunstâncias e aos novos tempos e abandonou as políticas nocivas que ainda continuam a ser utilizadas pelos seus admiradores na hora de usar os países nórdicos como exemplo.
Mas talvez a questão mais interessante para saber se os países nórdicos, e usemos o caso concreto da Suécia, são realmente exemplares como deseja e ao mesmo tempo argumenta a esquerda é tentar perceber se as pessoas ali são assim tão felizes. E a resposta é não. Como relata o escritor Mario Silar (1), um imigrante que lá vive, as estatísticas demográficas são demolidoras. Revelam, por exemplo, que um em cada dois suecos vive só - a taxa mais elevada do mundo - e que um em cada quatro suecos morre na solidão. Existem muitas pessoas que morrem em casa e que só são descobertas passado muito tempo. Qual é a origem desta situação tão dramática? Segundo o documentário A Teoria do Amor Sueca, do realizador Erik Gandini, tudo tem que ver com o projeto de família inventado nada mais nada menos do que pelo primeiro-ministro social-democrata Olof Palme nos anos 70 do século passado. O programa de Palme procurava independentizar os indivíduos dos laços familiares, libertá-los do peso familiar com o objetivo de serem completamente livres para se definirem apenas pelas relações que queiram voluntariamente ter enquanto o Estado assumiria as outras relações que o indivíduo considera gravosas. Passados mais de 40 anos desta experiência de engenharia social, metade da população sueca vive só e, segundo um estudo da Cruz Vermelha, 40% afirmam além disso sentir-se sozinhos. A sociedade sueca desenhada pela tecnocracia social-democrata, com a aprovação da esquerda mundial, não soube intuir o que aconteceria se se perdesse a interdependência saudável e genuína entre os seres humanos. Numa entrevista para esse documentário, o sociólogo de origem polaca Zygmunt Bauman diz: os suecos perderam a capacidade de socialização. No fim da independência não está a felicidade, está o vazio da vida, a insignificância da vida, e um aborrecimento inimaginável. E uma personagem que aparece no documentário aponta a razão: "Que o Estado de bem-estar esteja a cuidar de nós é o problema! Devíamos estar nós a cuidar uns dos outros." Há uma conclusão clara destes acontecimentos: o quadro conceptual a partir do qual se criou o individualismo não tem nada que ver com as bases de uma economia de livre mercado, alheias ao pensamento social-democrata, mas obedeceu ao impulso mais básico da tecnocracia esquerdista, que pretende habitualmente, mediante a engenharia social, definir de cima para baixo o modo como se deve desenvolver a vida em comunidade. E que falha miseravelmente, como é o caso dos países nórdicos, que não só não são exemplares, por terem sofrido durante demasiado tempo o flagelo da esquerda, como, em alguns casos como o da Suécia, ainda sofrem as suas consequências.

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